Que a mídia tem má vontade com a gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, até o mais desinformado paulistano já sabe. A derrapada da vez vem de uma matéria do Estadão: “Morte de ciclistas em SP cresce 34% em 2014″. Nenhum canal apurou, foi mais adiante ou questionou a informação. Mas todos repetiram ad nauseam a “notícia” como munição para alvejar o projeto de ciclovia da prefeitura. Sem perceber que, ao isolar os dados, o jornalista Bruno Ribeiro conseguiu transformar um dado estatístico positivo em um colapso cicloviário anunciado.
Para enxergar o “aumento” na incidência de mortes, Bruno pinçou descontextualizadamente apenas os dados da Relatório de Acidentes Fatais de 2014 da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que apontam, entre várias estatísticas, 47 mortes de ciclistas em 2014 ante 35 em 2013. Porém, a tese não se sustenta com uma análise mais completa, segundo mostra o site Vadebike. Se analisarmos todo o gráfico produzido pela CET perceberemos que em 2014 os acidentes fatais aumentaram em todos os veículos em relação a 2013 e até mesmo 2012. Salvo os ciclistas, cujas mortes caíram de 52 para 47 nesses dois anos.
Evolução de mortes no trânsito em São Paulo - Fonte: CET/SP
E segundo (essencial): a frota de ciclistas aumentou ou diminuiu? O próprio Leandro Valverdes, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), especialista entrevistado pelo jornalista, levanta esta pergunta. Mas parece que Ribeiro tem outros objetivos a cumprir.
A última pesquisa que calcula a frota foi divulgada pelo Ibope em setembro de 2014 com as seguintes conclusões: o número de ciclistas aumentou 50% entre 2013 e 2014, saltando de 174,1 mil para 261 mil. Ou seja, se o número de mortes tivesse acompanhado o crescimento de ciclistas teríamos chegado aos patamares de 2012, com 52 mortos — como aconteceu com os outros veículos. Ou seja, as mortes de ciclistas não aumentaram 36%, mas diminuíram, proporcionalmente, 10% na capital.
Nos últimos anos, a mídia convencional abriu mão do leitor para dar lugar ao torcedor. A diferença é que um procura se informar, o outro quer ler apenas o que lhe agrada. Enquanto isso, os blogs mais sérios — como, no caso dos transportes urbanos, o Vadebike — fizeram o caminho diametralmente contrário. Os jornais atingiram seus objetivos políticos, mas o jornalismo saiu mais uma vez sangrando. Já os blogs não só cumpriram seus objetivos como resgataram o que ainda existe do jornalismo.
*Nota do editor: ler, a propósito o livro "Como mentir com estatísticas", de Darrel Huff, Edições Financeiras.
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