No mês passado, estive na Colômbia para participar do Fórum Mundial da Bicicleta, realizado em Medellín. Além da cidade-sede, passei cinco dias na capital Bogotá, outros cinco em Santa Marta e um dia em Cartagena das Índias. Entre tantas boas experiências, conhecimentos e aprendizagens, algo de ruim me marcou: a poluição do ar e sonora provocada pelos automóveis.
As cidades colombianas por que passei têm muita gente, muitos pedestres, muitos carros, muitas motos, muitos e diversos ônibus, muitas bicicletas, muita poluição, muito barulho; um caos.
Moro em Brasília e, apesar do trânsito na capital federal ser pesado, não chego a perceber nessa intensidade o caos que os carros provocam - claro, talvez porque só ande de bicicleta pela cidade. Brasília é arborizada e não se vê muita gente nas ruas, fora dos carros.
Quando viajo por cidades do Brasil percebo bem a diferença com o urbanismo de Brasília: em geral as ruas são mais estreitas, os quarteirões, os cruzamentos e, a depender da cidade, o barulho e a poluição gerados pelo excesso de automóveis são mais perceptíveis. Mas, na Colômbia, essa situação é elevada a outro nível.
Seja em Bogotá, uma metrópole com 8 milhões de habitantes, ou em Medellín, com 2,5 milhões de habitantes, ou em Cartagena das Índias, com 1 milhão de habitantes, ou Santa Marta com seus 500 mil habitantes, o trânsito colombiano é barulhento, poluente, como já dito, caótico.
Menos de um décimo da população colombiana tem automóvel, mas é impressionante como parece que todos os veículos estão na rua ao mesmo tempo. Junte ao excesso de carros a incrível quantidade motos, táxis e ônibus. Adicione uma lógica onde estes dois últimos param quando e onde querem. Tempere tudo com o uso indiscriminado de buzinas e a poluição causada pelos ônibus velhos. Você terá uma ideia de como são as ruas colombianas.
Até mesmo em Medellín, que tem um trânsito mais organizado, um transporte público de boa qualidade com metrô, BRT, ônibus e teleférico, e onde se buzina bem menos que nas outras cidades, também ali o trânsito é confuso, perturbador.
Motos, 'busetas' e até jipes
Tal como no Brasil, lá as motos estão substituindo as bicicletas para aqueles que não tem como bancar um automóvel. E são muitas. Em Santa Marta, em dias de festas ou grandes eventos é proibido andar de moto na cidade, uma medida para evitar que as pessoas bebam e dirijam as motos. Em Medellín é proibido que dois homens andem juntos em uma mesma moto, pode andar um homem e uma mulher. É uma medida tomada na década de noventa para evitar o assassinato de policiais financiado pelo traficante Pablo Escobar.
As "busetas" (coletivos informais que circulam por toda a cidade, param em qualquer lugar e estão quase sempre lotados), os micro-ônibus e as vans que fazem o transporte de passageiros são movidas e diesel, velhas e poluentes. Em Bogotá, as busetas com mais de 10 anos tem passagem mais barata do que as mais novas. Em Medellín, elas devem ser convertidas para gás natural até o final o ano, o que deve diminuir a poluição. Em Cartagena existe um BRT prontinho que não está em funcionamento. As estações estão prontas, as faixas exclusivas para os ônibus estão reservadas, mas nenhum ônibus circula. É a cidade com mais diversidade de veículos, até jipes fazem o papel de transporte público.
Jipes fazem o transporte de passageiros em Cartagena das Índias
Carros e bicicletas
Em Bogotá, existem duas grandes categorias de carros: os velhos e os novos. Assim como no Brasil, o carro é valorizado pelo seu status e muitas pessoas fazem dívidas imensas para comprar o seu. É possível ver carros muito velhos circulando nas ruas da capital, como também existe uma quantidade enorme de SUVs novíssimos circulando pela cidade.
Em todas as cidades a presença da bicicleta é constante. Em Bogotá, seus quase 400 km de ciclovias ajudam mas não são suficientes, nem em quantidade nem em qualidade. Em Medellín, as ciclovias estão sendo implementadas, são menos de 50 km, mas é possível ver ciclistas e bicicletas em toda a cidade. Cartagena tem uma rede cicloviária voltada ao lazer, na orla de Boca Grande (bairro rico), mas também tem muitas bicicletas circulando nas ruas. Em Santa Marta, uma cidade praiana, turística, as bikes já não são tão presentes, também não vi nenhuma ciclovia por lá, mas é onde as motos mais estão presentes.
Os pedestres estão em todos os lugares, apesar das calçadas, que quase sempre são bem estreitas. Em alguns locais de Bogotá, Medellín e Cartagena vi calçadas acessíveis, com guia para cegos e rebaixamento de calçadas. E os pedestres são muitos, não à toa os ônibus andam quase sempre lotados. E não é como no Brasil onde em quase todo lugar que tem uma escada, tem uma escada rolante do lado. Nas estações do Transmilênio e do Metrô de Medellín não vi escadas rolantes em nenhuma delas. Rampas existem, assim como elevadores, mas a grande maioria das pessoas sobem e descem as escadas degrau por degrau.
O Metrô de Medellín
Apesar da cultura automobilística e da prioridade dada ao automóvel, Bogotá da um grande exemplo para todo o país investindo em transporte público de qualidade. De certa forma, todas as cidades tentam copiar. Mas o lobby do transporte alternativo também é muito grande. É incrível como até hoje Bogotá (e talvez nenhuma cidade colombiana) conseguiu tirar de suas ruas as vans e busetas poluentes, velhas e barulhentas. A bicicleta também vai ganhando seu espaço aos poucos. Apesar do caos no trânsito, os motoristas a respeitam mais que no Brasil.
Ciclista na via, junto aos carros, apesar de haver ciclovia na calçada. Mesmo assim, há sempre respeito aos ciclistas
Uma conclusão possível: há certo exagero em afirmar que Bogotá é uma referência às cidades brasileiras em termos de mobilidade sustentável. Ok, ela foi a primeira cidade latino-americana que investiu de verdade nas bicicletas, que fez mais de 300 km de ciclovias e até hoje tem um esforço do governo em promover a bicicleta. Mas está longe de funcionar como deveria. A bicicleta não tem prioridade nos cruzamentos e muitas vias exclusivas têm péssimo pavimento.
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