Exercer o direito constitucional de ir e vir sem sobressaltos. Em uma cidade como Manaus que cresce num ritmo acelerado, muitas vezes nem nos damos conta de quantos obstáculos existem para que seja vivenciado o direito à chamada mobilidade urbana. A reportagem de acritica.com ouviu um especialista que aceitou o convite para dar um passeio e mostrar exemplos de situações que estão fora das regras e normas existentes para garantir uma circulação segura ao pedestre.
Nosso passeio incluiu apenas um quarteirão do bairro Vieiralves, na Zona Centro-Sul de Manaus, uma área considerada nobre na cidade. As situações vistas nas ruas do bairro podem ser observadas em vários outros pontos da capital.
O arquiteto Roberto Moita explica que existe um padrão internacional que afirma que a calçada deve permitir que o pedestre, o cadeirante, um carrinho de bebê e uma pessoa que leve uma mala com rodinha possam circular pela cidade. Em muitos casos, não foi o que identificamos.
Num perímetro que compreendeu as ruas rio Jutaí, João Valério, Purus e Pará, foram identificadas as chamadas “não conformidades nas calçadas” constatadas pelo arquiteto. “Nós observamos que as calçadas são colagens de diversos padrões, cada um faz o que quer, não existe um piso padrão, uma altura específica, são usados pisos inadequados, ou seja, não existe a cultura de se fazer com que os passeios públicos sejam contínuos”, explica Roberto Moita, acrescentando que o correto é que a calçada acompanhe a rua. “Se na rua há um declive, a calçada tem que acompanhar o declive, é preciso ter continuidade. É para isso que existe a chamada guia ou meio fio, para servir de base na hora de construir as calçadas”.
Outros casos comuns nas ruas visitadas são os obstáculos colocados nas calçadas impedindo a circulação de pedestres. Veja um exemplo.
A norma prevê uma situação de possibilidade de uso de parte dos passeios para, por exemplo, restaurantes, mas tudo tem que ser em obediência às regras estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). De acordo com o arquiteto, a largura mínima prevista para uma calçada é de dois metros. No entanto, em Manaus existem situações em que elas não chegam a ter 1,5 de largura na sua totalidade.
Em áreas que acabaram virando centros comerciais é muito comum ver calçadas transformadas em estacionamentos. Em alguns casos, os carros tomam conta de parte da calçada e até da rua, deixando o pedestre sem alternativa e o obrigando a praticamente transitar no meio da via.
Na esquina da rua João Valério com Rio Purus, uma situação que foi batizada por Roberto Moita como " A luta dos Postes." Na mesma calçada, lado a lado, quatro postes dividem espaço: o da fiação elétrica, o da iluminação pública, o poste dos semáforos e outro da sinalização de sentido da pista. O exemplo mostrado por ele poderia ser resolvido se houvesse um trabalho integrado entre os diversos órgãos que instalaram os equipamentos. “É necessário que haja uma integração para que seja feito um planejamento que ajude a minimizar esta situação, de repente, ligando diversos equipamentos numa só estrutura”, opina o especialista.
Do outro lado, o poste onde fica o comando do semáforo está bem no canto da calçada, praticamente empurrando o pedestre para a rua. “Todas as situações acabam transformando a calçada num espaço da sub-cidadania”, define Roberto. “A não conformidade dos passeios de Manaus é regra”, enfatizou o arquiteto.
Na caminhada feita pelo Vieiralves, vimos escadas sem padrão, uma calçada que teve 50% do seu espaço tomado por um jardim, o que obriga um grupo de pessoas, por exemplo, a passar em fila indiana, postes, lixeiras e carros, todos enfileirados muito próximos e na mesma calçada, não restando opção para o pedestre senão andar pelo meio da rua. Mesmo no meio de tanta descontinuidade, ainda conseguimos ver dois raros casos de preocupação com a mobilidade do pedestre, como o de instalação de pisos antiderrapantes em uma calçada e um conjunto de casas diferentes, mas que manteve o padrão da calçada plana, sem obstáculos.
Outro problema apontado como cultural pelo arquiteto é o embarque e desembarque de mercadorias em passeio público. “Existe toda uma cultura amalgamada na cidade de que isso não é problema, não prejudica ninguém já que está gerando, renda, impostos, trabalho”, afirma.
Situação semelhante aconteceu em plena rua Pará. Um caminhão descarregava tijolos tomando metade da calçada e uma faixa de rolamento da rua. “Em um projeto novo de construção de um estabelecimento comercial, ele precisa prever a construção de uma baia para que o veículo entre e realize o procedimento de carga e descarga”, explicou Roberto Moita.
Em outro ponto da cidade, na Avenida J e na rua 8 do bairro Alvorada, Zona Centro-Oeste de Manaus, é comum ver calçadas obstruídas com mercadorias, carros e até bancas de frutas, situação perigosa em áreas com grande fluxo de veículos e de pessoas, que na disputa por um espaço para transitar são expostas inclusive ao risco de acidentes.
Roberto Moita acrescenta que o passeio público é apenas uma das vertentes da dificuldade de mobilidade existente em Manaus. Ele afirma que existe ainda problemas sérios no trânsito, no transporte público, no uso de veículos particulares, nas regras de uso do solo e de convivência de atividades como a de transporte de mercadorias e manobras de veículos pesados. “A regulamentação existe, o que falta é ser melhor cobrado o seu cumprimento. Antes de uma ação de fiscalizar ou aplicação de multas é necessário que haja muito mais mobilização da sociedade, no sentido de entender que essas questões precisam ser superadas. Cada um precisa contribuir com a sua parte, sendo mais educado no trânsito, respeitando as leis, dando espaço ao pedestre. É necessário que os governos estimulem a sociedade, criem uma agenda positiva e assumam o papel de agentes indutores de mudanças também”, reforça o arquiteto.
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