Acharia excelente ver uma placa como essa em São Paulo: “mate sua velocidade, não uma criança”. Variáveis também seriam bem-vindas: mate sua velocidade, não os pedestres, não os ciclistas, não os idosos, não as pessoas com dificuldade de locomoção, não os skatistas. Uma placa incisiva como essa só tem algum efeito sobre os motoristas ingleses porque, antes dela, existem as leis de trânsito, e depois das leis existe seu cumprimento rígido e rigoroso pelas autoridades inglesas e a punição ao não cumprimento.
Diz o senso comum que os ingleses são pragmáticos ao extremo, e que isso os faz frios. Morei dois anos e meio em Londres e sobre o pragmatismo posso dizer: sim, eles são pragmáticos. Palavra dada é palavra cumprida; lei dada é lei cumprida sem paliativos. E se assim não for, a punição vem ligeira. Sobre a frieza, esse é um assunto bastante relativo, especialmente porque, quando dizemos isso, usamos como comparativo o temperamento latino, que está na ponta mais quente da escala mundial da afetividade, e assim fica difícil ser justo na avaliação. Mas que eles são pragmáticos e cumpridores da lei, isso eles são.
Estive em Londres em julho desse ano e pedalei bastante por lá. Depois de pedalar por quase três anos em São Paulo após a volta da estadia na Inglaterra, havia esquecido de como era simples e tranquilo estar no meio das ruas londrinas, entre carros, ônibus, caminhões e motocicletas. Nos primeiros dias eu ainda adotava uma postura extremamente defensiva, sempre atenta a possíveis fechadas e finas. Mas depois assimilei a ideia de que lá, o respeito às pessoas e às leis não é questão de gosto ou oportunidade, mas uma disposição constante (obviamente existem exceções). O que mais me chamou a atenção foi o cuidado dos motoristas de ônibus na ultrapassagem. Além de reduzirem drasticamente a velocidade, se distanciavam bem mais de um metro e meio da bike ao passar ao lado dela. Isso quando ultrapassavam. Muitos deles preferiam esperar tranquilamente os ciclistas concluírem seu trajeto guiando o veículo atrás deles, com uma distância segura, sem buzinar, sem luz alta e sem soltar arzinho de freio pra apressá-los ou intimidá-los.
Londres, assim como São Paulo, tem um tráfego intenso para suas dimensões físicas. Em ruas estreitas, havia momentos em que eu tinha que descer da bike e ir empurrando pela calçada porque não sobrava nenhum pedacinho de corredor pra eu passar. A principal diferença em relação à capital paulista, além, claro, do grande número de ciclistas nas ruas, da existência de ciclofaixas, ciclovia e sinalização específica para e sobre ciclistas (o que não é pouca coisa), é que não apenas as leis de trânsito são cumpridas, como seu não cumprimento é punido. Tanto é assim que, mesmo onde não havia espaço exclusivo para bike nas ruas, os ciclistas eram respeitados como mais um veículo.
A placa “mate sua velocidade, não uma criança”, não tem efeito educativo para os motoristas ingleses. É bem mais um lembrete intimidador, algo como: “você sabe que aqui há crianças, que você precisa reduzir a velocidade e que, se não o fizer, cometerá um crime e será punido por ele. Então não seja idiota ao ponto de matar uma criança com seu carro”. E não é preciso falar duas vezes.
Há quem considere esse tipo de abordagem desnecessária e agressiva. Mas em temas fundamentais como a vida humana, não há transigência possível. Se houver apenas 0,01% de chance de se tirar a vida de alguém com um carro, esse 0,01% tem que ser coibido radicalmente, uma vez que não há meio termo nos acidentes fatais. Toda dureza e incisividade, dentro dos limites da lei, é necessária para proteger a vida. No caso de São Paulo, nos faria muito bem ter pelo menos 10% do pragmatismo dos ingleses para fazer valer as leis de trânsito e, principalmente, para punir quem não as cumpre.
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