Décadas de desenvolvimento orientado ao automóvel e a priorização de infraestrutura urbana para os carros levaram nossas cidades à exaustão. Felizmente, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), cuja diretriz central é a prevalência dos meios de transporte não motorizados sobre os motorizados, impulsionou o planejamento para o transporte sustentável.
Com a PNMU e recursos do Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), as cidades desenvolveram sistemas BRT (Bus Rapid Transit), faixas e corredores de ônibus, ciclovias, além de outras medidas de qualificação do espaço urbano e transporte público. Transformações fundamentais, mas não suficientes para resolver todos os problemas de mobilidade urbana.
Se aos gestores públicos cabe transformar projetos em realidade, do outro lado do tabuleiro existem outros agentes importantes. Um deles são as organizações que, com governança e criatividade, têm grande potencial de influenciar seus funcionários no modo como vão ao trabalho – através da gestão de demanda de viagens (GDV).
MPF-PE dá folga a servidores ciclistas
O Ministério Público Federal de Pernambuco (MPF-PE), em Recife, traz um bom exemplo. Desde segunda-feira (2), servidores que pedalarem por 15 dias úteis ao trabalho – comprovando a entrada de bike na guarita do prédio – têm direito a um dia de folga. O procurador da República Rafael Ribeiro Nogueira Filho é quem teve a ideia. Ao G1, ele contou que já usava a bike alguns dias ao trabalho por causa do trânsito caótico na cidade. Um dos maiores empecilhos para a pedalada era o calor, por isso providenciou também a implantação de um vestiário no prédio.
Mesmo sem saber, Nogueira Filho implantou uma estratégia GDV, que busca mais eficiência no modo como os funcionários vão ao trabalho, estimulando a mudança de hábitos por modais mais sustentáveis, como é o caso da bicicleta. É comprovado: o fato de não enfrentar o trânsito diariamente traz mais qualidade de vida e produtividade ao funcionário, mas os benefícios são coletivos. (Leia mais sobre a gestão de demanda de viagens)
Recife é a capital mais congestionada do Brasil, com 60% de vias públicas em lentidão nos horários-pico – ou seja, na ida e volta ao trabalho. O MPF-PE tem 160 servidores, mas estacionamento para 80 carros. A portaria que rege a nova regra esclarece, contudo, que o benefício não se estende aos procuradores da República nem a servidores terceirizados. Já para os estagiários, caberá ao supervisor a decisão. A boa notícia é que outras unidades do Ministério Público simpatizaram com a medida e estudam replicá-la.
Otimização de viagens já acontece no Brasil e fora dele
Guilherme Tampieri, colaborador do blog, escreveu aqui sobre uma iniciativa de estímulo à bicicleta em Paris através do benefício financeiro: a recompensa por pedalar era 55 euros por mês. A iniciativa contou com 18 empresas voluntárias que empregam mais de 10 mil pessoas, e o primeiro balanço mostrou que o número de pessoas indo ao trabalho de bicicleta aumentou 70%.
No Brasil, algumas empresas são referência em GDV, ou mobilidade corporativa, termo comumente utilizado. A torre Santander, em São Paulo, tem um amplo programa de transporte aos funcionários há quatro anos, quando reorganizou o fluxo interno e as prioridades, com flexibilidade de horários e jornadas home-office.
Na mesma região da torre, na Berrini, um projeto piloto do Banco Mundial, WRI Brasil e EMBARQ Brasil (produtora deste blog) também fomentou alternativas de transporte entre os funcionários de 20 empresas. As companhias mais inovadoras e de maior sucesso no mundo já desenvolvem programas GDV.
Se o MPF-PE mensurar seus resultados em produtividade antes e após a medida, pode inspirar e lançar tendência entre os demais órgãos públicos e privados do país.
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