Desde o dia 17 de fevereiro passou a vigorar na capital alagoana a faixa exclusiva para o tráfego de ônibus no eixo viário Av. Fernandes Lima/Durval de Góes Monteiro, com fiscalização da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT). Até 9 de março, no entanto, os condutores serão apenas orientados acerca da importância de se respeitar o espaço de circulação do transporte coletivo. A partir do dia 10, aqueles que desrespeitarem a nova faixa exclusiva serão autuados.
Com a notícia da implantação da faixa, inúmeras manifestações surgiram nas redes sociais. Lamentavelmente, a maioria delas são de vozes indignadas, esbravejando argumentos baseados no senso comum, alegando que a faixa é um erro e que representará o caos para o trânsito local. “Uma ideia insana”, dizem alguns.
Acontece, meu caros, que o caos já está instalado! Há muito tempo… E, definitivamente, não foi o transporte público coletivo que o causou.
É triste, porém compreensível, que muitos sejam contra a mudança. Afinal, vivemos em uma sociedade em que a mobilidade urbana foi, desde os anos 50, centrada no automóvel. Só que este modelo é completamente insustentável.
Entram em Maceió 27 carros (fora motos e outros veículos) em média todos os dias. Estes veículos demandam espaço público para circulação, estacionamento e parada. Só para suprir tal demanda, seria necessário a construção de pelo menos 6 km de novas vias todos os anos. Isto é impraticável, insustentável e, isso sim, insano.
Cidade para pessoas
Não há como o sistema viário crescer para sempre. As cidades têm limitação espacial e não se pode dedicar todo o espaço disponível para que as pessoas circulem com seus carros. Precisamos de praças, parques, calçadas amplas e de qualidade. Afinal a cidade é feita para as pessoas e não para carros.
Nós nos acostumamos a sermos dependentes de nossos automóveis. A indústria automotiva e segmentos ligados a ela, associados a dinâmicas econômicas e à imprensa, foram os grandes responsáveis pela criação da cultura do automóvel, que, por sua vez, gerou a imagem de que o transporte coletivo é nada mais do que um mal necessário até que seja possível comprar um automóvel.
A questão é que, simplesmente, não cabem tantos carros no espaço público. Obras como viadutos, pontes, túneis e ampliação de vias são paliativas quando o modelo de mobilidade é centrado no automóvel. Os carros são como substâncias no estado gasoso: quanto mais espaço é dado a eles, mais eles se expandem. Muitos viadutos em Maceió que representaram uma melhoria para o trânsito local, em curto prazo se transformaram em meros transportadores de engarrafamentos de um ponto ao outro da cidade.
Desta forma, se precisamos nos mover e o espaço para fazê-lo é limitado, é preciso que nos movamos da forma mais eficiente possível. E esta forma é através do transporte coletivo.
Por isso a implantação da faixa exclusiva. Para que o sistema de transporte mais eficiente, que carrega mais pessoas, ocupando menos espaço, poluindo menos e sendo muito mais democrático possa ter a prioridade no espaço público. Prioridade esta garantida por Lei (12.587/12).
A faixa azul não está usurpando uma faixa dos carros. Os carros é que invadiram o espaço público. O direcionamento de espaço exclusivo para o transporte coletivo é uma recuperação de um espaço que é da coletividade.
Esta medida, ao contrário do que muitos pensam, beneficia até mesmo o usuário do carro. Vejam quando os trabalhadores que operam o sistema de transporte por ônibus entram em greve, o que acontece? Engarrafamento em todas as vias, certo? Por que?
Porque todo mundo que tem seu carrinho é obrigado a tirá-lo da garagem pra poder se mover. Quanto menos pessoas necessitarem sair com seus carros diariamente, melhor para todo mundo.
Países com altos índices de desenvolvimento e com mobilidade de qualidade possuem mais carros que o Brasil (proporcionalmente). A diferença é que nestes lugares as pessoas têm a opção de só usarem seus carros ocasionalmente e moverem-se diariamente através do transporte público.
Olhem para São Paulo, que está a alguns anos de desenvolvimento e de problemas à nossa frente. A cidade perde R$ 40 bilhões anualmente em engarrafamentos, quase o equivalente ao que tem disponível em seu orçamento para 2014 (R$ 42 bilhôes).
Até mesmo os EUA, pátria do automóvel, já percebeu a insustentabilidade deste modelo de mobilidade e têm investido esforços no sentido de mudar o curso de sua história. Um símbolo desta transformação é o fechamento de parte da Times Square para os carros. O que era visto antes como uma ação impossível de ser colocada em prática, uma insanidade, está funcionando como poucos previam. E, ao contrário do que muitos apontavam, o trânsito melhorou e as lojas incrementaram suas vendas. As pessoas ganharam um espaço que era dominado por carros.
É este o modelo de “desenvolvimento” que queremos? Penso que não!
E é através de ações como a destinação de espaço exclusivo para o transporte público coletivo que começamos a dar um passo em direção à transformação de nossa realidade.
Em suma:
• O que é transporte público de qualidade?
Em geral, é aquele que funciona de forma sistêmica, atendendo aos seguintes critérios: multimodalidade; tarifas justas (ou tarifa zero); prioridade nas vias de tráfego; conforto, pontualidade, legibilidade e confiança do sistema; e capilaridade pela cidade.
• Sendo assim, a faixa exclusiva vai resolver os problemas do nosso transporte público?
Não! Sem dúvidas! Porém é uma medida importantíssima no sentido de valorizar a forma mais eficiente de se mover pela cidade. Ela não irá resolver todos os problemas, mas pelo menos o de termos ônibus que transportam 7,5 milhões de pessoas por mês presos no meio de um mundo de carros em um corredor viário da cidade, vamos ter resolvido. É claro que o problema do transporte como um todo da cidade, realmente, não será solucionado, até porque trata-se de um problema complexo que não se resolve do dia para noite. Um passo de cada vez. Cabe a sociedade exigir que sejam dados os próximos passos.
• É a melhor solução?
Da forma como está sendo implantada, não! Os corredores de ônibus devem ser implantados, sempre que possível, no lado esquerdo da via. No caso da F. Lima/D.G.Monteiro, o corredor deveria estar junto ao canteiro central. Assim não teríamos conflitos com os movimentos de conversão, estacionamento e parada e com os ciclistas. Não é a melhor, mas como já dito, é um avanço.
*O arquiteto e urbanista Renan Silva é mestre em planejamento para o desenvolvimento local. Especialista em trânsito, mobilidade e segurança, é membro do comitê de implantação do projeto Vida no Trânsito em Alagoas e da câmara temática de saúde e meio ambiente do Conselho Nacional de Trânsito. Atua como gerente do serviço de estudos de acidentes e infrações de trânsito do Detran/AL e é consultor em mobilidade e planejamento urbano. Para saber mais acesse o blog sociedade movimento.
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