Deve ser dada razão ao governo paulista quando ele diz que, não fossem os passageiros saindo dos trens após apertar o botão de pânico, a interrupção no funcionamento de parte do metrô de São Paulo ontem teria durado poucos minutos. Isso evitaria que o sistema metroviário da cidade enfrentasse mais de 5 horas de tensão na mais lotada das linhas, a vermelha. Ocorrências semelhantes são comuns em qualquer bom metrô da Europa, inclusive. Não se trata, porém, de julgar os usuários: se no velho continente a situação não acaba em caos, tampouco os passageiros são submetidos à mesma carga de stress que aqui.
A opinião é do professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sistema ferroviário, Telmo Porto.
Ele trabalha com o tema desde 1979. O metrô da cidade foi inaugurado em 1974.
À EXAME.com, ele diz que a quantidade de panes do metrô da cidade não é maior que a de sistemas europeus ou de Nova York. Mas nesses locais, uma linha parada não é recebida quase como uma sentença de morte nem significa que as pessoas não terão como chegar em casa.
Vale lembrar que o governo paulista trabalha com a hipótese de uma orquestração criminosa no episódio de ontem, já que 7 vagões foram abertos em momentos mais ou menos próximos. No momento, como dito, trata-se apenas de uma hipótese.
Defeitos como o apresentado ontem são comuns no mundo inteiro ou se trata de uma prova de mau funcionamento do metrô de São Paulo?
Telmo Porto - O problema que aconteceu é relativamente pequeno. É uma falha que acontece em metrôs do mundo inteiro. Já isso virar um negócio de 5 horas, não é usual. Mas o metrô da cidade em termos de ocorrências está exatamente na faixa de sistemas europeus e americanos similares. Os números do metrô de SP estão em conformidade com os das grandes metrópoles do mundo.
Por que a retomada dos serviços não pode ser realizada de forma rápida ontem?
Porto - Houve um problema de porta emperrada na estação Sé. Todos os equipamentos e sistemas ferroviários são feitos para, na situação de falha, ir para uma posição segura. Nesse caso, ficar parado. É um conceito básico. Só que na hora que um trem para, outro para atrás, mesmo no túnel. Ontem, depois de certo tempo, os usuários apertaram os botões de pânico e desceram. Parte foi para passarela de emergência - o que seria até normal -, mas parte desceu na via. E quando se desce na via, é preciso desligar a parte elétrica, o que afeta um grande trecho da linha. E para você religar e operar, é preciso ter certeza que não há ninguém. Isso leva muito tempo. Se todos estivessem na passarela de emergência, não haveria problema.
Mas por que os passageiros deveriam considerar normal ocorrências como essa? Uma usuária disse que se considerava refém do metrô.
Porto - Seria normal. O problema é que nosso sistema está incompleto, em implantação. Então você não tem alternativas para o mesmo destino. Quando você tem problema em Nova York ou Paris, há alternativas em outras linhas. Aqui quando você tem problema em uma, fica sem acesso. Se você está em Londres e teve problemas, o que faz? Faz a baldeação para outra linha. Aqui não tem isso, ainda. As pessoas não querem sair da estação. Em outra cidade, elas não ficariam na mesma estação.
E em casos assim os ônibus têm capacidade para resolver?
Porto - O sistema de maior capacidade de transporte é o ferroviário. Você jamais conseguirá transportar por ônibus o que os trens transportam. O Metrô de SP carrega 60 mil passageiros por hora. De ônibus, seriam 600 superlotados. Não tem avenida que passe isso. Ele é insubstituível.
Dada a limitação de alcance das linhas, lhe parece razoável que a situação saia do controle?
Porto – O metrô é vitima do próprio sucesso. Todo mundo o quer por causa do tempo de viagem. Quando ele não entrega o esperado, a pessoa fica irascível. Pode haver orquestração (hipótese levantada pelo governador Geraldo Alckmin e pelo secretário de Transportes, Jurandir Fernandes)? Até pode. E pode se tratar simplesmente de vândalos, tipo black blocks – que não entendemos ainda o que são, exatamente – mas o fato é que existe um grande desgaste ao entrar em um trem superlotado esperando tempo curto e não ter isso. O que está acontecendo no metrô de SP é que ele está sob uma pressão de demanda brutal. O horário de rush está excepcionalmente carregado. Nós estamos com lotação de 8 pessoas por metro quadrado, enquanto o padrão desejado é na ordem de 6. Parece pouco, mas são 33% a mais.
Se o metrô funciona bem do ponto de vista técnico, e os passageiros também têm razão em reclamar da lotação e das condições em que viajam, o que fazer?
Porto – São Paulo tem cerca de 70 km de metrô e 260 km de trem. Isso dá 330 km, com vantagem de o sistema está em todas as direções. Se você constrói mais 100 km de metrô e mais 50 de ferrovia, esses 330 viram 480, que é um número perfeitamente adequado para uma cidade como SP. Isso pode ser feito em 10 anos.
Mas como manter os quase 5 milhões de passageiros do sistema calmos?
Porto - Nós estamos no fundo do poço: a demanda já cresceu e a oferta vai levar tempo. O metrô precisa mostrar a realidade: todos teremos que ser tolerantes e, "por favor, não apertem os botões de pânico". As coisas vão melhorar. Daqui 10 anos, em ritmo intercalado no período, o sistema vai melhorar à medida que forem inaugurados segmentos novos. Quando isso acontece, você descarrega o que estava carregado. Por exemplo, a linha Consolação do metrô está lotada porque se construiu a linha 4 sem a 5 estar pronta. Quando a 5 estiver pronta, você vai diminuir lá. Mas só haverá um sistema estável quando a malha estiver fechada. E isso vai demorar.
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