A obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Cuiabá simboliza os erros de planejamento e o desperdício de dinheiro público na Copa do Mundo de 2014. Contratado por meio do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), o VLT de Cuiabá tinha um custo previsto de R$ 1,4 bilhão e deveria estar pronto em junho do ano passado. Quase 18 meses depois, já foram gastos R$ 1 bilhão e apenas 54% das obras foram executadas. Hoje elas estão paralisadas por decisão judicial. Também não há uma previsão exata de quanto vai custar – estima-se que o valor pode chegar a R$ 2,1 bilhões (50% a mais que o contratado).
A sequência de erros que culminou nesse cenário absurdo foi detalhada em relatório da Secretaria de Estado das Cidades do Governo de Mato Grosso (Secid), gerida pelo arquiteto e urbanista Eduardo Chiletto. Ele apresentou os dados durante a 48ª Reunião Plenária do CAU/BR, realizada em Brasília nos dias 19 e 20 de novembro. “O que aconteceu com o VLT de Cuiabá é o melhor exemplo do que não deve ser feito com dinheiro público”, afirma Chiletto. “É a combinação de um modelo ruim, o RDC, com má gestão pública”.
Falta de bons projetos
O relatório destaca, em diversos trechos, que a principal causa dos problemas encontrados na obra é a falta de projetos detalhados. “Sem projetos adequados não há como garantir a qualidade e até a segurança das obras executadas”, dizia em abril de 2013 o relatório da gerenciadora contratada para companhar as obras. “Também fica muito restrito o acompanhamento do processo de produção”. Alguns serviços foram iniciados sem a aprovação dos projetos. O relatório diz que a principal medida a ser adotada é a “regularização da entrega e revisão dos projetos”.
Segundo a avaliação, os projetos executivos entregues estavam mais próximos de projetos básicos, sem o detalhamento necessário. “Muito aquém do que deveria ter sido entregue. É como se fossem anteprojetos melhorados”, diz Chiletto. A gerenciadora aponta também a falta de detalhes em projetos executivos (que poderiam levar a erros de execução) e o não-atendimento a normas da ABNT.
Dos projetos executivos entregues, mais de 65% apresentaram algum problema: 48% foram aprovados com restrições e 17% não foram aprovados. Sendo que, nos projetos, cerca de .
Há também erros puramente de execução. Um dos viadutos foi feito com 80 m a menos do que recomendado pelo estudo inicial. Em outro caso, uma das obras causou diversos alagamentos em uma das principais vias da cidade.
Nessa época, 55% da obra já deveria estar pronta, mas apenas 7% dos trabalhos tinham sido entregues. E mesmo assim, com vários problemas. “Na verdade, têm sido constatados erros grosseiros de construção. Note-se que tais equívocos não estão ocorrendo sequer em decorrência de pressão de prazo, já que a velocidade das obras está bastante baixa”, diz o relatório.
O relatório traz conclusões que demonstram com clareza os prejuízos para o interesse público quando o governo contrata uma obra ao mesmo tempo que os projetos. Abaixo, alguns itens apontados no relatório da Secretaria das Cidades de MT:
“É inadmissível às boas práticas de gestão pública a continuidade da obra nos moldes realizados até dezembro de 2014;
Sem um projeto bem elaborado, ninguém sabe QUANTO custará a obra, QUANDO acabará nem a sequência a ser adotada;
A ausência do projeto executivo, do projeto geométrico e do projeto de desapropriação comprometem o andamento geral da obra;
Ausência de planejamento e de providências corretivas contribuiu de maneira definitiva para o atraso, a baixa qualidade e o alto custo da obra;
A falta de um cronograma e de uma sequência lógica das obras causará um dano moral coletivo imenso;
Obviamente, a população foi induzida ao erro na medida em que nem o custo da obra, nem o prazo de execução, nem a tarifa estimada poderão ser implementados com segurança”.
Os arquitetos e urbanistas que compõem o CAU/BR mostraram-se estarrecidos com os problemas apresentados. “Trata-se de um caso gravíssimo, que reforça o posicionamento das entidades de Arquitetura e Urbanismo e de Engenharia a favor do projeto completo”, afirmou o presidente Haroldo Pinheiro. “Não se trata de uma questão corporativa, pois o projeto vai ser feito de qualquer jeito. O que se discute é o momento da entrega, a sequência lógica do planejamento”.
A presidente da AsBEA, Miriam Addor, classificou a situação como “caso de polícia”. “A obra começou em 2012 e apenas em 2013 foi apontado o problema da falta de projetos. É uma coisa gravíssima”. “Um problema muito sério no país é que não se sabe o que é um projeto executivo. E quem avalia os projetos básicos são pessoas da área jurídica ou administrativa”, disse o conselheiro federal Sanderland Ribeiro. Renato Nunes, conselheiro federal por São Paulo, afirma que os atrasos e os erros na obra são naturais de um processo que já começou errado. “É uma vergonha, um decaso decorrente de um arranjo político-financeiro”, afirmou.
O secretário Eduardo Chiletto diz que lamenta a paralisação das obras, mas que não há como retomá-las antes da conclusão do processo judicial. “Não podemos retomar as obras com esses problemas todos, apesar dos apelos da população”, disse.
Leia aqui o relatório completo.
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