A região Norte de Florianópolis é a mais coberta por rodovias estaduais na Ilha de Santa Catarina. Ali estão as SCs 400, 402, 403 e trechos da 401 e 406. E a dura realidade de quem anda de bicicleta nessas vias se assemelha em muitos pontos.
Nos perímetros mais movimentados, como no centrinho dos Ingleses (SC-403) e do Rio Vermelho (SC-406), o problema está na falta de espaço para a passagem dos ciclistas e pedestres. As rodovias se tornaram avenidas movimentadas, mas sem a devida humanização de parte da engenharia. Em alguns pontos as rodovias são utilizadas para a prática esportiva, o que deveria exigir maior atenção com a falta de conservação, que inclui buracos e trechos sem acostamento algum.
A SC-402, que em seus 5 km liga a SC-401 a Jurerê, é um trecho de baixo fluxo de veículos, e um dos favoritos dos ciclistas que treinam para competições ou pedaladas de longas distâncias. É o caso da triatleta Denise Espindola, 36 anos. Mas nesse local onde a moça pedala geralmente são registrados acidentes nas saídas de baladas, nos fins de semana. Por isso, a ciclista passou a pedalar somente de segunda à sexta-feira. “Já vi tantos carros capotados aqui nas manhãs de sábado que desisti de passar por este trecho. Desisti também porque meu treinador proibiu todos os seus alunos de pedalar por aqui aos sábados e domingos, desde a morte do Róger Bitencourt”, disse a moradora do bairro Trindade. Denise pedala em média 30 km diariamente e garante: o medo aumenta a cada acidente envolvendo ciclistas na cidade.
No trevo de Jurerê está o acesso à praia da Daniela, feito pela menor rodovia estadual de Florianópolis, a SC-400, com apenas 4 km de extensão. É nesse ponto que os namorados Ana Luiza Guaraná e Pedro Ibarros fazem a volta para retornar aos seus bairros de origem - ela para a Barra da Lagoa e ele para o Rio Vermelho. São dois anos de parceria no pedal e milhares de quilômetros percorridos pela Grande Florianópolis, a maioria em passeios nos fins de semana. “Não me preocupo com o tempo x velocidade porque preciso estar atento às calçadas, crianças e animais pelo caminho”, observa Ibarros.
Ciente dos perigos que rondam as SCs 400, 401 e 402, os autônomos Ana Luiza Guaraná e Pedro Ibarros evitam estes trechos nos fins de semana, quando pedalam em média 100 km, 60 km a mais que o percorrido de segunda à sexta-feira. “Levei duas fechadas dos motoristas no mesmo dia. Por sorte nunca caí. Mas tenho uma amiga que se machucou sério”, conta Ana.
Ela detalha ainda que pedala por teimosia, porque, embora o visual da Ilha seja convidativo à pratica de esportes ao ar livre, a falta de infraestrutura da cidade desafia a segurança dos ciclistas. “Não pedalo sozinha e não ando na contramão. Tem sido assim desde que deixei a bike da academia”, diz.
Falta fiscalização
A dupla é unanime ao apontar a fiscalização nas saídas das baladas como uma das mais importantes medidas para melhorar a segurança nas rodovias do Norte da Ilha. “Precisamos que sejam tampados os buracos e de cortes mais frequentes da vegetação. Mas eu sonho com o dia em que os motoristas tenham de pedalar nas rodovias, como requisito para tirar a CNH [Carteira Nacional de Habilitação]”, afirma Ibarros.
Ele lamenta o modo como alguns motoristas de ônibus buzinam e apressam os ciclistas quando eles não têm outro local para passar a não ser a pista de rolamento. Após percorrer o trecho sem acostamento, o casal de ciclistas pega a SC-401 até chegar à SC-403, em direção de casa.
SC-403: faixa dividida entre ciclistas e pedestres
A SC-403, rodovia que teve a duplicação inaugurada em dezembro de 2015, conta com uma faixa multiuso em toda a extensão de 5,2 km, que passa pelos bairros Vargem Grande, Vargem do Bom Jesus e Vila União até chegar ao centrinho de Ingleses. É neste ponto onde se concentra o principal problema da rodovia, já que por ali centenas de pessoas dividem a faixa multiuso. São pedestres e ciclistas que querem espaço delimitados para quem caminha e pedala.
A farmacêutica Ivane Vieira, por exemplo, tem motocicleta, no entanto não usa o veículo desde que deixou São Paulo (SP) em busca da qualidade de vida de Florianópolis, há 4 anos. O trajeto de 2 km até o trabalho, a moradora do Santinho percorre de bicicleta e pedalando ela circula por Ingleses para ir ao banco, supermercado, academia e cumprir tarefas rotineiras. No total são mais de 40 km pedalados a cada dia. “Só não me arrisco a ir até a SC-401, porque ela se tornou a rodovia da morte para os ciclistas”, lamenta.
A delimitação dos espaços para motos, automóveis, pedestres e bicicletas é a indicação da farmacêutica para melhorar a segurança da população local. “Aqui é muito movimentado, principalmente durante o verão. Parece o trânsito da Índia”, brinca.
Na Vargem do Bom Jesus, sentido Centro-bairro, está instalado o pesadelo da técnica administrativa Maria Roseli de Castro.
É pelo trecho ainda em obras da SC-403 que a mãe de Vânio Luiz, de 9 anos, pedala diariamente. Após deixar a criança na escola, Maria segue de bicicleta até Canasvieiras, onde trabalha. Se é difícil passar pelo local com poeira, pedras soltas e terra acumulada, em dias de chuva a situação é ainda pior. “Durante as obras de duplicação tive vários problemas com a bicicleta. Pneu furado e rolamento danificado nem conto mais. Também virei o pé ao passar sobre os entulhos. Uma ciclofaixa faz muita falta”, diz. “Neste trecho é menos perigoso empurrar a bicicleta com meu filho. Preciso que acabem com esse pesadelo. Que terminem essa obra. Eu pedalo por necessidade, não estou passeando”, completa.
Em nota, a Casan informou que a transposição da adutora de água, de 400 milímetros, será concluída dentro do prazo previsto, o dia 15 de abril. A tubulação está sendo assentada sob a calçada da SC 403, numa extensão de 1.500 metros. Os tubos e conexões de ferro fundido foram fornecidos pela empresa SaintGobain e estão sendo instalados pela Cosatel, contratada pela Casan para realizar a transposição.
Projeto Z30 a caminho
Com um centrinho bem urbanizado, mas pouco humanizado, o bairro Ingleses necessita de melhorias que talvez possam ser concebidas por meio dos projetos estudados por técnicos do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis). O instituto tem, de acordo com a arquiteta Vera Lúcia Gonçalves da Silva, estudado algumas soluções de curto prazo para melhoria da segurança viária englobando pedestres e ciclistas.
Algumas propostas visam transformar as rodovias que cortam a cidade em avenidas urbanas, com o conceito de rua completa, que dá condições de deslocamento para todos os modos de transporte, priorizando os meios não motorizados e o transporte público coletivo. “Exemplo dessas medidas é o projeto zona 30, que restringe a velocidade máxima dos veículos motorizados em 30 km/h e insere outros elementos de desenho urbano, de modo a humanizar as vias. A velocidade de 30 km/h é recomendada por estudos que relacionam a velocidade dos veículos com a taxa de mortalidade nos acidentes”, aponta.
Os técnicos do Ipuf salientam que a prioridade a pedestres e ciclistas sobre os modais motorizados não é somente uma diretriz do instituto, e sim uma política pública que obedece à lei 12.587/2012, que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana e deve ser seguida por todos os agentes de planejamento das cidades brasileiras. “As vias construídas e as existentes requalificadas são pensadas e devem ser executadas de maneira que as pessoas estejam em primeiro lugar, seguidos dos ciclistas, transporte coletivo público e automóveis, permitindo a mobilidade com segurança e fluidez dentre a hierarquia dos modais”, diz a arquiteta.
Florianópolis tem, segundo levantamento realizado em setembro do ano passado, 58,75 km de rotas cicloviárias, incluindo ciclovias, ciclofaixas e passeios compartilhados. Deste total, 35,58 km são ciclovias, ou seja, espaços delimitados por barreiras físicas.
Na cidade, 13,30 km de ciclofaixas estão sobre as SCs, sob competência do Deinfra (Departamento Estadual de Infraestrutura). Os estudos realizados pelo Ipuf são feitos em parceria com Deinfra e Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis).
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