Bicicletas buscam seu espaço

Maioria das cidades brasileiras não investem no transporte em duas rodas

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Fonte: GVces  |  Autor: Chris Martinez/Valor Online  |  Postado em: 28 de outubro de 2014

Ativistas desenham bikes para marcar espaço

Ativistas desenham bikes para marcar espaço

créditos: G1

 

"Uma boa cidade não é aquela onde os pobres andam de carro, mas onde até os mais ricos usam o transporte público".  A frase do consultor em estratégias urbanas e ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, costuma arrancar aplausos da plateia todas as vezes em que ele a repete.  Não foi diferente quando esteve no Brasil há dois anos.  Em um evento sobre megacidades, falou da revolução que fez na capital colombiana.  Assim como lá, nos últimos anos emergiu no Brasil um movimento em prol da mobilidade urbana, e a bicicleta ganhou um empurrão para se tornar um meio de transporte sustentável que promete diminuir a presença dos carros das ruas.

 

Tem sido um processo vagaroso e acanhado, se comparado a outros países.  Em Amsterdã, ciclovias se esparramam por 500 km e são percorridas por meio milhão de pessoas todos os dias.  Por aqui, não se vê um planejamento no âmbito nacional - não há, nem mesmo, dados oficiais com o tamanho da malha cicloviária brasileira.  O Ministério das Cidades lançou em 2004 o "Programa Brasileiro de Mobilidade Por Bicicleta - Bicicleta Brasil" para estimular os governos municipais a implantar sistemas cicloviários.  Mas se trata de programa de fomento, já que a responsabilidade de tratar do tema é uma atribuição do governo municipal.  E, embora esteja trabalhando para recolher as informações sobre a mobilidade das cidades brasileiras, entre eles, dados sobre a rede de transporte não motorizado, o ministério ainda não dispõe dos dados.

 

O que se tem de concreto são ações individuais, com cada cidade cuidando do seu projeto próprio.  São Paulo, Rio e Curitiba são algumas capitais em destaque, onde a aposta se dá tanto pelas mãos do governo quanto pela iniciativa privada.  Na maior e mais populosa capital do país, o tema bicicleta está em alta, e passou a ser uma bandeira empunhada pelo prefeito Fernando Haddad (PT).  Ele prometeu entregar, até o fim do próximo ano, 400 km de ciclovias, num projeto que vai demandar R$ 80 milhões.  Ele anunciou que vai estender o percurso, incluindo ciclovias em 12 das 28 pontes das marginais Tietê e Pinheiros, com investimentos de R$ 6 milhões.  Até agora, foram implantados 82,9 quilômetros.  Quando assumiu o governo, em 2013, São Paulo tinha apenas 60 quilômetros.  As entregas das obras estão em ritmo acelerado, com uma inauguração a cada dez dias - ou até menos.

 

"Uma boa cidade não é aquela onde os pobres andam de carro, mas onde os mais ricos usam transporte público"

 

No começo da empreitada, o prefeito foi duramente criticado pela pressa e pela falta de debate com que o projeto foi colocado na rua.  Mas agora o paulistano mudou de ideia: 80% dos entrevistados aprovam as faixas, segundo pesquisa do Datafolha, realizada em setembro.  Comerciantes e moradores, porém, reclamam de que não foram consultados previamente sobre a instalação da ciclovia na sua área de interesse.

 

Resistências do gênero são comuns.  Aconteceu, também, em Nova York, que hoje tem seus 587 km de ciclovias.  Mas elas foram construídas depois de uma boa dose de dinheiro e muito diálogo.  Janette Sadik-Khan, que pilotou a Secretaria de Transportes da cidade por sete anos, fez pelo menos 2 mil encontros por ano com comerciantes e moradores, para entender e atender as suas demandas.  Foi o que ela contou quando esteve no Rio, no final de setembro, ao participar de um encontro no Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil).

 

"Não há como fazer projetos que revolucionam um jeito de viver e agradar a todos", diz Daniel Guth, consultor e diretor da participação da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade).  É preciso, muitas vezes, fazer ações que desestimulem o uso dos automóveis.  "Primeiro as pessoas reclamam.  Depois, aprovam", diz.  Como exemplo, cita Londres que impôs o pedágio urbano no centro nervoso da cidade, há 11 anos, e hoje festeja a queda superior a 20% na circulação de carros e crescimento de quase 60% nas viagens de ônibus, 42% de metrô e trens e 66% no uso de bicicletas.

 

No Brasil, medidas nem sempre simpáticas já foram tomadas, como a implantação, em 1997, do sistema de rodízio de automóveis em São Paulo, que restringe a circulação de carros, conforme a sua placa em dias específicos da semana.  Na época, o idealizar do rodízio, o ex-deputado Fábio Feldmann, chegou a sofrer ameaças, mas o projeto vingou e está em operação até hoje.  Só que o rodízio já não é mais capaz de livrar São Paulo de engarrafamentos constrangedores, com o recorde batido este ano de mais de 325 km de lentidão.

 

Campeão de ciclovias no Brasil, com quase 378 quilômetros destinados às duas rodas, o Rio de Janeiro pretende aumentar a extensão para 450 quilômetros até 2016, quando a cidade sediará a Olimpíada.  E trabalha em diversas frentes nesse sentido.  Uma das obras mais emblemáticas e que será concluída no ano que vem é o trecho que vai ligar São Conrado ao Leblon, na Zona Sul carioca.  O trecho inclui o belo cartão postal da Avenida Niemeyer.  Ao todo, serão 3,8 quilômetros de pista, com largura de 2,5 metros ao longo da orla.  Além disso, a futura ciclovia terá iluminação própria com lâmpadas de LED e um bicicletário com mais de cem vagas.

 

No Sul, a capital paranaense também se empenha em ampliar sua malha.  Está em curso o "Plano Diretor Cicloviário", que prevê o investimento de R$ 90 milhões para implantação de 300 quilômetros de novas vias para a circulação de bicicletas na capital até 2016.

 

Os entusiastas do uso da bicicleta perceberam, no entanto, que não basta apenas construir ciclovias.  É preciso um estímulo maior para que as pessoas comprem bicicletas.  No Brasil, 40% dos usuários desse meio de transporte ainda são pessoas que têm renda média mensal de R$ 1,2 mil.  "Só que esse consumidor, quando melhora de vida, é praticamente estimulado a comprar uma moto ou um carro já que há facilidade de crédito e isenção de IPI", diz Guth.  O prefeito Haddad está empenhado em mobilizar outros prefeitos e pedir a isenção a isenção de tributos estaduais e federais sobre as bicicletas.

 

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