Linhas de ônibus sem integração, congestionamentos, inexistência de ciclovias, calçadas esburacadas. Esses são alguns sinais de que o espaço viário não é bem utilizado. Os congestionamentos e, como consequência o aumento dos tempos de viagens, são realidade nas cidades brasileiras. Três capitais já aparecem entre as 10 metrópoles mais congestionadas do mundo. O levantamento Measuring Congestion Worldwide da empresa Tomtom mostra que o Rio de Janeiro está em terceiro lugar; a quinta posição é ocupada por Salvador e em sexto está Recife.
Para falar sobre as escolhas que levaram à atual conformação das cidades e do sistema viário e medidas para tornar as cidades mais eficientes no quesito mobilidade, a Perkons entrevistou o arquiteto e urbanista Ayrton Camargo e Silva. Ele é o atual diretor presidente da Estrada de Ferro Campos do Jordão e autor do livro “Tudo é passageiro - Expansão urbana, transporte público e o extermínio dos bondes em São Paulo”.
Crise de mobilidade
O urbanista afirma que as grandes e médias cidades estão passando por uma crise de mobilidade. E os pequenos municípios também já esboçam sinais de colapso nos sistemas de locomoção. “A crise de mobilidade ocorre em função da incompatibilidade entre as viagens diárias feitas pelos modos motorizados e o espaço viário disponível para elas”, explica.
Ayrton sugere dar prioridade aos veículos de maior capacidade para chegar a um equilíbrio. “Enquanto as viagens crescem a cada ano, o sistema viário não. Motivo pelo qual deveria ser dada prioridade para nele circularem os modos de maior capacidade, exatamente o que não acontece hoje nas cidades.”, sugere como solução.
Ele compara o automóvel e o ônibus para mostrar a necessidade de priorização. “Um ônibus ocupa o lugar de pouco mais de dois automóveis, porém pode transportar até 100 passageiros em média simultaneamente. Enquanto um automóvel ocupa em média 1,7 passageiro por viagem. Apesar de o ônibus ser mais eficiente na relação entre o espaço viário ocupado e o número de passageiros transportados, eles não têm prioridade para circulação nas vias. Pouquíssimas cidades possuem faixas exclusivas para os ônibus circularem, e menos ainda possuem uma programação semafórica que contribua com o aumento de sua velocidade comercial”, afirma.
A falta de priorização do transporte coletivo e o mau uso do espaço viário, segundo o arquiteto e urbanista culminam em cidades ineficientes. “O fruto desse conflito são os congestionamentos e os acidentes, que ilustram o conflito na disputa para ver quem consegue ocupar antes o pouco espaço para circular. Isso tudo gera cidades ineficientes, que perdem sua competitividade econômica numa era de economia globalizada. Além da queda da qualidade de vida, que atinge a toda população de forma indiscriminada”, conclui.
Escolhas que levaram à crise de mobilidade
O urbanista afirma que as decisões, no Brasil, para estimular o crescimento das cidades levaram à crise de mobilidade dos dias de hoje. “A escolha foi feita em direcionar a expansão urbana fazendo-a dependente dos modos motorizados por pneus, em particular, o automóvel nos últimos 100 anos”.
Para ele, se fosse possível reescrever a história, a solução seria vincular a expansão urbana e seu adensamento diretamente à existência de transporte coletivo, garantindo a ele prioridade para circulação no sistema viário.
Ayrton afirma que para termos outro cenário, a cidade deveria seguir critérios para garantir expansão com mobilidade. “A expansão urbana deveria ser feita com base em indicadores de qualidade da sua mobilidade. Assim o acesso a uma determinada região ou bairro seria por corredores de transporte coletivo que deveriam ter níveis mínimos de desempenho, como por exemplo, elevada velocidade comercial {expressa pelo tempo gasto em todo o percurso} para os modos coletivos de transporte, níveis reduzidos de acidentes e emissões de poluentes, tempos máximos de viagem, intervalos constantes entre as viagens etc.", exemplifica.
Para isso, o transporte coletivo seria o protagonista principal no uso do sistema viário existente, e o adensamento urbano seria vinculado à existência de transporte coletivo, de forma a não impactar o sistema viário em sua área de influência.
Ayrton afirma que o inverso aconteceu em São Paulo. “O fim dos bondes em São Paulo, e a opção pela expansão do sistema viário sem que o transporte coletivo tivesse prioridade de circular foram as bases de boa parte dos problemas da mobilidade em São Paulo”, ilustra.
Ao priorizar o transporte coletivo e ordenar a expansão dos municípios, o urbanista acredita que as cidades seriam mais amigáveis. “Certamente {a cidade teria} uma ocupação mais compacta, menos espraiada, e com uma ocupação viária muito mais eficiente”, conclui.
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