Hoje em dia, monitorar os 15 mil ônibus da cidade de São Paulo requer uma boa dose de trabalho manual. Para saber se as empresas cumprem os contratos ou quantas pessoas circulam nas linhas, por exemplo, fiscais precisam ir às ruas para checar tudo pessoalmente. A rotina, chamada de "arcaica" pela própria SPTrans, órgão municipal responsável pelo sistema, pode estar prestes a mudar.
A SPTrans testa um software para modernizar a gestão dos ônibus e trazer inteligência para o sistema. Criado pela empresa americana Urban Engines, o programa reúne informações do sistema Bilhete Único, cartão usado no pagamento de passagens, e dos aparelhos de GPS dos veículos.
As informações serão analisadas pelo software e exibidas em um mapa digital, no qual será possível ver, em tempo real, onde estão os ônibus da capital paulista, a velocidade média de cada linha, quantas passageiros embarcam em cada ponto e com quanto da capacidade cada ônibus circula em dado momento.
"Hoje, geramos cerca de 30 milhões de dados por dia sobre a frota. É um volume gigantesco, mas que fica subutilizado, porque não conseguimos avaliá-lo adequadamente", diz Ciro Biderman, diretor da SPTrans, à BBC Brasil. "Este software permite fazer isso e pode ajudar a melhorar nosso planejamento."
Os testes estão sendo financiados pelo Banco Mundial e realizados com dados de julho a setembro de 2013. Se os responsáveis pelo transporte em São Paulo considerarem que a análise é necessária para melhorar a inteligência do sistema, precisarão abrir licitação para contratar este tipo de serviço.
"As primeiras mudanças na frota devem ocorrer no segundo semestre", diz Biderman. "Mas, como é um serviço essencial, qualquer ajuste será conversado com os usuários. Afinal, são eles que pagam por tudo isso."
Papel e caneta
Atualmente, o planejamento depende de levantamentos trabalhosos, como a Pesquisa de Mobilidade Urbana, feita a cada dez anos a partir de visitas a milhares de residências da região metropolitana da capital paulista, e de informações coletadas pessoalmente por funcionários da Prefeitura.
Munidos com papel e caneta, fiscais registram em planilhas, durante visitas aos terminais, os horários de saída dos ônibus para checar se as viagens previstas em contrato estão sendo cumpridas. Se houver infração, a companhia contratada pode ser multada – o que demora até duas semanas, da coleta dos dados à emissão da penalidade.
Para saber quantas pessoas circulam nas linhas, um funcionário municipal conta os passageiros de cada veículo, muitas vezes a partir do ponto. Questionado se o modo como o sistema é monitorado não é ultrapassado, Biderman reconhece: "É extremamente arcaico".
Ônibus ocioso
O software que está sendo testado pela SPTrans pode mudar este cenário. Com ele, o órgão pode saber imediatamente quando um ônibus quebra, quais trajetos estão lentos, quantas linhas estão superlotadas ou ociosas e verificar mais rapidamente se uma empresa não cumpre o prometido e puni-la - ou premiar quem faz um bom trabalho.
Numa demonstração feita à BBC Brasil, sempre com os dados de 2013, chamou atenção o grande número de pontos cinza escuro no mapa da cidade em 19 de agosto daquele ano. Eles indicam ônibus que circulam com menos de 15% da capacidade e apareciam em quantidade bem maior do que os pontos vermelhos, que representam ônibus com mais de 85% de lotação.
Isso surpreendeu a SPTrans. "Já desconfiávamos que houvesse linhas subutilizadas, mas não esperávamos tantos ônibus circulando ociosos", afirma Biderman. "Nosso monitoramento não mostrava isso. É como ver uma floresta de cima e pensar que ela está repleta de árvores. Mas, ao olhar de perto, vemos clareiras."
O diretor da SPTrans explica que, para que fosse possível usar um software na gestão da frota, antes foi necessário automatizar a coleta de dados, integrando o Bilhete Único e os sistemas de GPS. "Não foi algo trivial e só acabou em 2010", diz Biderman. "Essa inteligência digital é algo novo. Portland, nos Estados Unidos, foi pioneira e só começou em 2006. E só é possível hoje porque o preço para guardar um volume tão grande de dados e processá-los caiu muito nos últimos anos."
Big Data
O fenômeno é conhecido pelo termo "Big Data", como é chamado o conjunto de tecnologias que permitem coletar, reunir e analisar a imensa quantidade de informações digitais geradas hoje em dia.
O Big Data surgiu no mundo corporativo, para analisar bancos de dados e prever comportamentos de clientes. Agora, também é usado na agricultura (para melhorar a produtividade), na política (prevendo com precisão resultados eleitorais) e em cidades.
Os bombeiros de Nova York o utilizam para identificar locais com maior risco de incêndios. Birmingham, no Reino Unido, instalou sensores nos postes para monitorar o clima. E Lyon, na França, busca prever congestionamentos.
Este é o foco da Urban Engines, que recebeu investimentos do Google e de outros fundos de capital de risco. A companhia foi criada em 2014 a partir da pesquisa do cientista da computação Balaji Prabhakar, professor da Universidade de Stanford. Especializado em redes de dados, o cientista busca entender como o transporte público é usado e o que pode ser feito para estimular comportamentos entre cidadãos e, assim, reduzir a lotação nos horário de pico.
O trabalho começou em 2012, com 20 mil funcionários de uma empresa em Bangalore, na Índia. Ao ir trabalhar mais cedo, quando o trânsito era menos intenso, eles participavam de uma loteria. Cerca de 17% mudaram seus hábitos. Um programa nos mesmos moldes foi aplicado em Cingapura, no qual usar o transporte público fora da hora do rush rende pontos num sorteio de prêmios em dinheiro, o que reduziu a lotação entre 7% e 13%, segundo a empresa. O sistema começa agora a ser usado na capital americana, Washington, e em São Paulo. "Até então, prefeituras administravam o transporte público às cegas. Decisões eram baseadas em palpites", explica Karen Davis, gerente-geral da Urban Engines. "Não era culpa delas. Não havia outra forma, porque a tecnologia não estava disponível. Agora, as cidades podem 'enxergar' seus sistemas."
Eficiência
O momento não poderia ser melhor, segundo Shomik Mehndiratta, principal especialista em transporte do Banco Mundial. Hoje, 54% das pessoas do mundo vivem em áreas urbanas, índice que subirá para 66% até 2050, de acordo com a ONU. Junto com o crescimento da população mundial, significará um acréscimo de 2,5 bilhões de pessoas morando em cidades. Por isso, não basta ampliar a infraestrutura urbana, mas também tornar mais eficiente a que já existe, explica Shomik. "São Paulo é uma das maiores áreas metropolitanas do mundo, e investimentos em sua infraestrutura nas últimas décadas não foram suficientes. Por qualquer medida que se olhe, é necessário investir mais. E, numa cidade com este tamanho e densidade, abrir espaços para carros não é solução", afirma ele.
"O desafio é tornar-se mais próspera com um sistema de mobilidade sustentável e, para isso, é preciso melhorar o transporte público. É o que permite um sistema como o da Urban Engines: fazer com que gestores entendam os recursos que têm e como podem usá-los melhor."
Biderman, da SPtrans, afirma que o próximo passo será criar um grupo de trabalho para gerar relatórios a partir das análises realizadas pelo sistema em teste e saber o que é preciso mudar.
A Prefeitura está finalizando a licitação para contratar um serviço de computação em nuvem, que usa a internet e computadores de grande porte de empresas terceirizadas para armazenar e analisar grandes volumes de dados.
Com isso concluído, a SPTrans pretende ampliar a base de informações que alimenta o software, dos atuais três meses para dois anos de dados. O órgão espera ter até fevereiro o sistema analisando dados com uma defasagem de 15 dias.
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