Ciclovia Tim Maia apresenta falhas também em outros trechos, aponta o MPF. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Entenda em detalhes o que foi apurado no laudo técnico da ciclovia Tim Maia, no Rio, parcialmente destruída em abril, e entenda por que o MPF pede um novo estudo, e a Justiça a suspensão das obras de recuperação do trecho desabado. Leia a seguir a ampla reportagem realizada pelo jornal O Globo:
O laudo de 96 páginas com o estudo sobre as condições estruturais da Ciclovia Tim Maia feito pela Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec) aponta que a prefeitura deve “mapear e avaliar toda a sua estrutura”, do Leblon a São Conrado.
A instituição, contratada pelo próprio município para uma perícia independente no local, já indica que “outros trechos da ciclovia são vulneráveis à ação das ondas”, sejam em partes adjacentes ao local do colapso da estrutura, ou em pontos que ficam na direção de São Conrado, incluindo o calçadão, cujos pilares já são atingidos pelo mar. Na segunda-feira (6), a Justiça Federal determinou que a prefeitura suspenda de imediato a reconstrução da ciclovia entre os pilares 48 e 49 sob pena de multa diária de R$ 100 mil.
Foi baseado neste laudo que o Ministério Público Federal pediu à Justiça a paralisação das obras de imediato no trecho que desabou, além da interdição do restante, até que o estudo seja feito em toda a ciclovia. No relatório técnico assinado por seis engenheiros, além de dois diretores da Coppe, as fotos revelam que, por exemplo, ao lado da Gruta da Imprensa, onde ocorreu o desabamento, há seis locais onde as ondas, ao se chocarem contra as paredes e muretas, produzem jatos capazes de atingir alturas elevadas, em decorrência do impulso provocado pela arrebentação.
Algumas dessas muretas para conter a queda de pedras e a erosão foram construídas nas encostas pela própria prefeitura. No relatório, os engenheiros ressaltam que foi justamente a formação desse jato que ocasionou o colapso da ciclovia, pois a força dele foi suficiente para romper e deslocar o tabuleiro. A orientação dos técnicos é de que não são recomendáveis muretas deste tipo no local.
A procuradora da República Zani Cajueiro Tobias de Souza, responsável pela ação civil pública contra a prefeitura, Consórcio Contemat-Concrejato e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), disse que os engenheiros chegaram a sugerir à prefeitura, antes mesmo de o laudo ficar pronto, que seria imprescindível fazer o estudo do trecho da ciclovia que não caiu.
Garantia de segurança
"O MPF não é contra a ciclovia. Pelo contrário, a nossa pretensão é justamente que seja entregue uma obra de qualidade e que garanta a segurança da população. Um dos pontos que nos preocupa, por exemplo, são os locais com potencial formação dos jatos, que são as muretas para contenção de encostas. Elas potencializam a energia das ondas. O agravante agora é que, com as ressacas de fim de inverno e o fenômeno do El Niño, que ocorrem em agosto, justamente na data prevista pela prefeitura para o término da reconstrução da ciclovia, outras partes possam entrar em colapso. Foi justamente por isso que corremos com a ação para impedir a obra", explicou a representante do MPF.
Segundo Zani Cajueiro, em seus depoimentos, os engenheiros da Coppe contaram que a proposta inicial apresentada por eles à prefeitura foi justamente a de estudar toda a estrutura da ciclovia Tim Maia:
"Eles disseram que é preciso ver com cuidado os outros pontos. Isso consta na nossa ata de reunião no MPF. No entanto, o Município só os contratou para o trecho onde houve o colapso do tabuleiro de concreto. Não podemos permitir que a ciclovia seja liberada sem um estudo aprofundado", explicou a procuradora da República, com o conhecimento de quem estudou quatro anos de engenharia.
O laudo informa ainda que a plataforma, entre os pilares 48 e 49, escorregou. Após simulações em laboratório, os engenheiros constataram que houve um desequilíbrio do “tabuleiro “descolado” de seus apoios” por ação dos jatos d’água, fazendo com que a viga deslizasse em direção ao costão para, depois, seguir em queda livre. Na ata da reunião feita no MPF, no dia 16 de junho, os engenheiros contaram à procuradora da República que a força da onda que chegou ao tabuleiro foi menor que “a falada num primeiro momento” e que ele tombou. De acordo com o texto da ata, “o esforço de onda foi apenas o suficiente para levantar aquela parte da ciclovia, com consequente escorregamento; que a gravidade, após a retirada do tabuleiro de seu encaixe, fez o resto”.
Além disso, a profundidade do oceano no costão da Avenida Niemeyer, onde houve a queda da ciclovia é incerta, pois nunca foi feito um estudo de batimetria, que analisa esse ítem. Esta foi, inclusive, a primeira recomendação técnica feita pela Coppetec no relatório entregue à prefeitura. Segundo o documento, “há carência de detalhamento batimétrico, porém dados disponíveis e levando em conta o nível de maré, pode-se estimar uma profundidade de 5 metros no mar nas proximidades da Gruta da Imprensa”. Os técnicos citam também a falta de de informações ambientais da topografia do costão.
Ao contrário do que foi dito na época, a onda que atingiu a ciclovia não foi centenária. Segundo o laudo da Coppetec, “pelas observações visuais obtidas durante o evento, conclui-se que não se tratou de uma ressaca extrema, eventos que ocorrem a intervalos de 40 a 50 anos, de acordo com levantamento feito através de notícias de jornal desde 1850 até 2010. Nesses eventos, observa-se ondas de até 4 metros de altura. Não se pode dizer nem mesmo que tenha sido uma ressaca típica”.
"A onda era forte, mas não era 'espetacular'". Na época da construção da ciclovia, os responsáveis pela obra usaram como parâmetro, a altura da onda de Ipojuca, no Nordeste, que chega a 2,5 metros de altura. Como podem usar um padrão de maneira aleatória? Não se pode apostar que o mar não vai chegar na ciclovia, comentou Zani Cajueiro, que também pede na ação a instalação de uma fita especial no costão da Niemeyer, que indique os níveisl das ondas, com transmissão em tempo real para o centro de operações da prefeitura.
Na coletiva realizada no último dia 13, quando o prefeito Eduardo Paes anunciou a reconstrução do trecho da ciclovia que caiu para agosto, podendo ou não ser no período das Olimpíadas, ele disse também informou que pretende criar um sistema de monitoramento de ondas. Segundo Paes, a prefeitura estaria adquirindo duas boias de medição de ondas e, junto com mais duas da Marinha, fariam a análise de risco para emitir os alertas para para toda a orla. O monitoramento foi sugerido pelo INPH (Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias), também contratado pela prefeitura.
Outro dado que chama a atenção no laudo é o desgaste prematuro dos materiais utilizados na construção da ciclovia, inaugurada no dia 17 de janeiro deste ano. O assunto chegou a ser abordado pelos engenheiros numa parte denominada anexo A do relatório, repleto de fotos que mostram a corrosão na região do apoio dos pilares e cobertura de concreto insuficiente ao ponto de deixar as ferragens expostas. As fissuras no pilar 49, um dos que suportava o tabuleiro que caiu, também foram indicados no laudo da Coppetec.
"Em 17 anos de MPF, ainda não tinha observado uma obra com tantas falhas na concepção e na execução", disse a procuradora da República.
O laudo custou R$ 272,6 mil à prefeitura, que ainda não pagou a Coppetec. Os engenheiros que assinam o relatório estão impedidos de fazer comentários, pois na proposta celebrada com o Município consta uma cláusula de sigilo.
Clique aqui para ler a matéria de O Globo na íntegra, incluindo a resposta da Prefeitura do Rio e o vídeo com a entrevista da procuradora.
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