Desde fevereiro deste ano, os moradores de São Paulo vêm acompanhando a instalação de novos abrigos de ônibus, operação que segundo a Prefeitura prosseguirá até 2015, quando o mobiliário deverá estar renovado em todas as regiões da cidade.
Ao assumir a prefeitura, a equipe da atual gestão checou a legalidade da contratação feita em dezembro de 2012 (na gestão anterior), e avaliou que a cidade sairia ganhando com esta melhoria. Assim, deu continuidade ao projeto. Ao todo, serão trocados 6.500 abrigos de ônibus e 12.700 pontos (tótens), substituídos por abrigos padronizados, projetados pelo designer Guto Índio da Costa.
Quatro modelos foram concebidos, adequados ao caráter de cada local. Veja na ilustração abaixo:
Ilustração: Arkitetonix
Além deles, para os futuros corredores de ônibus planeja-se criar um quinto modelo, apropriado ao padrão dos novos terminais. Em comum, todos os abrigos se destacam pelas linhas contemporâneas do desenho, a estrutura leve e assimétrica, os pilares de aço cortén (de aparência enferrujada) ou de concreto, e as paredes de vidro (de alta resistência), de segurança.
Os novos pontos são os mais elegantes que a cidade já teve, e são robustos, projetados para resistir ao vandalismo. Mas não resistiram às críticas de usuários e da imprensa, que bateram forte no alto custo e também em sua suposta baixa eficiência: usuários reclamam que a cobertura de vidro não é confortável no calor e nem protege da chuva, por ser muito aberta.
Nenhum centavo colocado, diz Prefeitura
Quanto ao custo, Sérgio Krichanã, diretor de gestão corporativa da SPObras e chefe de gabinete da Siurb - Secretaria de Infraestrutura Urbana da Prefeitura de São Paulo, esclarece que “os cofres públicos não estão colocando nem um centavo” e que o negócio se viabilizou graças à concessão, a empresas privadas, para exploração de publicidade no mobiliário. Segundo ele, só há vantagens: “A Prefeitura poupará recursos para aplicar em outras áreas, deixando de gastar R$ 300 milhões, pelos 25 anos da concessão, só na manutenção do mobiliário. Ao poder público, ficará a responsabilidade pela fiscalização do serviço”. Krichanã diz que já foram pagos mais de R$ 40 milhões, referentes à outorga, e a Otima (consórcio que venceu a concorrência) fica comprometida no pagamento de parcelas mensais (cada uma no valor de R$ 500 mil aproximadamente) durante o período do contrato.
Fundação Vanzolini
Para resolver a polêmica sobre o calor nos abrigos, a Prefeitura chamou a Fundação Vanzolini para avaliar os equipamentos. No final de julho, a contratação foi divulgada no Diário Oficial, e desde então a entidade está a campo para certificar “as qualidades técnicas dos serviços e produtos fornecidos pelo contrato de concessão dos abrigos”, informa o site da fundação. O trabalho vem sendo conduzido por uma equipe de auditores com experiência em sistemas de gestão e avaliação de fornecedores, e o prazo de conclusão é de até 67 dias. De modo que, se o prazo for cumprido, ainda neste mês de setembro a Fundação Vanzolini deve apresentar seu relatório conclusivo.
Antes, logo que surgiram as polêmicas sobre conforto, testes de conforto térmico e segurança foram realizados pela Falcão Bauer, reconhecido centro tecnológico de controle de qualidade, que testou os abrigos. Os técnicos mediram as temperaturas interna e externa e concluíram que a externa estava 5 graus acima. Pelo sim, pelo não, o projeto foi adaptado, e introduzida uma película escura, mais larga, entre as duas lâminas da cobertura, de modo a vedar a passagem dos raios ultravioleta e atenuar a sensação térmica.
Segundo o diretor da SPObras, “vale lembrar que os abrigos começaram a ser instalados na época mais quente do ano, auge do verão, e isso pode ter contribuído para essa pior sensação nas pessoas. É preciso levar em conta também que vivemos numa cidade impermeabilizada, e qualquer ambiente fica desconfortável nesse período”, analisa. Krichanã observa ainda que os abrigos antigos, aqueles da avenida Paulista por exemplo, “nem proteção lateral e traseira tinham”.
Ele reitera que inicialmente a reação das pessoas foi positiva: “Os abrigos foram muito elogiados. Mesmo antes de sair o resultado da concorrência, o público presente a uma exposição no Anhembi, por exemplo, onde ficaram expostas todas as propostas, ficou impressionado com o projeto do Guto Índio da Costa, pelo forte apelo visual na paisagem. Depois é que foram surgindo críticas, a partir das matérias nos jornais”, conta.
Visão dos usuários
A equipe do Mobilize ouviu a opinião de alguns usuários do transporte público, e de fato a beleza do projeto foi muito mencionada. Num ponto da avenida Ataliba Leonel, zona norte da cidade, por exemplo, uma senhora aplaudiu a iniciativa da troca dos abrigos e aproveitou para destacar um aspecto ainda não levantado sobre os novos modelos: segundo ela, graças à estrutura vazada, que torna visível o ponto de todos os ângulos e da rua, estes abrigos também dificultam atos de vandalismo ou assalto. Ali a calçada é larga, e o abrigo instalado é o chamado “caos-estruturado”, com fechamento de vidro, estrutura metálica e banco (com sinalização de acessibilidade inclusive).
Mas em calçadas estreitas, por falta de espaço, o ponto antigo – antes sinalizado por um poste - tem sido substituído pelo modelo mais simples, o totem. E há críticas quanto ao modo como vem sendo feita esta instalação. Não se previu por exemplo ampliar o passeio, mesmo quando este está fora do padrão permitido, e nem remanejar o ponto para um local próximo. Esta é a reclamação do músico Danilo Sousa, que fotografou (veja abaixo) o novo ponto instalado perto do número 600 da rua Cônego Manuel Vaz, no bairro de Santa Terezinha (zona norte). “A calçada ali é tão estreita que já não era fácil permanecer no ponto. Fizeram a obra do novo ponto e nem se tocaram para isso: o passeio continua ruim, e não houve sensibilidade para estudar outro local para instalação do ponto. Para piorar, montaram a estrutura metálica bem grudada a um poste. Com isso, fecharam de vez a passagem do pedestre, que agora tem de passar pelo meio da rua”, denuncia o rapaz.
Ponto novo, calçada destroçada
O diretor da SPObras admite que possa haver falhas no planejamento, já que a logística foi montada em grande escala, para toda a cidade, e por isso a decisão de substituir os pontos e abrigos nos mesmos locais em que estavam. “Mas são casos pontuais, perfeitamente ajustáveis. Assim que a informação chega a nós, vamos repassando ao consórcio e eles terão de corrigir este tipo de problema”, afirma Krichanã.
Sinalização
Se assim for, há outra falha (ou descuido) na operação de montagem dos abrigos que a Prefeitura deveria atentar e corrigir: a demora na aplicação, nos pontos já construídos, dos adesivos contendo as informações das linhas de ônibus. Em muitos casos, este serviço de utilidade pública não tem sido a primeira preocupação da concessionária, que só após o ponto estar concluído volta ao local para incluir as linhas. Não se justifica, até mesmo porque este descuido não ocorre com a propaganda no vidro (uma brecha da Lei Cidade Limpa), que é instalada no ato.
Esta é a primeira vez que a padronização de todos os pontos da cidade é realizada, como diz o diretor executivo: “São Paulo foi acumulando estruturas de várias épocas e conceitos diferentes; isso fez com que a cidade ficasse com 22 tipos diferentes de pontos de ônibus!”. As obras de renovação estão adiantadas, e a Prefeitura já prevê ampliar o chamado “objeto do contrato”: “Em 25 anos, e com os novos corredores em vista, podemos chegar a 7.500 abrigos (mil além do previsto) e mais 2 mil pontos”, calcula.
A pergunta que fica: se é uma obra tão abrangente, por que, além de refazer os pontos, não se aproveita para otimizar o mobiliário urbano, e incluir no espaço dos abrigos também lixeira, telefone público, paraciclos e sistemas de inteligência? Krichanã exemplifica com o caso das lixeiras, dizendo que já fazem parte de outra concessão, a do lixo, e que tratar todas estas demandas dentro de uma só concessão seria inviável. Na sua visão, a confluência possível se dá no âmbito do Plano Diretor, que poderá reordenar e confluir este tipo de discussão.
Design
Ao conceber os novos abrigos, o designer Guto Índio da Costa diz que partiu da convicção de que “o mobiliário urbano é parte fundamental da personalidade e da identidade de uma cidade”. E cita casos exemplares, referenciais, de importantes cidades como: as estações art nouveau do metrô de Paris; as cabines telefônicas vermelhas de Londres; as estações em forma de tubo de Curitiba...
São Paulo teria mesmo que solicitar um mobiliário especificamente desenhado para a cidade, afirma: “Mergulhamos a fundo no estudo da paisagem urbana, naquilo que faz desta cidade um lugar tão único e especial. Logo chegamos à conclusão que não caberia apresentar um único projeto para uma cidade tão heterogênea. E certamente seria inadequado tentar adaptar um único modelo à toda a cidade”. Foi daí que surgiu a proposta de quatro tipologias diferentes, todas baseadas na leitura da paisagem urbana.
“Além de serem todos contemporâneos, os abrigos deveriam ser assimétricos, refletindo a personalidade dinâmica e vibrante da megalópole. E os materiais utilizados deveriam ser contrastantes, misturando a rusticidade do aço cortén ou do concreto à sofisticação do vidro serigrafado, refletindo os tantos contrastes da cidade. Também a não ortogonalidade das estruturas reflete a espontaneidade quase caótica do tecido urbano paulista”, explicou Índio da Costa.
O exemplo de outros países
O blogueiro do Mobilize Du Dias, que já pedalou 7 mil km pelo continente europeu, teve tempo e condições de observar bem de perto os inúmeros tipos de abrigos de ônibus nas cidades por onde passou. Estes locais têm servido ao ciclista como um refúgio, onde pode repor as energias e se organizar. Com base nessa experiência, ele deu o depoimento a seguir, que ajuda a entender o que os europeus consideram um bom abrigo, e se o nosso corresponde em qualidade, funcionalidade, conforto. Leia o que diz Du Dias, diretamente de alguma estradinha do interior da França, Espanha ou Portugal:
“Não estou bem a par dos novos projetos em São Paulo, mas posso fazer alguns comentários sobre o que vi por aqui. Primeiramente, os pontos de ônibus são muito diferentes de país para país, e também de região para região. O material utilizado, o design, a disposição, tudo muda de acordo com a necessidade e a cultura local.
Em regiões onde venta muito, ou faz muito frio (na Alemanha e nas regiões montanhosas da Itália por exemplo), os pontos são pequenas casinhas de madeira, totalmente fechadas, com uma janela de vidro (sempre fechada) e uma porta de entrada. Dentro possuem bancos, lixeira, e um mapa com informações das linhas. Já próximo aos lagos da Suíça, por exemplo, os pontos costumam ser de vidro, para aproveitar a luminosidade e também não contrastar com a paisagem. Bancos e informações para os usuários são quase obrigatórios, além de latas de lixo e muitas vezes sistema automatizado para a compra e emissão de bilhetes.
Em Munique, na Alemanha, as ciclovias e vias para pedestres em alguns casos ficam entre os pontos de ônibus e as ruas, o que parece estranho, mas funciona muito bem já que os carros tem horário para chegar, e quase sempre param, mesmo sem o usuário fazer sinal. Na Áustria vi pontos de ônibus extremamente elegantes, feitos de uma estrutura metálica verde, com inúmeras pequenas janelas de vidro, bancos, informações sobre as linhas e até um telefone público no seu interior. Também havia um aparelho telefônico para chamar táxi.
Pelo que tenho visto aqui, pude perceber que os pontos de ônibus são desenhados para atender necessidades específicas. No caso de São Paulo, por exemplo, me parece fundamental que priorizem bancos (já que os ônibus Não tem hora para chegar e costumam demorar muito); mapas e informações aos usuários (nem todos os usuários são "habitués" de determinada linha); proteção contra vento e chuva (pelo menos um telhado, uma estrutura atrás e dos lados) e latas de lixo. Na Holanda vi um ponto de ônibus que contava histórias. O usuário podia ver quanto tempo seu ônibus iria demorar para chegar e escolher uma história com uma duração equivalente. Não creio que este seja o caso, mas é possível perceber quando o transporte público é levado a sério.”
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