Na Copa do Mundo proposta pelo Brasil à Fifa havia a previsão de obras ambiciosas de mobilidade urbana que dariam acesso fácil aos estádios, mas o não cumprimento das promessas nas cidades-sede colocará muitos torcedores em sistemas de transporte público deficientes.
Os planos para o Mundial previam projetos de transporte nas cidades para facilitar o acesso às arenas, onde o padrão Fifa não permite o acesso dos torcedores de carro, e os deslocamentos entre locais-chave, como aeroportos e hotéis.
O último levantamento do governo sobre as obras do Mundial, no entanto, aponta uma redução de quase 30% nos investimentos previstos em mobilidade urbana entre abril de 2012 e setembro de 2013, uma queda de R$ 11,35 bilhões para R$ 8,02 bilhões. Projetos de metrô e veículo leve sobre trilhos foram substituídos por simples corredores de ônibus.
Por razões de segurança, a Fifa determina na Copa do Mundo um raio de isolamento ao redor dos estádios de ao menos 1 quilômetro (em algumas cidades chegará a 3 km), área em que só entram os carros credenciados. A orientação das autoridades é que os torcedores utilizem o transporte público nas 12 cidades-sede do Mundial, apesar das deficiências, ou que enfrentem caminhadas.
A maioria das cidades-sede terá linhas extras de ônibus e rotas especiais nos dias de jogos do Mundial, uma maquiagem para a Copa que não esconde a oportunidade perdida pelo país de deixar um legado justamente na área que motivou os protestos em massa no ano passado durante a Copa das Confederações.
"Todos esses projetos estão sendo realizados com o pensamento equivocado de atendimento à Copa do Mundo. Não serão legados, serão uma recuperação de demanda passada", disse o professor Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral.
"O Brasil perdeu em não deixar um grande legado", acrescentou.
Em Manaus, que receberá quatro jogos da Copa, incluindo o clássico Inglaterra x Itália, não haverá nenhuma obra de mobilidade concluída para o torneio. Os projetos de BRT (corredor expresso de ônibus) e monotrilho, previstos inicialmente para serem concluídos em março deste ano, foram suspensos ou abandonados por problemas ambientais e judiciais que impediram o término tempo.
No fim do ano passado, Porto Alegre retirou 10 projetos de mobilidade da matriz de responsabilidade da Copa, documento que lista todas as obras voltadas para a realização do torneio, porque nenhuma delas ficaria pronta a tempo. Também foram cortadas obras em Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro e Recife.
"Isso tudo vai desembocar necessariamente na utilização de alternativas, de planos B, na área de mobilidade urbana, chegando ao ponto da decretação de feriados para que os turistas não se exponham ao dia a dia do brasileiro", acrescentou o professor.
"Vergonhoso"
Sedes da abertura e da final da Copa, São Paulo e Rio de Janeiro podem ser consideradas exceções devido à facilidade relativa para se chegar aos estádios por meio de trem e metrô, mas as duas principais cidades do país também deixaram de concluir projetos de mobilidade previstos para o Mundial.
O corredor de ônibus saindo do aeroporto internacional carioca só ficará pronto para os Jogos Olímpicos de 2016, enquanto a capital paulista não terá mais para o Mundial um monotrilho previsto inicialmente.
Eventuais problemas no transportes dos torcedores são, desde o princípio da preparação brasileira, um dos principais pontos de atenção da Fifa, que cobra das autoridades brasileiras "garantir que os visitantes internacionais e os fãs de futebol no Brasil tenham uma experiência agradável durante a Copa do Mundo".
"O transporte é uma de nossas maiores preocupações durante os preparativos para a Copa do Mundo da Fifa 2014", disse a Fifa em nota enviada à Reuters.
Sem as obras de mobilidade urbana, as cidades esperam reduzir os impactos negativos dos problemas no transporte com um número menor de pessoas nas ruas nos dias de jogos. A maioria das sedes já anunciou que haverá feriado ou ponto facultativo nas datas das partidas, além de antecipação das férias escolares para coincidir com o período do Mundial.
A Copa das Confederações, evento-teste para o Mundial realizado no ano passado em seis cidades do país, deu uma primeira mostra dos problemas. Forçado a deixar em casa seu meio de transporte favorito, o torcedor brasileiro se viu, muitas vezes, no meio do caos.
"O problema grave que, se não for melhorado vai ser vergonhoso para meu Estado particularmente, é a saída dos jogos. Todos os torcedores têm que ir para uma fila pegar os ônibus de volta para o metrô, e essa fila levou quase duas horas para chegar na estação", disse o administrador de empresa Luiz Cadena, de 36 anos, que assistiu ao duelo Itália x Japão em Recife no ano passado.
"Não tem como escoar tanta gente com essa estrutura de transportes. É realmente preocupante esse caso. Iremos passar vergonha com essa situação se não melhorar", acrescentou.
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