O artigo a seguir, assinado por dois especialistas em mobilidade urbana, analisa e avalia como correta a proposta da prefeitura de São Paulo de reestruturação do sistema de ônibus da capital. Desde o ano passado, cerca de 80 linhas foram alteradas para permitir, segundo o governo, a otimização do sistema, pela combinação de dois tipos de linhas: as que percorrem os corredores e as linhas alimentadoras destes corredores.
"A prefeitura de São Paulo começa a dar sinais de reestruturação do transporte coletivo por ônibus. O desafio começa no movimento pendular: pessoas que vivem em áreas distantes precisam chegar ao centro.
A catraca é o passaporte das áreas predominantemente residenciais para zonas mistas ou que tenham maior oferta de trabalho. Um transporte de massa como metrô, trem e BRT, por exemplo, tem a tarefa de levar rapidamente a pessoa até uma área mais consolidada (onde estão as oportunidades).
A continuação do percurso deveria acontecer em ônibus. Porque é na aproximação a um endereço específico que os coletivos de menor porte são importantes para suprir a demanda.
Este trecho final é um desafio para qualquer governo no mundo. O último quilômetro - ou os dois últimos - são difíceis de serem atendidos. É a distância que a pessoa acaba fazendo a pé, de táxi ou de bicicleta pública.
Seguindo a tendência internacional, São Paulo já oferece esta opção. Uma bicicleta pode concluir esse trajeto que é curto demais para um ônibus, longo para caminhar e imprático (caro) para o táxi.
O brasileiro resiste à ideia da intermodalidade. Há uma tendência a querer um modal público que o leve da porta de casa até o trabalho. É um hábito que precisa mudar.
Combinar coletivos com individuais traz benefícios ao usuário. A construção dessa prática é possível, a exemplo do que aconteceu na França e na Holanda nos anos 60 e 70.
Reconhece-se desta forma a recente declaração do secretário dos Transportes Jilmar Tatto sobre a reestruturação do sistema de ônibus como um olhar para esta tendência. Não faz sentido um veículo grande, articulado, percorrer vias estreitas na Vila Madalena. Também não é viável um micro-ônibus partir de um ponto de integração (terminal ou estação de metrô) em direção ao centro em horário de pico.
O porte do veículo deve considerar a infraestrutura disponível, o trajeto, a distância e o número de passageiros naquele percurso origem-destino.
A implantação de metrôs e trens não acompanha a urgência/demanda da população, que já enfrenta a cidade saturada. Por hora, os ônibus terão de continuar fazendo o transporte pendular para suprir a falta de investimentos do setor e os maus hábitos desenvolvidos pela população nas últimas décadas.
Há necessidade de linhas expressas, que não parem pelo caminho. Assim, o passageiro entra no ônibus e só vai descer no ponto final. E outras linhas que façam apenas uma ou duas paradas. Depois, acrescentam-se as linhas que “pingam” de ponto em ponto.
A eficiência acontece com semáforos sincronizados que priorizem a fluidez do coletivo, a criação de áreas de ultrapassagens, a conexão das linhas de ônibus às estações de trens e metrôs para - desta forma - aperfeiçoar a rede de transporte.
O foco do transporte coletivo é nas pessoas. Qual a necessidade de deslocamento do cidadão? Esta é a resposta mais importante a ser descoberta pela prefeitura neste processo de reestruturação."
*Juliana Verboonen é jornalista e pesquisadora de Mobilidade Urbana, formada pela Universidade Metodista de São Paulo, com pós-graduação na PUC/SP e na Faculdade Casper Líbero.
Peter Cabral é cientista político especializado em economia e gestão de negócios pela Northeastern University, executivo e expert em Mobilidade Urbana.