Todo dia no ônibus é sempre igual. Mas meu olhar atento – quem sabe um pouco crítico? – não se cansa de observar a entrada do time feminino, comprovadamente em maior número que o masculino.
Já tentei me abstrair, meditar entre uma parada e outra, olhar para a natureza, respirar fundo, mas não consigo. Elas realmente me chamam atenção. A maioria, melhor dizendo. O momento de cruzar a catraca (um nome horrível, por sinal) é um acontecimento, por vezes uma tortura.
Tudo por conta do volume excessivo de corpos e objetos, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, contrariando a lei da física, de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. No ônibus, pode.
Todos os dias, testemunho imensos traseiros passando pela roleta, não sem algum esforço, claro! As coisas se complicam quando, além deles, dos traseiros avantajados, junta-se a comissão de frente em sua plenitude e abundância. Aí é hora da ginástica – vira para um lado, vira para o outro, até conseguir passar. Ufa! Pior mesmo é quando temos um terceiro fator envolvido: aquele volume que começa logo acima das coxas e termina alguns centímetros antes da comissão de frente. A temida, mas devo dizer também cultuada, barriga.
Chego a ficar sem fôlego só de olhar. A circunferência em torno da cintura é um caso extremamente difícil e delicado. Duro mesmo é quando os volumes ficam descobertos ou saltam para fora da calça ou da saia. Confesso que sinto um nó no estômago quando percebo, consternada, o atrito dos corpos semidesnudos com o aço. Chego a ter taquicardia, temendo que alguém fique preso para sempre entre a entrada e a saída.
Como se não bastasse o volume, digamos, pessoal, tem aqueles que carregam extras. É aí que entram as famigeradas bolsas gigantes e sacolas, quase sempre de compras. A cena é quase bizarra, não fosse incômoda. Para os outros e para mim, que fico realmente aflita diante da peleja alheia.
Em dias de águas, junte-se a isso o guarda-chuva para formar um cenário no mínimo desconfortável e quase grotesco. E o que dizer das crianças, cujas mães não conseguem levantá-las para fazer jus à livre entrada? Elas, as crianças, são obrigadas a se arrastarem pelo chão debaixo da famigerada catraca, arrastando também um zilhão de bactérias direto das mãos para a boca.
Parte meu coração quando, além de tudo, elas levam em suas mãozinhas uma guloseima qualquer, um lanche que provavelmente lhe foi oferecido pouco antes do ônibus chegar.
Procuro evitar o transporte público na hora de pico. E tenho sorte de morar no centro, onde o fluxo é maior. Mas sei que existe constrangimento ainda pior, os chamados “assédios”, que podem vir de um “encoxamento” – termo que se usa quando o ônibus está lotado e os homens se aproveitam para se espremer contra o corpo da mulher – ou de algo ainda mais explícito. Inadmissível, para dizer o mínimo.
Recentemente, foi lançada campanha – em forma de lei – como forma de prevenção e esclarecimento. O ato é crime. E ponto. Infelizmente, ou felizmente, o transporte público é um meio de locomoção e um direito de todos.
Certo dia, alguém me perguntou, talvez por ignorância, o motivo pelo qual faço uso frequente do ônibus. Para quem merece uma boa resposta, digo que abandonei há anos o carro e detesto dirigir. Aos que não merecem, apenas sorrio e digo: “É a vida”. E é a vida que transcorre assim, meio apertada, meio sem jeito, às vezes sem direito a um mínimo de dignidade.
E posso me dar por satisfeita – quase feliz: não tenho nenhum problema para passar pela roleta. Apenas na hora em que, desavisadamente, percebo que acabaram os créditos do cartão. Essa tal de catraca é mesmo um desafio.
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