O espanto geral sobre a "maquiagem" dolosa da Volkswagen - VW faz lembrar a triste polêmica que se arrasta no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre "que padrões de qualidade do ar (PQAr) adotar no país, e quando fazê-lo?".
Essa discussão é nada menos que mais uma das grandes farsas da atualidade - absurda, desonesta e irresponsável que, no entanto, misteriosamente, desperta bem menos reações do que deveria - entre elas, algumas manifestações admiráveis, como dos obstinados colegas do Instituto Saúde e Sustentabilidade e do Prof. Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Como nos países que aplicam a boa ciência para o benefício dos cidadãos, o PQAr deveria ser um indicador objetivo, um nível de referência único e muito bem definido, de concentração ambiente de um determinado poluente, acima do qual há risco cientificamente comprovado de danos à saúde pública, especialmente nos grupos mais suscetíveis. Trocando em miúdos, com certeza estatística, muita gente morre mais cedo e fica doente na região que apresenta violações rotineiras do PQAr.
É, portanto, inaceitável que os superespecializados agentes reguladores do Conama, embora reconheçam a legitimidade científica dos PQAr recomendados desde 2005 pela Organização Mundial da Saúde - OMS (ou mesmo de outros PQAr similares adotados por países desenvolvidos), resistam em adotá-los vigorando já, e cogitem estabelecer prazos de cinco, dez ou mais anos para início de sua vigência. Ou, como fez por decreto em 2013 o governador do Estado de São Paulo, estabeleçam chicanas intermediárias e prazos indefinidos para que os PQAr entrem em vigor não se sabe quando. Os estrategistas do atraso ambiental fazem toda essa manobra, já sabendo que, quando isso ocorrer, se ocorrer, os futuros PQAr da OMS já serão outros, bem mais rigorosos que os de 2005 - acompanhando as novas descobertas científicas.
Controle de poluição
Na prática da comunicação oficial, adotar um nível de concentração de um dado poluente como PQAr define e delimita de modo pragmático as manchas do mapa que serão identificadas em vermelho nos relatórios periódicos de qualidade do ar das agências de saúde pública e ambientais. As áreas em branco do mapa, que não foram pintadas de vermelho, estariam supostamente em condições seguras de salubridade ambiental, segundo a autoridade oficial. Entretanto, muitas dessas áreas brancas, indicadas como "seguras", se fossem adotados PQAr cientificamente atualizados, seriam - na verdade - coloridas com vermelho cor de sangue, sendo objeto imediato de medidas de controle de poluição específicas.
É isso que vem ocorrendo nos últimos anos quando as atentas autoridades ambientais e de saúde de Paris, conforme regulamento, em dias de contingência ambiental com altas concentrações de partículas inaláveis (PI), ordenam o desencadeamento de um conjunto de medidas drásticas de emergência para conter as concentrações ambientes excessivas, enquanto no Brasil, para ocorrências em níveis similares, não há deflagração de medidas especiais devido à desatualização regulatória.
Em suma, PQAr desatualizados, sem representatividade médica, passam à população uma informação oficial falseada, carente de correlação com a realidade da saúde pública - e isso não é ético.
Daí, sugere-se aos organismos competentes que atuam no Conama que, ao definirem os novos PQAr brasileiros, estabeleçam como requisito indispensável e obrigatório da lei - seja quais forem os níveis intermediários e as respectivas datas de sua entrada em vigor, a serem adotados como novas metas de qualidade do ar brasileiras (parâmetros esses de relevância secundária) - a divulgação sistemática dos mapas de não-conformidade ambiental atmosférica, para cada poluente, utilizando necessariamente como referência os PQAr recomendados pela OMS. A população terá assim a chance de evitar áreas comprovadamente contaminadas e fazer suas escolhas geográficas de forma segura, tendo garantido o acesso à informação respeitosa e fidedigna quanto ao grau de risco à saúde cardiorrespiratória, em cada quadrante do território nacional.
Tomadores de decisão na área de planejamento e transportes também terão dessa forma, à sua disposição, informações transparentes e atualizadas para definir com uma antecipação bem mais adequada mecanismos eficazes de controle de poluição e sistemas de mobilidade urbana mais protegidos e limpos, para maximização dos benefícios à saúde da população.
Se a VW está sendo crucificada (e com razão) e pagará muito caro por enganar o mundo, e a si mesma, com informações falseadas relacionadas com a saúde cardiorrespiratória da população - e isso está sendo tomado prioritariamente por autoridades ambientais em todo planeta como o "marco zero" de uma série de medidas de correção de rumos no universo regulatório -, é também justo e necessário que os PQAr e as referências práticas para tomada de decisão utilizados no Brasil sejam, de fato, sempre representativos do risco ambiental em tempo real observado em cada região.
Postergar por anos a fio a declaração oficial de não-conformidade ambiental de áreas de risco pode ser configurado pelos (agora alertas) agentes de defesa da cidadania como um deliberado atentado à saúde pública.
Veja nesta matéria do jornal FSP o que está ocorrendo no ar da cidade e no Conama, e tire suas próprias conclusões.
*Olimpio Alvares é Diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; é membro fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP, Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Associação Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades - Sobratt e ex-gerente da área de controle de emissões de veículos em uso da Cetesb
**Artigo enviado em colaboração ao Mobilize Brasil
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