Ágeis e ambientalmente sustentáveis, as bicicletas surgem como opção aos carros e, principalmente, às motos para entregas urbanas. Porto Alegre, por exemplo, já possui três empresas especializadas neste serviço. Longas distâncias, subidas, terreno desfavorável e mau tempo não são empecilhos. E, muito além de uma simples entrega, as bikes prometem agregar valor ao produto e oferecer atendimento diferenciado.
Cristian Trentin trabalhava em uma empresa de tecnologia quando resolveu dar um passo, ou uma pedalada, adiante. Criou a EcoBike, hoje uma rede com bicicletas em São Paulo, Curitiba, Cascavel e, mais recentemente, Porto Alegre. Trentin avalia, no momento, mais de 300 solicitações para abertura de franquias da marca. Duas delas, inclusive, fora do País: em Bogotá, Colômbia, e na Florida, Estados Unidos. A unidade paranaense, há mais tempo no mercado, deve faturar R$ 1 milhão em 2014, segundo Trentin. O empreendedor garante, entretanto, que a motivação não parte do dinheiro. “Todo mundo que vem se inserindo nesses três anos, sejam administrativos ou bikers, amam a causa. Mais do que vestir, eles suam a camiseta”, afirma.
A franquia chega a Porto Alegre para somar-se a duas outras iniciativas que já atuavam por aqui: a Pedal Express e a Vélo Courier. Ambas surgiram, em 2010, fruto da paixão de alguns amigos pela bicicleta, e contam com onze e cinco ciclistas, respectivamente. O trabalho é gerido de maneira horizontal, todos realizam entregas e compartilham responsabilidades administrativas. “Estamos envolvidos com todo o processo da empresa, desde a captação de clientes, os assuntos financeiros e administrativos, o atendimento e as entregas. Isso nos faz mais responsáveis e torna nosso serviço personalizado”, explica Guilherme Schubert, da Pedal Express.
A topografia de Porto Alegre, repleta de subidas em determinadas regiões, não atrapalha a logística dos entregadores. Acostumados a pedalar entre 50 e 70 quilômetros por dia, eles estão preparados para vencer morros e depressões. “Atendemos praticamente toda a cidade, incluindo a Região Metropolitana. E o único empecilho segue sendo o de sempre: falta educação da parte de muitos motoristas e, sobretudo, falta interesse do poder público na conscientização”, critica Alex Magnum, da Vélo Courier. Schubert concorda que a falta de segurança é o único fator negativo: “Estamos treinados para enfrentar as subidas e chegamos até mesmo a fazer o percurso inteiro de nossa área de ponta a ponta mais de uma vez em um só dia de trabalho, essa é a parte boa”, diz.
Ainda que o modal tenha mais agilidade em curtas e médias distâncias, os percursos longos não são empecilhos. Nesse caso, a preferência das empresas é por entregas programadas, agendando o pedido com algumas horas de antecedência. Na EcoBike, uma “pedalada” representa cinco quilômetros. “A partir do Centro, chegamos a trajetos de 3,5 pedaladas. A Serraria, na zona Sul, por exemplo, está a apenas três pedaladas, o que mostra a amplitude da cobertura. Mas nessas situações, trabalhamos com corridas programadas, quando o cliente liga de manhã para realizarmos o serviço à tarde. Desde que seja assim, a distância não é problema”, garante a gerente operacional da EcoBike, Vanessa Cabral Gomes.
Preço do serviço leva em conta a distância e o tempo necessário
Tanto na Vélo Courier quanto na Pedal Express, a maioria das encomendas é de pequenos documentos e pacotes de até 4 quilos e volume de carca de 40cm x 40cm de diâmetro. As empresas ainda costumam trabalhar com alguns tipos de alimentos, transporte de compras, mídia digital – DVDs, HDs e pendrives -, folders, cartazes e até luminárias. Para atender produtos que necessitem de cuidados especiais, como refrigeração, a EcoBike, por exemplo, aposta em projetos personalizados. Nessas situações, a bicicleta é projetada com o equipamento necessário para atender aos pré-requisitos e serve exclusivamente à empresa contratante.
A Pedal Express estabelece o custo do serviço dividindo a cidade em três zonas, com preços mais altos conforme a distância do Centro e o tempo disponível para fazer a entrega. Sistema parecido com o da Vélo Courier. Uma encomenda coletada no Centro (zona A) e entregue no bairro Três Figueiras (cona C), em até 30 minutos, tem o custo de R$ 24,00. Outro exemplo: o recolhimento e destino do produto na região central, com período de 180 minutos, tem valor de R$ 8,00. A EcoBike cobra R$ 18,00 por “pedalada”, medida que representa cinco quilômetros. As opções por um ciclista fixo e os projetos especiais têm preço diferenciado. A título de comparação, um motoboy cobra, em média, R$ 10,00 por deslocamento.
Entretanto, o valor gasto não é a prioridade dos clientes ao contratar um ciclista. Para a produtora executiva da Okna, empresa especializada em produtos audiovisuais, Graziella Ferst, ao avaliar o custo-benefício, é preferível optar pela bike ao invés da moto, por causa da agilidade e do bom atendimento. “Os bikeboys são mais atenciosos, inteligentes e educados no trato conosco e com nossos clientes. Eles entendem melhor nossos pedidos e necessidades, solucionando quaisquer percalços que tenhamos. Com tudo isso, ainda contribuímos para um meio ambiente mais limpo”, destaca Graziella.
A preocupação com o meio ambiente, especialmente, incentiva o crescimento do mercado de entregas sustentáveis. De acordo com o site da EcoBike, desde a sua fundação, os ciclistas já percorreram o suficiente para dar três voltas ao mundo, o que teria evitado a emissão de 11294 Kg/CO2. Apenas a Pedal Express pedala 400 quilômetros por dia, com emissão zero. Uma motocicleta média – entre 350 e 600 cilindradas – emite 84 Kg/CO2 para percorrer a mesma distância. “As empresas têm metas de diminuição da emissão de CO2 em seus planejamentos estratégicos.
As vantagens da sustentabilidade se sobrepõem ao custo cobrado pelo motoboy. “É mais caro, mas oferece mais retorno também: agrega em marketing verde e surpreende o cliente”, diz a diretora comercial da Feito de Sorvete, Isabel Dalmás.Segundo Schubert, o setor tem potencial de expansão devido ao apelo ecológico: “Eliminamos por completo a emissão de gases nocivos às pessoas e ao meio ambiente, além da poluição sonora. Esse foi o diferencial que nos moveu inicialmente.”
Projetos personalizados incluem a adaptação de bicicletas aos produtos
Além das entregas avulsas, a EcoBike oferece a possibilidade de desenvolver uma bicicleta voltada ao tipo de negócio do contratante. Nesse caso, o equipamento e o ciclista trabalham de forma exclusiva. Em Curitiba, por exemplo, a empresa criou modelos personalizados para atender às necessidades de floriculturas e de pizzarias. Em Porto Alegre, esse formato de atendimento será um dos focos de trabalho da franquia local.
A Feito de Sorvete, especializada em bombons e tortas, será a primeira a ter um projeto personalizado na capital gaúcha. De acordo com a diretora comercial da empresa, Isabel Dalmás, a entrega feita por motociclista destoava do conceito apregoado por sua marca. “Utilizávamos o motoboy, mas achávamos que não tinha nada a ver com a Feito de Sorvete. Buscamos na bicicleta uma entrega que traz qualidade no atendimento, apresentação impecável e sustentabilidade, valores que queremos agregar a nossa marca. A entrega tinha que ser diferenciada, como nosso produto.”
Para atender às solicitações da confeitaria, a EcoBike escolheu trabalhar com uma bicicleta elétrica devido à topografia da região onde a loja está instalada, repleta de subidas íngremes. “Trouxemos nossa expertise para avaliar qual seria a melhor bicicleta. Precisávamos de formato diferenciado, mais delicado, parecido com o produto. Juntamos os conhecimentos das duas empresas para formar um equipamento especial para esse tipo de entrega”, explica a gerente operacional da EcoBike, Vanessa Cabral Gomes. Por fim, um baú elétrico é ligado à bateria do motor, acondicionando os doces na temperatura ideal.
Segundo Isabel, o ciclista não é mais demorado do que o motoboy para realizar as entregas. “O tempo que o biker leva para fazer é praticamente o mesmo que o motoboy. Não vemos a distância e o tempo como problemas. O produto sai daqui acondicionado na temperatura ideal e chega perfeito ao seu destino em 15 minutos”, conta. Ela reconhece o aumento do custo com o serviço, mas, mesmo assim, acredita ser mais vantajoso optar pela bicicleta. “Sem dúvida, vale a pena pelo conceito. Vamos investir e apostar na entrega pela bike porque acreditamos em um retorno maior em marketing e qualidade no atendimento”, afirma.
Presidente do Sindimoto admite vantagem do trabalho de ciclistas no Centro da Cidade
A atividade de bikeboy está regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Na Classificação Brasileira de Ocupações, a profissão consta como “ciclista mensageiro” ou “bikeboy”. Na mesma ordem do motociclista, a descrição prevê a coleta e a entrega de documentos, mercadorias e encomendas, além de serviços de pagamento e cobrança. Sindicalmente, a filiação fica a cargo do Sindimoto, hoje nomeado como Sindicato dos Motociclistas e Ciclistas Profissionais.
O presidente da entidade no Rio Grande do Sul, Valter Ferreira, defende a entrada dos ciclistas no mercado até agora dominado pelas motocicletas. “Eu não vejo como modais concorrentes. Cada um tem as suas vantagens, não há disputa por mercado. No Centro da cidade, a bicicleta vai ser de grande valia. É uma região de grandes aglomerações e difícil acesso para motos em algumas áreas”, afirma.
O Sindimoto projeta que existam 18 mil motoboys atuando em Porto Alegre. Cada um realiza em média 25 entregas por dia, número insuficiente para suprir a demanda atual. “Tem faltado muita mão de obra no setor. As empresas estão nos solicitando trabalhadores porque o número atual não tem dado conta das entregas. Por isso, a chegada dos ciclistas será muito bem vinda”, comemora.
Nesse cenário, Ferreira enxerga potencial para a bicicleta tornar-se um equipamento gerador de emprego e renda no futuro. “Com a questão da saúde e do meio ambiente em voga, ela está entrando forte na área do trabalho. Alia uma série de vantagens: traz agilidade, agrega mobilidade em determinados locais e contribui para a diminuição do trânsito. Essas empresas contribuirão para se tornar uma ferramenta de trabalho capaz de sobreviver mutuamente com outros modais”, completa Ferreira.
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