Quem visita a Holanda pela primeira vez invariavelmente fica impressionado com a forte presença da bicicleta na paisagem e na cultura do país. Mas nem sempre foi assim. Na Holanda e em outros países avançados nessa área, a adoção da bicicleta como meio de transporte, hoje tão natural, resultou de um processo que envolveu mobilização social, decisões políticas e dificuldades – experiências que hoje servem de inspiração para cidades como Curitiba, onde a ciclomobilidade ainda é um tema novo.
O cônsul honorário dos Países Baixos na capital paranaense, Robert Willen de Ruijter, diz que Curitiba pode aprender com os problemas que a Holanda enfrentou no passado e que levaram ao incentivo ao uso da bicicleta. Ruijter – que recentemente fez uma palestra sobre o tema para servidores da Setran, Ippuc e Urbs – lembrou que após a 2ª Guerra Mundial, a Holanda, como vários países europeus, passou por um grande crescimento econômico, com o aumento da área urbana e a consequente motorização. A consequência do crescimento foi mais carros nas ruas, congestionamentos, insegurança no trânsito, aumento de acidentes e de vítimas fatais.
“No início da década de 1970, a população holandesa reagiu a este cenário. Houve protestos por mais segurança no trânsito, e o governo começou a programar um investimento no modal bicicleta, criando ciclovias”, destacou o holandês, que também representa no Brasil a Dutch Cycling Embassy, associação que atua no mundo inteiro incentivando o ciclismo e que pretende promover intercâmbios com a capital paranaense.
Segundo Ruijter, a partir da década de 1980, a bicicleta passou a ser levada mais a sério com modal de transporte na Holanda. Foram criados grupos de ciclistas e a população passou a exigir cidades mais seguras e habitáveis e menos carros nas ruas, temas que entraram na pauta do poder público em todas as esferas. “A partir dos anos 1980, as universidades passaram a não ter vagas de estacionamento para carros. As pessoas não levavam mais seus filhos para escola de carro. Entre 1990 e 1998 foi desenvolvido na Holanda o Bicycle Masterplan, em nível regional e nacional. A meta da Holanda é não ter mais mortes no trânsito até 2020”, informa.
Amsterdã, capital holandesa, tem atualmente 400 quilômetros de ciclovias separadas na cidade, a maioria com faixas duplas para cada sentido da vida, para permitir uma maior convivência entre quem pedala. Cerca de 85% dos trajetos feitos de bicicleta são de até cinco quilômetros. A importância do uso da bicicleta começa cedo, ainda na escola.
Para o cônsul holandês, é necessário o investimento para mudança de comportamento das pessoas com relação à utilização da bicicleta, com educação e fiscalização. Os ciclistas também devem conhecer e respeitar as leis de trânsito. “Sem um povo consciente, é difícil a mudança. É preciso começar com as crianças para que, daqui a dez anos, elas sejam pessoas mais conscientes no trânsito”, diz.
“Esse incentivo está acontecendo no mundo inteiro atualmente, e todos podem trocar experiências”, disse Ruijter. “A frota de veículos de Curitiba dobrou nos últimos dez anos. Não vai ter espaço para todo mundo nas ruas e então é preciso planejar e melhorar a cidade. Vejo hoje uma vontade política para a mudança e o povo tem que querer isso também. Teremos sempre reclamações, mas as medidas para estimular outros modais devem ser implementadas”, destaca.
Avanços
Nos últimos dois anos, Curitiba avançou mais do que nunca no sentido de reconhecer e a bicicleta como um modal de transporte e criar condições para que isso se efetive no dia a dia. Além de implantar até agora 74 quilômetros de novas vias cicláveis e criar 400 vagas para estacionamento de bicicletas em paraciclos públicos, a Prefeitura vem trabalhando para mudar paradigmas e estimular a convivência respeitosa no trânsito.
É esse o espírito de iniciativas como a Via Calma da Avenida Sete de Setembro – onde o espaço é compartilhado por automóveis, bicicletas, ônibus e pedestres – e do Bicicleta no Seu Bairro, projeto que leva para as regionais da cidade uma série de atividades voltadas para o incentivo ao uso da bicicleta e a preparação para um comportamento adequado no trânsito.
A Prefeitura também vem ampliando o número de circuitos de pedalada e descentralizando a atividade, para incluir cada vez mais gente. Hoje já são oito circuitos do Pedala Curitiba, cada um numa regional, sempre à noite e em dias diferentes.
“Esta é uma visão implantada pelo gestão do prefeito Gustavo Fruet. Queremos uma cidade melhor e que a melhoria seja contínua, pois uma cidade nunca está pronta”, diz o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Sérgio Pires. “Estamos focando sempre no ser humano e discutindo novas propostas para a ciclomobilidade e a multimobilidade. Temos que buscar opções para o trânsito, baixar a velocidade e tornar a cidade mais humanizada e participativa.”
Além do Ippuc, o planejamento e execução de ações na área envolve a Urbanização de Curitiba S/A (Urbs) e a Secretaria Municipal de Trânsito. Conhecer as experiências bem sucedidas em ciclomobilidade no mundo é parte desse trabalho.
Buenos Aires
Outra experiência na área – a da capital argentina, Buenos Aires, foi apresentada em abril em Curitiba, durante o Seminário Internacional Uso do Automóvel na Cidade, promovido pela Prefeitura em parceria com outras instituições. Trata-se do projeto EcoBici.
Guadalupe Rodríguez Marcaida, da Secretaria de Transporte e Trânsito de Buenos Aires, destacou que, nos últimos anos, o governo municipal implantou uma rede cicloviária com 120 quilômetros de vias protegidas e separadas do restante do tráfego de veículos. Essas vias ligam os principais centros com grande concentração de pessoas na cidade, como universidades, escolas e hospitais. “O sistema EcoBici também permite a interligação com outros modais de transporte. Nossa intenção é chegar ao final de 2015 com 155 quilômetros de rede cicloviária protegida”, informa Marcaida.
Segundo ela, as ciclovias são geralmente localizadas no lado esquerdo das ruas, com tráfego de mão dupla, e são construídas em ruas laterais, para evitar o trânsito pesado, prevenindo-se acidentes. O sistema Ecobici também disponibiliza um sistema público gratuito de empréstimo de bicicletas, que funciona 24 horas por dia, em todos os dias da semana. As estações são automatizadas e podem ser utilizadas mediante cadastro prévio. O usuário vai até a estação mais próxima, retira uma bicicleta e a devolve em uma estação próxima do seu destino. Mais informações podem ser vistas no site www.buenosaires.gob.ar/ecobici.
Medellín
Em fevereiro, Jorge Brand, o Goura, assessor da Coordenação de Mobilidade Urbana da da Setran, representou Curitiba no 4º Fórum Mundial da Bicicleta, realizado em Medellín, na Colômbia. Com o tema Cidades para Todos, o evento teve a participação de 5 mil pessoas envolvidas com as questões da ciclomobilidade. Goura apresentou o projeto da Praça de Bolso do Ciclista da Rua São Francisco e acompanhou as diversas experiências apresentadas no fórum, com destaque para a própria Colômbia.
Capital do Estado de Antioquia, Medellín está aprimorando sua rede cicloviária, assim como várias cidades do país. “É muito interessante ver como a bicicleta, há muitas décadas, tem sido parte de uma redescoberta da cidadania nas cidades colombianas. As ciclovias dominicais de lazer, tanto em Bogotá como em Medellín, atraem centenas de milhares de pessoas para as ruas e dezenas de quilômetros de vias são exclusivas para as bicicletas aos domingos”, destaca o assessor da Setran.
Ele conta que o governo local demonstra intenção e vontade política de tornar a bicicleta cada vez mais presente no dia a dia das pessoas. Em sua palestra no evento, o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Penalosa, frisou a importância da bicicleta para a democratização dos espaços públicos. Por outro lado, o trânsito em Medellín é bastante intenso, com muitos carros e ônibus, velocidades altas e um clima ainda hostil para quem vai de bicicleta ou a pé, um cenário comum também a grandes cidades brasileiras que vivem processos de transformação urbana.
“A bicicleta está se incorporando de forma contundente no cotidiano dos cidadãos nas cidades brasileiras, trazendo consigo uma mensagem de sustentabilidade e humanização dos espaços públicos. Isto contrasta com a violência do trânsito que mata mais de 60 mil pessoas por ano aqui no Brasil. Mas também é a própria justificativa para avançarmos mais e mais nestas pautas, criando espaços mais amigáveis aos pedestres e ciclistas, priorizando o transporte coletivo e utilizando todos os meios possíveis para aumentar a conscientização sobre o trânsito”, afirmna Goura.
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