Eloisa Ferreira, 41, perdeu completamente a visão aos 13 anos e, sempre que precisa sair de casa, encontra desafios não perceptíveis para a maioria dos pedestres. Buracos, pisos irregulares, orelhões, escadas e caixas de correio, além da ausência de sinalização, são alguns dos muitos obstáculos enfrentados diariamente por deficientes visuais em Belo Horizonte. Na manhã de ontem, a reportagem acompanhou Eloisa, que mora na sede da Associação de Cegos Louis Braille, em um trajeto que ela faz ao menos duas vezes por semana entre a casa, no bairro Floresta, na região Leste, até a estação Central do metrô, no centro da cidade.
Mesmo conhecendo o trajeto, Eloisa contou que sem os sinais em alto-relevo, que deveriam estar instalados nas calçadas para orientar os deficientes visuais, a caminhada se torna muito mais difícil. “A gente perde completamente o senso de ‘reto’ e de direção, e o piso tátil nos ajuda a recuperar essa referência”, disse ela.
Como ressaltou a representante da associação, apesar de obrigatório, o padrão ainda é difícil de ser encontrado em Belo Horizonte. A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos afirma que a responsabilidade é do proprietário do imóvel.
Durante a caminhada, os tropeços e esbarrões foram frequentes e, em um ponto, ao se desviar de um degrau e de um buraco, ela trombou em uma árvore e acabou machucando a mão. “Algumas colegas já chegaram até a quebrar o pé”, relata Eloisa, que já chegou a cair. A rota, com quatro quarteirões, demorou mais de meia hora para ser completada, e, segundo ela, caso a sinalização estivesse adequada, o tempo poderia ser reduzido. Eloisa ainda destaca que o fato de ter enxergado durante a infância, que lhe permitiu uma memória visual, facilita o seu descolamento.
Dependência
Para atravessar a rua, os deficientes visuais ainda precisam da ajuda de outros pedestres. “Tem gente que acha que a gente é cega e surda, e eu escuto comentários de pessoas que falam que não precisam ajudar”, relata.
Ao chegar à estação Central, pela rua Sapucaí, Eloisa precisou passar por um estacionamento, já que o acesso ao público é feito por uma escada em espiral, que dificulta o acesso aos deficientes. Mesmo na escada, não há piso tátil ou outro tipo de orientação para cegos.
No metrô, mais uma vez ela precisou contar com a solidariedade. “Muitas vezes os funcionários me ajudam, mas, quando eu tenho que ir sozinha, é muito difícil. Uma vez, eu entrei no meio do mato e me machuquei em uma planta de espinhos”.
A assessoria da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) informou que vai estudar o caso e afirmou que o órgão tem investido em acessibilidade.
Desinformação
Para o conselheiro da Sociedade Mineira de Engenheiros Lincoln Dias Oliveira, uma das principais causas da má acessibilidade nos passeios da capital é a falta de informação. “As pessoas não sabem que a obrigação (de arrumar a calçada) é delas, e nem quais são as normas”, explica.
Márcia Curvelano, fiscal da Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização (Smafis), justifica que, em novembro do ano passado, a prefeitura divulgou uma cartilha em que explicava o padrão para as calçadas de toda a cidade, seguindo a legislação federal. Desde então, a instalação do piso tátil passou a ser obrigatória para todos os imóveis da capital. No caso dos prédios e equipamentos públicos, a responsabilidade é da prefeitura.
Antes de a padronização ser publicada, cada regional decidia as suas próprias normas, mas, desde 2005, a Centro-Sul já havia aderido aos pisos táteis.
Legislação
Multa. Em caso de notificação da prefeitura, o proprietário do imóvel com calçada irregular recebe um prazo de até 60 dias para se adequar. Após esse tempo, a multa mínima é de R$ 504,88.
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