Estou passando uma temporada na Europa para conhecer algumas cidades que são referência para a mobilidade por bicicleta e outros modos. Iniciei a viagem por Nantes, na França, onde fiquei seis dias para participar do Velo-City (o principal evento europeu de mobilidade por bicicleta). Depois pedalei por algumas cidades do Vale do Loire, passei três dias em Paris e estou a dois dias em Amsterdã, na Holanda.
Neste período pude ver e experimentar várias soluções interessantes para a mobilidade e que contribuíram para tornar estas as cidades mais amigas das pessoas e da mobilidade ativa. Abaixo, listo algumas delas.
Zonas 30
Já estão presentes em algumas regiões da cidade do Rio de Janeiro, mas deveriam ser popularizadas para todo nosso país. São vias em que a velocidade máxima dos carros não pode ser maior do que 30 km por hora. Em alguns casos, além da sinalização indicando o limite de velocidade, também são realizadas intervenções físicas que obrigam o motorista a pisar no freio.
Na França, elas estão bastante difundidas em cidades de diferentes tamanhos e facilitam a convivência entre os motorizados e os pedestres e ciclistas.
Bicicleta no contrafluxo
Na Europa, é bastante difundida a ideia de que não existe contramão para os ciclistas. Em vias locais, onde as velocidades são reduzidas, os ciclistas podem pedalar no sentido contrário ao da via. A ideia já está tão enraizada e aceita que, em vários momentos, presenciei ciclistas trafegando com total tranquilidade no contrafluxo de vias que não possuíam sinalização para tal.
Trem
De maneira geral, a Europa é bem servida de trens para transporte de cargas e de passageiros.
Na França eu viajei para várias cidades de trem e pude comprovar a qualidade do serviço e a falta que ele faz para o Brasil. É impressionante o silêncio, a velocidade e o conforto.
Ao contrário dos poucos trens que circulam no Brasil, os trens na França não são barulhentos. Mesmo estando ao lado dos trilhos, o barulho gerado pela passagem de uma composição é totalmente aceitável. Quando morava em São Carlos, no interior de São Paulo, era possível ouvir todas as vezes que o trem passava pela cidade, mesmo residindo a mais de 4 km dos trilhos.
Bike Share de verdade
Que Paris tem o Vélib todo mundo sabe. São mais de 20 mil bicicletas espalhadas por mais de 1.800 estações que cobrem toda a cidade. Mas é impressionante como ele deixa os sistemas de bicicletas públicas do Brasil para trás, por três motivos:
1. A confiança do sistema
Ao contrário dos sistemas brasileiros, é possível confiar que será possível utilizar uma bicicleta pública para ir ao trabalho, pois a chance de não ter uma disponível ou o sistema estar fora do ar é quase zero. Foram raras as vezes que vi uma estação sem bicicletas disponíveis.
Vi algumas bicicletas com o banco virado, um sinal adotado pelos usuários para alertar que a bicicleta está com defeito, e apenas as últimas duas que utilizei estavam em perfeitas condições. As mais de dez bicicletas anteriores, apesar dos pequenos problemas, eram totalmente possíveis de serem pedaladas. E mesmo que a estação não tenha bicicletas disponíveis, basta caminhar até outra estação, já que geralmente estão a 300 metros uma das outras.
2. A integração com a cidade
Não existe o padrão brasileiro de 15 vagas por estação. Onde existe mais demanda a estação é maior; simples assim. Ou seja, se tem uma universidade, um grande centro comercial, uma estação de trem ou qualquer outra coisa que demande mais bicicletas, a estação será maior.
3. Sistema cicloviário de verdade: continuidade
Em Nantes pude presenciar um dos cinco princípios do planejamento cicloviário que, no Brasil, parece utopia: a continuidade. Continuidade nada mais é do que garantir que as vias destinadas a bicicleta vão continuar sempre que ela cruzar uma rua. No Brasil, de maneira geral, quando uma ciclovia cruza com uma via destinada aos automóveis, duas coisas podem acontecer: o trajeto do ciclista não estar sinalizado, ou seja, a ciclovia acaba de um lado da via e continua do outro lado; ou o trajeto estar sinalizado mas o ciclista sempre ter que esperar o momento certo para atravessar, seja quando o sinal ficar verde ou quando os carros pararem de passar.
Prioridade às pessoas
Em Nantes, a preferência de travessia é sempre das pessoas, seja a pé ou de bicicleta. Sempre que é necessário atravessar as vias os carros param para que os ciclistas ou pedestres passem.
É impressionante e extremamente agradável pedalar em uma ciclovia sem precisar parar todas as vezes em que é necessário atravessar uma via.
E mesmo nas poucas vias onde existem semáforos, o tempo destinado a cada uma das fases é bem pequeno, fazendo com que não seja necessário esperar muito tempo para atravessá-la.
Os cinco princípios do planejamento são: continuidade, linearidade, segurança, conforto e atratividade.
Espaço que o carro ocupa na rua
Em Amsterdã fica bem claro a quantidade absurda de espaço urbano que o automóvel ocupa. E não estou falando das vias destinadas aos seu deslocamento, mas sim quando eles estão parados. A grande maioria dos prédios da capital holandesa não têm garagem e nem locais para guardar as bicicletas, de modo que os automóveis e bikes ficam estacionados nas ruas. Com isso, em qualquer rua de Amsterdã será possível ver centenas de bicicletas e alguns carros estacionados lotando todas as vagas destinadas a eles.
Se você escolher uma rua para fazer um levantamento, a história vai ser mais ou menos assim:Você observa a rua e percebe que todas as cerca de 12 vagas de automóveis estão lotadas. Depois escolhe um dos "bicicletários" presentes na rua ("um dos" pois geralmente tem ao menos quatro, um em cada esquina, fora as bicicletas amarradas ao mobiliário urbano e aquelas que nem amarradas estão, só estão encostadas na parede) e conta quantas bicicletas têm, até que desiste de contar quando passa de trinta. Depois disso você chega fácil à conclusão de que no mesmo espaço em que cabem dois carros é possível parar mais de 30 bicicletas e imagina o que seria da cidade se todas aquelas bicicletas que você viu paradas e circulando fossem automóveis.
Cadeiras em parques
Os parques de Paris, sempre lotados de turistas, possuem cadeiras soltas que podem ser colocadas onde as pessoas bem entenderem. Os bancos fixos também existem, mas as cadeiras móveis são uma bela ideia para dar liberdade para as pessoas sentarem confortavelmente onde bem entenderem.
Em breve, novos relatos da expedição de mobilidade urbana de Yuriê pela Europa.
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