Nunca conheci um alemão sem bicicleta...

Morando na Alemanha há aproximadamente 7 anos, uma brasileira, "alemoa" de Blumenau, conta como é a experiência sobre duas rodas em Berlim. Leia o relato de Ivana Ebel

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Fonte: Clic RBS  |  Autor: Ivana Ebel  |  Postado em: 23 de junho de 2015

Alemães pedalam

Alemães pedalam, pedalam, pedalam

créditos: Ivana Ebel

 

"Outro dia me peguei pensando em algo curioso. Em quase sete anos por aqui, nunca conheci uma pessoa que não tivesse bicicleta. Ao mesmo tempo, posso contar nas mãos quem tem uma aí em Blumenau (SC). Quando eu era criança lembro que meu pai nunca saía ou voltava para casa de carro perto das 13h: veículos motorizados não tinham vez nesse horário no bairro Progresso. Era quando a antiga fábrica Artex tocava o apito do fim do turno – que se ouvia no bairro todo! – e milhares de pessoas buscavam suas bicicletas na garagem para voltar pra casa.

 

Eu cheguei a ter uma bicicleta na adolescência e fiz furo nos caminhos da Nova Rússia (localidade próxima a Blumenau) com ela. Mas o programa já era restrito a um grupo pequeno de amigos: cada vez menos gente tinha bicicleta. Escrevo para lembrar que Blumenau já foi Amsterdã um dia e que na pressa de chegar ao futuro deixou para trás alguns de seus melhores hábitos. Mas ainda há tempo de repensar.

 

Voltando aos alemães: essa constatação de que todo mundo tem bicicleta é quase acertada. Encontrei estatísticas de 2013 que dão conta que 72% da população possui uma magrela. A mesma pesquisa aponta que 57% dos alemães gostam ou gostam muito de andar de bicicleta. Basta sair nas ruas para ver as estatísticas pedalando freneticamente. No total, 47% das pessoas usam a bicicleta não apenas como lazer, mas como meio de transporte.

 

E sabe porque isso acontece? Não apenas porque pedalar é saudável (para quem pedala e para o meio ambiente!) ou divertido: por aqui, é seguro. Em Berlim acontecem acidentes com ciclistas mais do que em outras cidades, claro, mas os números, ainda assim, tornam a prática convincente. As ciclovias cortam a cidade inteira e, mais que isso. Pela Alemanha, as ciclovias ligam uma cidade a outra e há quem faça caminhos intermunicipais para chegar ao trabalho todos os dias. Entre os usuários, 25% usa a bicicleta como meio de transporte para chegar ao trabalho todos os dias. Entre os estudantes, 10% chegam a escola pedalando.

 

Outro dia recebi visitas do Brasil que, ao ver o vaivém pela cidade, lembraram da polêmica em torno das ciclovias de São Paulo. “Para que tirar espaço dos carros se ninguém usa aquilo”, argumentou meu amigo. Bom, porque primeiro se faz a rua, depois começam a circular os carros, certo? E com bicicleta não pode ser diferente. Primeiro é preciso que existam espaços para elas, é preciso que os motoristas respeitem esses espaços e então os ciclistas chegam. E com um pouco de incentivo, muitos motoristas passam a ser ciclistas também.

 

O bacana de tudo isso é a mudança cultura. Percebi isso quando cheguei aqui. Um dos meus professores na universidade, um senhor doutor cheio de diplomas, títulos e com um cargo bem poderoso na instituição, chegava meio esbaforido para dar aulas. Eu sempre achei que era por conta das escadas, mas fui descobrir depois que ele pedalava vários quilômetros todos os dias para trabalhar. E sabe como descobri isso? Em um dia de chuva, em pleno inverno em que ele chegou com um macacão de plástico preto impermeável sobre o terno. O strip-tease do professor tentando se livrar do macacão molhado não foi a cena mais bonita da minha vida acadêmica, mas foi uma das maiores lições: pedalar é parte da vida dos alemães, faça chuva ou faça sol. Adotei o hábito para a minha vida tem uns anos e poucas coisas, hoje, me deixam mais feliz.

 

Mas andar de bicicleta por aqui, como tudo, tem suas regras. Se a magrela não tiver luzes (farol dianteiro e sinalizador traseiro) é multa garantida. Freios tem que estar em dia e na hora de dobrar uma esquina é importante fazer sinal com a mão. Mas o apetrecho de segurança mais importante por aqui é, sem dúvida, o cadeado! O valor da tranca tem que ser proporcional ao valor da bike. E mesmo assim vale apelar para a sorte e para qualquer mandinga. Em Berlin, no passado, 30.758 bicicletas foram roubadas. Na proporção, este ano, já foram 16% a mais.

 

É possível fazer registro da bicicleta na polícia e, com esse código, informar o furto. Mas, com ou sem ele, as chances de recuperar a bike são mínimas. Segundo a polícia, não só ciclistas alemães têm feito longas distâncias. As bicicletas roubadas por aqui têm viajado por toda a Europa."

 

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