Os primeiros contatos com Guilherme Farkas foram feitos pelo facebook e depois por e-mail, após garimparmos na internet um vídeo produzido junto com o irmão Deco Farkas. Na época ambos ainda moravam em São Paulo e saíram às ruas para pintar placas de trânsito em discos de vinil, estimulando o compartilhamento das vias. Hoje morador de Niterói, Guilherme se dedica aos estudos de cinema e audiovisual, trabalhando majoritariamente com captação e pós-produção de som para projetos audiovisuais.
Em entrevista concedida ao Mobilize Brasil, Gui Farkas fala sobre a mobilidade urbana, a importância da bicicleta e do transporte coletivo, além das intervenções dele e da sociedade no espaço público em um processo de construção de uma sociedade inclusiva. O vídeo dele pintando placas em discos de vinil foi incluído, com a autorização dos autores, no material que compõe as Iniciativas da Sociedade da campanha Sinalize.
Quais os meios de transporte que você utiliza no seu deslocamento diário na cidade onde mora?
Bicicleta, ônibus, taxi, metrô e barca.
Quais as maiores dificuldades que você enfrenta no deslocamento diário?
De bicicleta com certeza a maior dificuldade é por parte dos condutores de veículos motorizados. Aqui em Niterói ainda custa para o motorista entender que a bicicleta também é um veículo como qualquer outro e merece ser respeitado. De transporte público todos enfrentamos o mesmo problema, o fato das cidades brasileiras serem planejadas para uso do transporte individual privado, o automóvel. O que já se mostrou um modelo totalmente falido. Dessa forma todos os demais modais de transporte sofrem. O trânsito é apenas um desses sintomas. Todas as cidades deveriam ter faixas exclusivas para transporte público. Quem deve ficar preso no trânsito é o automóvel, quem opta pelo transporte público deveria ser tratado como rei.
Quando você pintou e pendurou placas de 'compartilhe as vias' em São Paulo, qual foi sua motivação e qual era a intenção?
Em 2008 comecei a frequentar a Massa Crítica em São Paulo. Entre nós as ações que fazíamos na rua sempre foram muito importantes, a ação direta. Pintávamos símbolos de bicicleta no chão, como uma ciclofaixa ilegal. Tudo para fazer com que o ciclista fosse visto nas ruas, para que todos pudessem pedalar com segurança. A história das plaquinhas na verdade eu vi pela primeira vez no blog do Cabelo (http://igualvoce.wordpress.com/tag/disco-de-vinil/), um amigo e artista de São Paulo. Eu copiei dele. Eu e meu irmão decidimos fazer a ação e fizemos o vídeo. Queríamos nos divertir, acho que essa é sempre a motivação para ações de ocupação do espaço público. E queríamos passar uma mensagem legal para as pessoas. Porque o grande barato dessa ação é o momento que você está lá na hora colocando as plaquinhas. As pessoas vendo, a ação acontecendo, isso sensibiliza as pessoas. Porque depois é claro que a plaquinha é vista pelas pessoas, mas é mais uma coisa no meio de milhões de outras informações que estão por aí na rua.
Na sua opinião, qual a importância da sinalização de trânsito para pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo?
Sinalização é importante. É um decisão política liberar estacionamento para automóveis nos dois lados das ruas por exemplo. Toda sinalização é um ato político. Faixas de pedestres bem pintadas, faixas exclusivas para ônibus.
Na sua opinião, qual a importância da participação das pessoas, individualmente ou em grupos organizados, na transformação da sociedade?
Para mim política é feita pela sociedade civil. Esse é um ponto muito importante! Não deveriam existir a separação dos “experts” em política e o povo que exerce sua ação política na hora do voto. Esse abismo não deveria existir! A luta política tem que ser todo dia, no cotidiano. Todos deveríamos ter nossas ações políticas, seja em grupo, coletivos, partidos, associação de moradores, associação de ciclistas etc. Somente a sociedade civil organizada, crítica, pode interferir nas decisões políticas. É isso - a luta política tem que ser parte do dia-a-dia. As transformações políticas passam necessariamente por isso. As lutas e jornadas de junho de 2013 trazem uma pauta nova para a ação política. O atual sistema democrático representativo não dialoga com nossas necessidades. O que queremos? Não é essa a reposta a ser dada. Não existe uma resposta. Não queremos o que estão nos disponibilizando. Acredito que existem duas crises hoje: a primeira é um desacordo entre a riqueza que se deseja e a riqueza que se apresenta como possível e a segunda é um descompasso entre o modelo produtivo a produção de subjetividade. Se você parar para pensar sobre a luta pelo passe livre, isso está diretamente ligado à produção de subjetividade.
Lazer, cultura, saúde, mobilidade, são bens que o capital não tem oferecido para maioria esmagadora da sociedade brasileira. Há então a crise. Crise diferente da que ocorre e ocorreu no mundo árabe e de outra em curso na Europa.
O que mudou na sua vida desde que você deixou São Paulo, principalmente no que tange à mobilidade?
São Paulo é incrível, eu nem saberia descrever como. Morava no centro expandido da capital. O trânsito e o respeito com o ciclista mudaram muito desde 2008 (quando comecei a usar a bicicleta como meu principal meio de transporte), acredito que para melhor. Mas ainda é bem complicado também. Quando me mudei para Niterói, em 2012, encontrei uma realidade muito diferente. Ao mesmo tempo que os cariocas têm uma relação muito interessante com a ocupação do espaço público, acho que é algo que vem desde o João do Rio, acredito: o espaço é muito agressivo. No Rio e em Niterói as contradições do capital são muito mais explícitas do que em São Paulo. Niterói está vivendo agora um momento muito bom, com o Argus Caruso no programa Niterói de bicicleta da prefeitura e o pessoal do coletivo Pedal Sonoro, o Luis e o Lucas. Mas aqui em Niterói os motoristas de veículos motorizados têm ações muito agressivas, algo que acontecia muito em São Paulo e que agora já vem diminuindo.
Quem usa a bicicleta no dia-a-dia, para comprar pão, trabalhar, estudar, visitar os amigos, logo sente essas singularidades. É algo muito sutil também. Sabe quando você está pedalando e ouve lá longe um motor de carro e imediatamente a seguir a buzina? Sabe quando a primeira reação do motorista ao ver um ciclista na rua é a de que ele está errado e que lugar de bicicleta é no zoológico? Então, em Niterói às vezes ainda é assim. Mas ao mesmo tempo aqui eu vejo muita mãe de bicicleta levando o filho, o que é genial! Uma contradição danada. Enquanto as cidades forem planejadas priorizando o automóvel em detrimento aos demais modais de transporte, teremos muitos problemas, teremos crise. O pedestre é que mais sofre! Mas se tratando de cidades e planejamento, tudo é muito complexo. Acredito que as cidades são obras abertas, inconclusas.
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