Descaso com transporte coletivo causa transtornos aos usuários do Rio

Usuários reclamam da alta nas tarifas sem melhora no serviço, como problemas nos carros e composições, nos pontos e estações além do acúmulo de funções para os motoristas

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Fonte: Jornal do Brasil  |  Autor: Stefano Grossi  |  Postado em: 13 de janeiro de 2015

Condições dos trens trazem risco aos usuários

Condições dos trens trazem risco aos usuários

créditos: Fernanda Távora/ Jornal do Brasil

 

Um choque entre um trem em movimento e uma outra composição parada na estação de Mesquita, Baixada Fluminense, que deixou 229 feridos, chamou a atenção para os problemas enfrentados por usuários do transporte público no Rio de Janeiro. Coincidentemente, o acidente aconteceu dias após o reajuste de R$ 0,40 nas passagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Segundo estatísticas oficiais, esse reajuste é o maior realizado nos últimos 20 anos.

 

A prefeitura alega que a medida foi adotada para que possa ser cumprido o compromisso de 100% de a frota possuir ar condicionado até o final de 2016. Segundo o secretário de Transportes do município, Rafael Picciani, foi preciso fazer o reajuste para que a meta seja alcançada. E ainda nas palavras do secretário: “O ar-condicionado deixou de ser item de luxo e passou a ser uma necessidade”.

 

A grande revolta da população é que a prefeitura reajusta os preços, mas a melhora no atendimento não é vista. Ao contrário, para cortar os gastos, a prefeitura praticamente extinguiu a profissão de cobrador, instalando catracas duplas nos ônibus e acumulando funções ao motorista, que além de dirigir, precisa dar o troco e liberar a catraca.

 

Segundo a psicóloga Janaína Santanna, especialista em psicologia do trânsito, presidente da Comissão de Comunicação Social do Conselho Regional de Psicologia, e Coordenadora Técnica da Pós-Graduação em Psicologia do Trânsito e Mobilidade Humana da Universidade Celso Lisboa – RJ, o acúmulo de funções do motorista é prejudicial para o mesmo, aumentando seu nível de estresse e também o risco de acidentes.

 

“Ao avaliarmos as condições de trabalho do motorista profissional de transportes coletivos, identificamos fatores de estresse que dificultam muito esse bom relacionamento interpessoal entre o mesmo e os usuários, e até afetam a segurança: o exercício da dupla função; conduzir o veículo e cobrar; a jornada de trabalho com exigência de tempo para percorrer o percurso em um trânsito caótico, cheio de  engarrafamentos por toda parte; o calor excessivo; a responsabilidade de conduzir vidas; o risco eminente de se envolver em um acidente de trânsito, entre outras exigências profissionais, são condições que não favorecem a excelência do serviço prestado”, explica Janaína.

 

O fato mais grave é o descaso com os portadores de necessidades especiais. Por lei, os ônibus precisam de rampas de acesso, além de um espaço reservado para travar a cadeira de rodas. O que acontece é que nem todos os coletivos possuem acessibilidade. Quando possuí o elevador de cadeiras, o equipamento não funciona, e quando funciona, o motorista não sabe fazer o manuseio.

 

De acordo com o cadeirante Ricardo Castro, as pessoas que assim como ele, fazem uso da cadeira de rodas enfrentam uma verdadeira “via crucis” para conseguir se locomover através do transporte público.

 

“Nos ônibus quando vamos embarcar, às vezes necessitamos da boa vontade dos outros passageiros para nos carregar escada acima, pois muitos dos coletivos não têm elevador, e quando tem, ou não funciona, ou o motorista não sabe manejar a máquina, isso é extremamente humilhante. Eu pago imposto igualmente qualquer outra pessoa e deveria receber os mesmos retornos”, lamenta Castro.

 

A Fetranspor diz que todos os funcionários da empresa recebem treinamentos para lidar com portadores de necessidades.

 

Ônibus em péssimo estado de conservação é usado para transportar passageiros

Ônibus em péssimo estado de conservação é usado para transportar passageiros

 

O problema para os deficientes físicos não é enfrentado apenas para embarcar em ônibus. As estações de metrô da cidade também não atendem as necessidades de acessibilidade. Quando tem rampa de acesso, não tem elevador, quando tem elevador o equipamento não funciona.

 

“As estações de metrô também nunca tem rampas ou elevadores, é um verdadeiro descaso. E nós somos cerca de 4,5 milhões de portadores de necessidades especiais espalhados pelo país. Isso não é um problema só do Rio, é no Brasil inteiro, mas como eu moro no Rio, estou falando sobre o daqui”, - explicou Ricardo.

 

Segundo Ricardo Castro, a prefeitura sempre diz que os profissionais são capacitados, mas o usuário faz um desafio: sentar em uma cadeira de rodas e tentar embarcar no primeiro ônibus que passar.

 

“Eles (poder público) sempre falam que treinam os funcionários para nos atender adequadamente, prometem inclusão de equipamento em toda a frota, além das estações de metrô e trem. Eu faço um desafio para você: sentar em uma cadeira de rodas e tentar embarcar no primeiro ônibus que passar. Caso você consiga, vamos à primeira agência lotérica e jogar na Mega Sena, pois é sinal que a sorte é sua melhor amiga. O que nós passamos não é fácil”, desafiou Ricardo antes de lembrar que a cidade será sede dos próximos jogos paraolímpicos “Isso na cidade que será sede das próximas paraolimpíadas. Podemos imaginar o que vem por aí”, concluiu.

 

Segundo a psicóloga Janaína Santanna, no metrô a situação é um pouco melhor, devido à maior higiene do local e o fato de não existir ambulantes dentro das estações, como acontece na Supervia.

 

“No metrô, a experiência é menos danosa considerando a  higiene e  a ausência de ambulantes, porém qualidade do serviço fica comprometida com a extrema lotação em horários de pico; muitos episódios de atrasos; falta de banheiros em algumas estações, problemas no funcionamento dos elevadores para as  pessoas com deficiência e limitações de deslocamento e  a necessidade de baldeação na estação do Estácio nos fins de semana e feriados”, explica a psicóloga.

 

Passageiros são obrigados a esperar o transporte em pé, pois não são disponibilizados bancos para os usuários

Passageiros são obrigados a esperar o transporte em pé, pois não são disponibilizados bancos para os usuários

 

Além do descaso com os portadores de necessidades especiais, o Metrô Rio não consegue também atender as necessidades da população. Ele se limita a ligar apenas as Zonas Sul e Norte, uma linha que limita apenas os que transitam entre Ipanema e Tijuca. Quem precisa ir para o extremo da Zona Norte tem que pegar ônibus e/ou trens. O mesmo se faz necessário para aqueles passageiros com destino à Zona Oeste da cidade.

 

De acordo com o professor do Departamento de Sociologia da UFRJ, Paulo Baía, o transporte público é o ‘calcanhar de Aquiles’ da sociedade brasileira.

 

“O prefeito pede para as pessoas não saírem de casa em seus carros, mas para isso, é preciso um transporte público eficiente, o que não é a realidade em nossa cidade. Mas isso não é uma particularidade do Rio de Janeiro, o transporte público em minha opinião é o verdadeiro ‘calcanhar de Aquiles’ da sociedade brasileira”. Explicou o professor.

 

Para os passageiros que se sentem agredidos de alguma maneira pelo descaso dos transportes públicos, existe uma associação que cuida apenas dessas pessoas, a Associação dos Usuários de Transportes Coletivos em Âmbito Nacional, Autcan.

 

Em conversa com o Jornal do Brasil, o presidente da Autcan, Waldir Cardoso, disse que enviou um oficio para a Secretária de Transportes pedindo uma planilha de investimento desse aumento na tarifa das passagens.

 

“Enviei um ofício à Secretaria Municipal de Transporte no qual solicito ao senhor secretário, uma planilha de custos referentes ao recente aumento das passagens de ônibus. Mediante a resposta, iremos fazer nossos cálculos, através de uma equipe de engenheiros de transportes, e aí sim, teremos todas as bases para enfrentar os “tubarões” dos transportes públicos”. Comentou Cardoso.

 

O acidente com os trens da SuperVia, dantes citado na reportagem, deixou 229 feridos e ainda não possui uma explicação concreta sobre o motivo de ter ocorrido.

 

O controlador de tráfego da SuperVia, Fábio Oliveira Riboura, disse em seu depoimento que durou mais de duas horas, que o trem que colidiu na traseira do outro, avançou a sinalização que dizia para o mesmo parar. Já o condutor do coletivo, Luiz Felipe Moreira Breves, alega que recebeu autorização da controladoria do tráfego para avançar o sinal. O maquinista do trem que estava parado na estação de Mesquita, Carlos Henrique da Silva Franco, terá que prestar novo depoimento, pois a polícia encontrou contradições entre o que ele disse e o que os passageiros alegam.

 

Ônibus quebra durante o caminho devido a falta de manutenção, e passageiros são obrigados a descer

Ônibus quebra durante o caminho devido a falta de manutenção, e passageiros são obrigados a descer

 

Em outubro de 2014, uma reportagem do Jornal do Brasil denunciou a falta de bancos para usuários de trem da Estação Maracanã. Poucos dias após o lançamento da matéria, a Supervia instalou alguns bancos no local.

 

De acordo com os usuários que conversaram com o JB à época, a falta de informações e a dificuldade de comunicação, além da precariedade dos serviços prestados são os grandes problemas enfrentados pelos que precisam usar os trens.

 

Segundo a psicóloga Janaína Santanna, muitas pessoas que se sentem lesadas pelo descaso deixam de prestar queixa pelo fato de saberem que não vai dar em nada, com isso, elas aceitam as péssimas condições oferecidas e acabam “sofrendo caladas”.

 

“A falta de responsabilização é tão grande  que as pessoas pouco reclamam, assumem para si os danos e normatizam tais eventos por se sentirem impotentes, desassistidas configurando a  certeza da impunidade já instituída em nossa sociedade. É tão naturalizada a impotência do cidadão diante do sistema que ele pouco reclama, salvo os casos de acidentes de trânsito, mas outras situações acabam com uma reclamação direta ao condutor do veículo ou uma discussão pontual”, comentou a psicóloga.

 

Ainda de acordo com informações da psicóloga Janaína Santanna, o usuário que se sentir lesado não é amparado por nenhuma política pública, a única coisa que existe é o seguro DPVAT, mas este só pode ser acionado caso seja comprovado danos físicos oriundos de acidentes de trânsito.

 

“Não existe nenhuma política pública que acolha essas pessoas. Se o transporte coletivo causar danos à pessoa a reparação depende do seu recurso pessoal. O cidadão busca o poder judiciário ou se submete a naturalização já instituída e recolhe-se a impotência diante do sistema.  Em alguns casos ele pode buscar o seguro DPVAT, se comprovar que o nexo causal do dano foi provocado por um acidente de trânsito”. Encerrou Janaína.

 

Segundo um estudo publicado no jornal O Passageiro, pertencente à Autcan, para o Brasil ter um transporte público equivalente ao de outros países emergentes, como Rússia, Canadá e Austrália, seria preciso investir o equivalente a R$ 1 trilhão até o ano de 2030.

 

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