Nesta semana começamos a publicar uma série de pequenos artigos sobre práticas e vícios construtivos que prejudicam as cidades do Brasil e talvez até algumas de outros países. São os excessos de fios e cabos pendurados sobre as calçadas, as rampas de carros colocadas no caminho de pedestres, a inexplicável mania de pintar com cal as guias, sarjetas e caules das maltratadas árvores urbanas. São tantas esquisitices que sugeri o nome “Burrices Urbanas” para a nova série. A ideia é não apenas apontar os problemas, mas também sugerir soluções práticas para esses males.
São problemas às vezes invisíveis, pequenos ou grandes, locais ou nacionais, envolvendo políticas públicas e macro planejamento urbano: passeios, praças, paisagismo e arborização, iluminação, saneamento, ocupação de espaços públicos e, obviamente, mobilidade urbana em suas várias escalas.
Um aviso: “Não pretendemos esgotar aqui todo o rol de besteiras presentes nas cidades, seja por improvisação, negligência, ou tolerância excessiva a erros e falhas. Mas, com a colaboração e participação dos leitores interessados, poderemos ampliar esse repertório, e quem sabe, sensibilizar os responsáveis pela gestão das cidades”. Portanto, colaborações, sugestões e críticas – desde que conduzidas de forma civilizada – serão sempre bem recebidas.
Para começar e aproveitar o início das avaliações da Campanha Calçadas do Brasil, começamos a série com aquelas “burrices” que afetam diretamente quem caminha ou circula em cadeiras de rodas no meio urbano.
1. PASSEIOS E CALÇADAS
“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho” (Carlos Drummond de Andrade)
O assunto parece óbvio, mas ante tanta ignorância, cabe explicar: calçadas ou passeios são aquelas faixas compreendidas entre o alinhamento do lote de terreno e o meio-fio. São, por definição, áreas eminentes públicas, mesmo que a responsabilidade de sua manutenção legal possa ser repassada ao proprietário ou usuário do imóvel.
São elementos fundamentais da paisagem urbana, como parte vital dos seus espaços públicos, que entre outras funções, devem permitir principalmente a mobilidade livre para todas as pessoas sem distinção, com qualidade, segurança e conforto.
Para tanto devem ser criativos, ter seu dimensionamento adequado, pavimento correto, para garantir seu uso e permitir a circulação das pessoas de forma continua e livre de obstáculos de qualquer tipo. Devem ser bem iluminados, arborizados, limpos, bonitos, seguros e atrativos, com todos os bons requisitos e equipamentos para o uso indiscriminado e prazeroso de todos que os utilizam.
Esses fatores permitem a fluidez necessária, a liberdade para a mobilidade de todas as pessoas, independente de suas limitações físicas. Os passeios devem garantir a segurança, evitar acidentes e até permitir o flanar despreocupado.
Apresentamos a seguir diversos exemplos negativos (como não se deve fazer) e registramos as verdadeiras barbaridades cometidas, que atentam contra a vida civilizada, saudável e segura nas cidades. Os aspectos apresentados são de situações reais e recorrentes, que podem ser encontradas fartamente nas caminhadas urbanas, às vezes de forma repetitiva e contínua.
Paralelamente, na sequência, serão apresentadas sugestões tecnicamente corretas para solucionar os problemas, que são fáceis e econômicas, face aos benefícios sociais propiciados.
1.1 Má Execução
Mesmo quando largos e generosos, esses passeios apresentam os problemas decorrentes de sua má execução ou manutenção. Em geral, não foram obedecidos princípios técnicos mínimos de qualidade, como juntas de dilatação, base de sustentação, ou a adequada complementação do material original. Essas condições os tornam perigosos e difíceis de caminhar.
1.2 Passeios Estreitos
Frutos de arruamentos mal projetados e em geral sem aprovação que privilegiaram as ruas para os automóveis negligenciando ou ignorando os espaços dos passeios.
Assim resultaram esses passeios estreitos, minimamente livres ou com os obstáculos de postes ou árvores que dificultam ou impedem a passagem livre ou ainda obrigam os pedestres a caminharem no leito de veículos, pondo em perigo a sua integridade.
A solução seria o alargamento dos passeios e eventual diminuição do leito carroçável, dependendo das condições locais.
1.3 Acabamentos inadequados
Quando os pisos são executados com materiais inadequados de acabamento, para a mobilidade, como cerâmicas lisas, escorregadias, ou muito rugosas como pedra portuguesa, folhetim de Miracema ou similares a substituição ou correção são necessárias.
Quantos riscos de quedas ou acidentes desnecessários para o pedestres sejam adultos, crianças, idosos, mulheres com saltos, cadeirantes essas soluções podem acarretar? Quanta economia em tratamentos ortopédicos ou outros?
No caso especifico da aplicação do mosaico português, essa herança cultural lusa, ou outro material de valor histórico, poderá haver uma solução que concilie a preservação de parte onde justificável com a garantia da mobilidade livre, como tem sido feito em vários lugares.
A solução contemporânea mais usual adotada para esses casos é o cimentado corrido, ou concreto leve com juntas, sobre base estruturada, segundo normas da ABNT.
1.4 Passeios Irregulares e Rampas particulares
Nas ruas inclinadas ou em desníveis de soleira em relação à rua são construídos esses passeios com degraus ao longo ou ainda com rampas transversais, que são verdadeiros atentados contra a mobilidade dos e a segurança dos pedestres. Como permitir essas violências contra o pedestre?Neste caso, o individualismo prevalece sobre o interesse coletivo. Privilegiar o seu acesso exclusivo, seja de carro ou a pé, é mais importante do que a continuidade confortável e segura do passeio para todos.
As soleiras dos imóveis é que devem ser ajustadas ao ¨grade¨ da rua, nunca o contrário. Os projetos devem levar em consideração que esses ajustes devem ser feitos do alinhamento para dentro do lote, e nunca pra fora.
Sabemos que nem sempre as concordâncias podem ser perfeitas, mas uma faixa continua deve ser garantida para a caminhada do pedestre, sem degraus ou rampas impeditivas. Na figura abaixo vemos um exemplo de como esse ajuste pode ser feito.
1.5 Invasões Indevidas
Nos passeios, há toda sorte de invasões indevidas. Verdadeiros absurdos. Há aquele que avança seu gradil para aumentar o recuo de frente a fim de caber seu auto, como aqueles que transformam o passeio em estacionamento privado, ainda o que burla o alinhamento para ganhar espaço estrangulando o passeio, outros que usam o passeio como suporte estrutural para seu muro ou ainda os vendedores ambulantes desempregados.
A falta de fiscalização municipal, que deveria coibir os abusos, é a maior responsável por esse tipo de abuso, que fere a lei e que prejudica ou impede a circulação dos pedestres.
1.6 Acessibilidade Prejudicada
Neste item as cidades brasileiras ainda têm muito que percorrer para se livrar das burrices ou omissões existentes. Na verdade, as cidades não foram pensadas para atender às pessoas com necessidades especiais. Daí, as dificuldades e limitações que essa parcela da população enfrenta para se locomover.
Seja na sinalização viária, no sistema de transporte coletivo, nos passeios e calçadas, nos diversos lugares e ambientes públicos ou privados é preciso garantir esse direito de inclusão. Já foi pior. Porém aumentou bastante a consciência e a legislação que trata do assunto no Brasil. Mas ainda estamos longe de prover e garantir a todos aqueles com algum tipo de deficiência, seja motora, visual ou auditiva acesso a todos os lugares da cidade.
1.7 Soluções possíveis
As soluções para esses problemas específicos dos passeios passam por vários fatores:
Eles devem ter seu dimensionamento adequado, revestimento correto, para garantir seu uso e a circulação continua e livre de obstáculos de qualquer tipo, serem bem iluminados, arborizados, limpos, bonitos, seguros e atrativos, com todos os bons requisitos e equipamentos para o uso indiscriminado e prazeroso de todos que os utilizam.
Esses fatores permitem a fluidez necessária, a liberdade para a mobilidade de todas as pessoas, independentes das suas limitações, garantem a segurança evitando acidentes e até o flanar despreocupado.
Tecnicamente passa por projetos executivos, executados por profissionais competentes, levando em conta à escolha dos materiais mais adequados, o dimensionamento correto, a sobrecarga prevista, a preparação da base, a colocação das juntas de dilatação e retração, o caimento para o escoamento das águas pluviais e a manutenção permanente, são elementos fundamentais para a sua correta execução e desempenho.
A eliminação de todos os degraus, rampas ou outros obstáculos existentes nos passeios, garantindo uma faixa livre, fazendo-os acompanhar o caimento das ruas, obrigando a concordância dos acessos aos lotes.
Cabe, também, garantir a permeabilidade do pavimento, para o escoamento controlado das águas pluviais.
1.8 Fontes e referências
Há varias normas técnicas, leis, decretos, cartilhas e manuais de prefeituras que disciplinam a matéria, que consultados podem melhor orientar essas soluções. Destacamos alguns exemplos a seguir:
Norma NBR 12.255, Execução e Utilização de Passeios Públicos
Lei municipal SP 14.675/08, sobre calçadas acessíveis
Decreto Federal 5.296, que deu ao Desenho Universal a força de lei
Regulamentação PMSP/Lei 15.733/2013
Campanha Calçadas do Brasil 2019 – Normas e Guias sobre Calçadas
Cartilha de Calçadas de São Paulo
Guia de Construção de Calçadas Soluções para Cidades
Livro “Calçada, o 1º degrau da cidadania