Iniciada em julho de 2013, a obra do viaduto do Cocó, de ligação das direções norte e sul de Fortaleza, foi paralisada diversas vezes pela Justiça. Além disso, foi alvo de inúmeros protestos, e criticada pelos movimentos sociais que questionam o modelo ultrapassado de infraestrutura urbana adotado pela Prefeitura. Por fim, o projeto mostrou-se insustentável ambientalmente, já que levou a desmatamentos em um parque referencial da capital cearense, o Parque do Cocó.
Leia a seguir o artigo da Ciclovida:
"A cidade de Fortaleza tem apresentado alguns avanços quando o assunto é mobilidade urbana. Desde as manifestações de junho de 2013, que aqui incluíram o importante caso do viaduto do Cocó, vimos crescer o número de ciclofaixas, ações que beneficiam o transporte não-motorizado, e faixas prioritárias de ônibus. Porém, é com extrema tristeza que vemos essa obra de incoerência ser concluída. Uma obra que segrega a cidade! É uma verdadeira barreira física que, apesar de ter sido construída com a justificativa de que iria beneficiar o transporte público, serve muito mais aos carros, e segrega pessoas. É essa a cidade que queremos? Uma cidade em que o benefício do “nível zero”, o nível da rua, da vida, vem sendo deixado ao carro. E o pedestre? O ciclista? Ficam em segundo plano. A Ciclovida, que esteve do lado dos manifestantes naqueles longos meses de 2013, reitera aqui o seu repúdio a uma obra de (i)mobilidade urbana. Uma obra que vai de encontro ao modelo de cidade que queremos. Uma cidade com maior compartilhamento de espaços, menos segregação.
Uma obra que a gestão municipal propagandeia como solução para o problema de mobilidade na região, quando atualmente se sabe ser uma solução retrógrada, e extremamente rodoviarista. Além de não funcionar mais para melhorar a acessibilidade, ainda traz um aumento na demanda pelo transporte motorizado individual (carro e moto), tendo a potencialidade de piorar o trânsito num curto período de tempo, como aconteceu recentemente nas marginais Pinheiro e Tietê, em São Paulo (na primeira, com a ponte estaiada, e na segunda, com o alargamento da via). Diversas cidades no mundo (como Portland, Milwaukee, San Francisco, Toronto, Berlim, Paris, Seul, Bogotá) e algumas mais recentemente no Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) estão demolindo elevados e viadutos, e optando por soluções mais modernas e mais humanas - para mais informações a respeito, pode-se consultar a publicação técnica "Vida e Morte das Rodovias Urbanas", de autoria dos institutos Embarq e ITDP, que tem vasto expertise em projetos de mobilidade sustentável. Mesmo com todas estas informações, a atual gestão ainda insiste em copiar exemplos com décadas de atraso.
Desde junho de 2013 (portanto há mais de 1 ano), sempre que tivemos a oportunidade de dialogar com algum representante da Seinf - seja nos debates em programas de rádio ou TV, com os secretários Samuel Dias e Roberto Rezende, ou nas reuniões do Plano Diretor Cicloviário Integrado - PDCI, com a engenheira do Transfor, Sueli Rodrigues - alertávamos para o descumprimento da Lei 12.587/12, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Tal lei tem dentre os seus princípios, no art. 5o, a "acessibilidade universal" e a "equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros". Além disto, tem também, em suas diretrizes, no art. 6o, a "prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado". Os profissionais citados sempre demonstraram conhecimento da lei 12.587/12, mas isto em nada influenciou para que a obra se adequasse minimamente aos seus termos. Além de descumprir descaradamente os princípios e diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, é inaceitável que mesmo com tanto tempo disponível (mais de 1 ano!!!) para se pensar na falta de travessias seguras para pedestres e ciclistas, a obra seja inaugurada sem estas travessias. Tudo que apresentaram até o momento foi uma promessa vazia de construção de passarelas para pedestres e ciclistas, sem apresentar projetos ou prazos, ou abrir qualquer tipo de diálogo com a sociedade em relação ao assunto.
Além do descumprimento da lei 12.587/12, esta nota também encontra respaldo na decisão da Justiça Federal do Ceará, que considerou o viaduto uma obra ilegal por desrespeitar a elaboração prévia de Estudos de Impacto Ambiental, bem como suas devidas audiências públicas e licenciamento. Portanto, segue um modelo de construção de cidade não democrática, sem diálogo com a sociedade e sem o mínimo respeito ao direito ao meio ambiente e à cidade sustentável, exigências e conquistas da sociedade no século XXI. O respeito a esses direitos torna-se uma diretriz e referência para que a sociedade possa balizar a qualidade e legitimidade da administração pública. Esperamos que, diante da decisão judicial, seja ainda apresentada à sociedade o Estudo de Impacto correto e suas medidas compensatórias discutidas coletivamente como forma de minorar e reparar, pelo menos em parte, todo os danos causados à cidade, à sociedade, ao meio ambiente e ao exercício da cidadania que representou o acampamento em defesa da cidade e do Parque do Cocó. E afirmamos que o povo de Fortaleza espera as devidas desculpas da administração pelas calúnias, agressões e desrespeito que causou aos acampados do Cocó.
Respondendo o questionamento do título: pouco mudou. Muitos túneis estão previstos, passarelas para pedestres, viadutos… Os avanços se perdem nesse mar de incoerência. A bipolaridade da gestão municipal, que não se sabe exatamente a que veio, é uma constante. As ações imediatas são engrandecedoras, enquanto as de longo prazo parecem contrariar o agora. Espera-se que este momento sirva pelo menos para uma reflexão, e redefinição do rumo da política municipal de mobilidade, para uma Fortaleza com melhor qualidade de vida para seus habitantes.
Fortaleza, 03 de novembro de 2014.
Ciclovida - Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza"
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