Cidades são organismos complexos. Elas são construídas sobre (e geralmente contra) um ambiente diversificado, cheio de riscos e desafios da natureza. Com o passar do tempo, elas vão reunindo gente de origens diferentes, de culturas muito distintas, e que falam coisas às vezes sem tradução. Daí, é inevitável pensar na imagem da Babel: um projeto humano, que nasce de um objetivo claro e que, por força dos deuses e demônios, vai se entortando, apodrecendo, e renascendo ali e acolá. Brasília é um exemplo didático desse processo, mas a imagem vale também para Nova York, Tóquio, Berlim, Buenos Aires, Changai, México, Lisboa ou Recife.
Semana passada o Mobilize Brasil participou do encontro Provocações Urbanas - Ciclo de Diálogos do Parque Capibaribe, atividade organizada a partir de um convênio entre a Prefeitura do Recife e a Universidade Federal de Pernambuco. O trabalho envolve dezenas de profissionais - arquitetos, paisagistas, economistas, geógrafos, historiadores, artistas e profissionais de comunicação - e procura rearticular as bordas do Rio Capibaribe a uma série de espaços urbanos ao longo de 30 km na região metropolitana. Em suma, busca revalorizar os cursos de água, aproveitá-los como canais de transporte, construir praças, passeios, boulevares e ciclovias para estimular o transporte mais leve e silencioso.
A expectativa é transformar o modo de vida
na cidade e reaproximar as pessoas de seus rios.
O horizonte de tempo do projeto é 2037, um prazo ambicioso para os padrões brasileiros. Basta lembrar os vários projetos elaborados desde os anos 1920 para o rio Tietê, em São Paulo, por profissionais como Saturnino de Britto, Ruy Ohtake e Rosa Kliass, todos "atropelados" por interesses econômicos das indústrias de energia, imobiliária e automobilística. E o que poderia ser um parque linear se tornou uma feia rodovia no meio da cidade. A novidade mais recente veio da FAU/USP, com o projeto do Anel Hidroviário Metropolitano, proposta para interligar os corpos de água da capital paulista. Isto se houver água de verdade, como o Tietê tinha até os anos 1940.
O Parque Capibaribe pode mesmo ser uma aposta vencedora porque nasce exatamente no momento em que cidades ao redor do mundo passam a limpo seus territórios e renovam suas formas de vida, de mobilidade. E, na capital pernambucana, o rio ainda está vivo, tem peixes, barqueiros, belíssimas paisagens e as capivaras que lhe deram o nome.
Em Recife, em qualquer cidade, o nó desse futuro é a articulação política, para que os cidadãos queiram a cidade-parque e a defendam nos gabinetes e nas ruas, se necessário. Vai, Capibaribe, nós te seguimos.