O Tribunal de Contas do Município (TCM) suspendeu "sine-die" a continuidade da licitação dos transportes públicos de São Paulo. No texto do TCM são levantados questionamentos sobre o edital, que prevê concessões de 20 anos e um valor total entre 140 e 160 bilhões de reais.
O secretário Jilmar Tatto acha que os questionamentos são "normais, pelo valor e tempo dos contratos". Tatto explica que as novas concessões trarão mudanças importantes na qualidade dos serviços oferecidos à população da capital paulista, como acessibilidade em todos os veículos, ar condicionado e wifi nos coletivos, informação nas paradas e, acima de tudo, um aumento na oferta de viagens e assentos. Em todas as linhas, os ônibus circularão a cada seis minutos, garante Tatto. Veja mais detalhes na entrevista, que foi concedida em seu gabinete, no centro de São Paulo:
São Paulo está realizando uma licitação para concessão do transporte público no município. Como está o processo e o que a Prefeitura vislumbra com o edital?
A concessão anterior, de dez anos, está acabando e por isso preparamos este novo edital, para mais 20 anos. Esse novo edital elimina o conceito de permissão, que havia no modelo anterior. Serão apenas concessões.
O sr. pode esclarecer a diferença entre os dois modelos?
As permissões não exigem que as empresas necessariamente façam investimentos, o que é obrigatório nas concessões.
Porque 20 anos? O próprio Tribunal de Contas está questionando esse prazo tão longo...
É normal que o TCM peça explicações sobre o edital. Trata-se de uma licitação complexa, de mais de 140 bilhões de reais. Antes de soltar o edital nós tomamos algumas precauções: fizemos um balanço de todos os problemas que no passado prejudicaram a operação de ônibus na cidade. Isto foi feito pela consultoria EY. Além disso, contratamos uma empresa (Oficina) para desenvolver o projeto básico da rede de transporte. Também definimos novos parâmetros econômico-financeiros para a operação e estabelecemos novos critérios para fiscalização e remuneração, que serão todos eletrônicos.
Nós achamos que 20 anos é um tempo adequado, para que sejam feitas duas rodadas de investimento na frota. E a cada quatro anos, como o contrato é de longo prazo, nós faremos uma revisão, uma aferição para verificar se as condições do serviço estão sendo atendidas conforme o contrato. Esse trabalho vai ser feito por uma auditoria externa, não vai ser feito pela Prefeitura. Mesmo assim, o Tribunal considerou que deveria pedir explicações. Nós temos um prazo de dez dias (até 23/11) e estamos respondendo a todas as dúvidas. São questões como: Por que 20 anos, Por que concessão...e nós vamos responder que é porque a lei municipal prevê isso.
Como vai funcionar a rede de transporte?
São três grandes eixos na operação do sistema. O primeiro é o estrutural, sobre os grandes corredores e avenidas, que têm capacidade para receber corredores de transporte onde circularão os ônibus articulados e bi-articulados. Esses ônibus andam sempre em linha reta, não entram nos bairros. O segundo é formado pela rede estrutural regional, que são as avenidas secundárias, que não comportam os ônibus grandes, mas que receberão os ônibus médios.
Esses corredores farão as ligações regionais. Os últimos são os eixos distribuidores, com ônibus menores e microônibus, que levam o usuário das ruas mais estreitas para alimentar os corredores e terminais. Por isso a licitação tem três editais: estrutural, regional e de distribuição. A novidade é que vai haver uma área de operação que vai atender apenas a região central, com ônibus de menor porte, como forma de evitar o impacto gerado pelos grandes veículos.
Uma matéria do jornal "O Estado de S. Paulo" levantou a possibilidade de que o novo modelo estimule os empresários a lotar ao máximo os ônibus...
O edital prevê um aumento de 14% na oferta de assentos para os passageiros, embora estejamos reduzindo uma parte da frota. Vamos trabalhar com ônibus de maior capacidade nos corredores e vamos aumentar em 18% o número de viagens. O critério de lotação é de seis passageiros por metro quadrado, que é um padrão internacional. Além disso, vamos padronizar os ciclos de partida, em no máximo seis minutos, em todas as linhas, exceto durante a madrugada.
Agora, se o empresário conseguir manter o padrão de qualidade e oferecer algo acima desse mínimo previsto no edital, o resultado econômico desse excedente vai ser dividido 50/50 entre a empresa e a prefeitura. É um ganho, um prêmio, para quem superar o padrão.
Que empresas podem participar na licitação?
Uma mudança importante é que não serão mais aceitas as cooperativas. Serão apenas empresas, e todas Sociedades de Propósito Específico (SPEs). Ou seja, serão criadas empresas para operar o transporte público em São Paulo durante 20 anos e quando terminar essa concessão as empresas também serão encerradas. Isso evita que a operação em São Paulo seja "contaminada" por dificuldades que o mesmo grupo econômico esteja enfrentando em outras cidades.Esse cuidado, essa sugestão de exigir a criação de SPEs, nasceu de uma orientação da consultoria realizada pela EY.
A forma de remuneração das empresas também muda?
Sem dúvida. Hoje as empresas recebem 100% de seu faturamento pela quantidade de passageiros transportados. No novo modelo, os pagamentos serão feitos 50% por passageiro transportado e 50% pela qualidade do serviço prestado: disponibilidade de frota, cumprimento do horário de partida e também pela avaliação dos passageiros. Essa mudança é importante porque permite que a Prefeitura organize as linhas e sofra menos pressão pela busca do passageiro e pela disputa daquelas linhas mais rentáveis.
Qual é a previsão de subsídio nas tarifas? Os especialistas dizem que no Brasil o índice está em torno de 20%, muito abaixo do praticado na Europa e EUA, onde os governos pagam para estimular o cidadão a usar o transporte público... Qual é a cifra em São Paulo?
Hoje o subsídio em São Paulo chega quase a 30%. Nós vamos chegar a quase 2 bilhões de reais em 2015, de um total de 6 bilhões, o que dá um terço... Estamos acima de 30%, acima da média brasileira. A questão é quem deve financiar o transporte público? Nós achamos que o usuário deve bancar uma parcela, o empresário, outra fatia, a população deve assumir outra parcela, por meio do orçamento municipal, e o usuário do carro privado também deve assumir uma parte por meio da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), imposto sobre o combustível. O empresário, em minha visão, deveria assumir uma parte do subsídio mesmo que o seu empregado não use o transporte público, isso porque o serviço está disponível. E o dono do carro deve pagar porque ele ocupa um espaço que é público e porque atrapalha a circulação do ônibus.
Como vai ser feita a gestão do sistema de transporte?
As SPEs terão que instalar um Centro de Controle Operacional, que terá a função de controlar, operar e, no caso da SPTrans, fiscalizar o funcionamento do sistema. Nós teremos várias empresas atuando em São Paulo, com diferentes visões empresariais, mas todas terão que atuar segundo uma lógica da cidade: verificar como as linhas estão funcionando, se há necessidade de mais ônibus em uma linha, acrescentar ou tirar linhas, e esse controle operacional por meio de GPS vai ser feito centralizadamente. Todas as empresas que vencerem a licitação terão que participar da construção, instalação e operação do CCO, com o acompanhamento da SPTrans. Isso vai ser um bem reversível: essa inteligência instalada, a experiência acumulada ficarão para a cidade.
De que forma os veículos serão integrados ao CCO?
Os ônibus terão que ter computador de bordo para garantir uma operação assistida, para que o ônibus não esteja nem adiantado, nem atrasado, de forma que o passageiro saiba quando o veículo chegará em cada ponto.
Haverá interação com apps e com os pontos de parada?
Já temos alguns aplicativos que permitem aos usuários acessar o sistema e saber onde o ônibus está e que horas vai passar. Mas, nós queremos que essa informação esteja disponível também em cada parada, por meio de comunicação eletrônica. A instalação e manutenção dos abrigos de ônibus é controlada pela SPObras, por meio de uma concessão e nós vamos colocar essa informação em tempo real, inicialmente nas principais paradas.
No ano passado o Mobilize desenvolveu a campanha Sinalize!, que procurava estimular a melhoria da sinalização para pedestres, ciclistas e usuários do transporte público. E há algum tempo fizemos uma reportagem para entender como andava a sinalização nos novos pontos de ônibus de São Paulo...
A concessão, quando foi feita, privilegiou a lógica da propaganda. O contrato vigente não prevê nenhum recurso de informação ao usuário. Nós queremos fazer uma mudança, um aditivo ao contrato, para que as paradas tenham a informação aos usuários, não a informação naquela folhinha colada nos pontos - que já foi um avanço - mas a informação on-line: quais as linhas que passam no local, a que horas o ônibus passará...Isto esta sendo testado pelo pessoal da SPObras. No futuro queremos que todas as paradas, assim como os ônibus, também tenham wifi, para conforto do passageiro.
E a formação dos motoristas e cobradores?
O novo edital prevê que a Prefeitura remunere os profissionais três dias por ano para treinamento e qualificação, tanto para melhorar a relação com o usuário como para atualizar os operadores em relação às novas tecnologias, porque os ônibus estão ficando mais complexos. Terão ar-condicionado, wifi e toda a frota será acessível a pessoas com deficiência. Além disso, é necessário treinar os condutores para melhorar sua relação com o trânsito da cidade, que também está mudando, que terá de haver mais respeito ao pedestre, ao cliclista...
Leia mais nos próximos dias: Jilmar Tatto fala sobre ciclovias, bicicletas públicas, calçadas e transporte de cargas
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