Diariamente, as águas calmas da Lagoa da Conceição são cruzadas a barco por dezenas de moradores e representam a única opção viável para transporte de quem mora na margem oeste desse recanto natural, onde fica o bairro Costa da Lagoa. Se não for por água, a alternativa é encarar uma trilha a pé por aproximadamente oito quilômetros.
O trajeto de barco é realizado por duas empresas diferentes e parte de dois pontos: do Rio Vermelho, pela Coopercosta, e da margem direita da Lagoa, próximo à ponte da Avenida das Rendeiras, pela Cooperbarco. Somente por essa última empresa, nove barcos levam mensalmente cerca de 5 mil pessoas, entre trabalhadores e estudantes. Há ainda os turistas, que também apreciam o trajeto, que podem chegar a até 15 mil passageiros na alta temporada.
Embora Florianópolis esteja rodeada por água, este é o único serviço de transporte aquaviário oferecido na Ilha e, volta e meia, é apontado por moradores como uma possível solução para o caos da mobilidade urbana. É o caso do diretor da Coperbarco, Ailton José Goes: “Seria a melhor coisa para Florianópolis”, opina. “Ligar o pessoal do Continente à Ilha, ou do Centro ao Norte e Sul, seria bem mais rápido. Mas precisaria de mais investimento. Aqui mesmo, o preço está defasado e se não fosse uma ajuda que a prefeitura nos dá, não daria nem para pagar as despesas com o óleo do barco”, completa.
“Para a mobilidade, não existe somente uma solução”
O consultor Rodolfo Guidi afirma que para a mobilidade não existe apenas uma solução e que as cidades que têm um transporte mais evoluído estão sempre se movimentando. Segundo ele, para evoluir essa questão em Florianópolis e criar uma cidade mais amigável para as pessoas, o ideal seria priorizar ao transporte coletivo.
“Florianópolis não tem faixa, nem corredor exclusivo para ônibus. Então temos que dar prioridade para os ônibus conseguirem cumprir o tempo de viagem e unir as integrações. Favorecer o transporte coletivo nas vias e não disputar com os carros. A segunda questão, mais de urbanismo, é a segurança, seja em cruzamentos, calçadas, caminhadas, iluminação. Hoje, a pessoa tem medo de ficar no ponto de ônibus à noite. E é a segurança que vai fazer com que essa pessoa possa desembarcar e se sentir tranquila em caminhar na rua”, considera.
Guidi explica que o barco do tipo catamarã seria ideal para o percurso, já que exige menos profundidade, não balança e tem mais velocidade comercial. No entanto, um único barco tem o custo de quase dois ônibus articulados, o que torna esse tipo de transporte mais inviável financeiramente. “Ainda levando em conta a quantidade de uma tripulação que tem que ter dentro de um barco, o salário de um marinheiro de proa, um auxiliar. Do outro lado, você tem um motorista e um cobrador. O consumo de um motor de barco é muito maior que o de um motor de ônibus. O estudo que fizemos mostra que esse transporte sairia entre R$ 12 e R$ 16 reais a tarifa, enquanto que o ônibus custa R$ 3,50 e pega na porta de casa”, acrescenta.
Plano de Mobilidade
O que parece tão evidente para os moradores, ainda é questionado por especialistas. Depois de dois anos de estudos, o transporte aquaviário foi considerado pelo Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável) apenas como um modo complementar na região. “Os atuais padrões de deslocamento e de ocupação urbana do território da Grande Florianópolis não concentram as demandas de viagem junto a rotas que o transporte marítimo pudesse atender”, diz o relatório.
Rodolfo Guidi, mestre em gestão e planejamento de transportes e consultor de mobilidade do Plamus, explica que, além de caro, o projeto necessitaria de um investimento muito maior que simplesmente colocar alguns barcos no mar. Seriam necessários serviços e infraestruturas físicas que pudessem atender aos passageiros após a saída do barco, já que a maioria das atividades urbanas e das residências não está próxima às margens do mar.
“A gente sempre precisa ter a concentração de um transbordo e trabalhar com outro modal de transporte. Usando uma aglomeração estudantil como exemplo, não tem como um barco chegar à UFSC ou à UDESC, não tem como chegar ao Sapiens Park. E o que o passageiro menos quer fazer é transbordo. O transporte aquaviário exige, quando não o transbordo, ficar à cara do gol, o que não acontece”, comenta.
De acordo com o especialista, pensando em uma ligação entre os municípios de Palhoça, São José e Florianópolis, uns dos pontos mais favoráveis para atracação apontados nos estudos seriam no Clube de Remos e aos fundos do Centrosul, mas eles dificultariam a ligação dos pedestres com as vias urbanas. “Quantos cruzamentos e regiões inabitadas o pedestre teria que passar? O grande impeditivo é levar as pessoas até os pontos de atracação tendo em vista o custo de se fazer isso. Se você vai gastar R$ 1 milhão em um barco catamarã, num transporte para 70 a 90 pessoas, vai gastar R$ 100 milhões para construir um projeto de urbanização, seguro, iluminado e realmente amigável ao pedestre”, conclui Guidi.
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