A polêmica dos viadutos, para além das árvores

"O meio ambiente urbano que será construído é ruim. É a qualidade de vida das pessoas que está sendo impactada", diz Clarissa Sampaio, da Universidade Federal do Ceará

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Fonte: O Povo Online  |  Autor: Érico Firmo*  |  Postado em: 24 de julho de 2013

Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior

Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior

créditos: Divulgação


Não são apenas as 94 árvores – das quais 79 já foram abaixo – que motivam divergências em relação à construção de viadutos nas avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior (às margens do Parque do Cocó), em Fortaleza. Estudiosos do urbanismo questionam os próprios efeitos que a estrutura terá para a mobilidade urbana e a cidade como todo. E destacam que, independentemente do impacto ambiental, não se trata da melhor opção como política de transporte.

 

Estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) abriram o debate sobre esse tema e lançaram concurso de ideias para formular alternativas à obra, aberto a toda a cidade. A professora do setor de projetos urbanísticos, Clarissa Sampaio Freitas, está envolvida nesses debates e conversou ontem com a coluna. Mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Illinois e doutora pela UnB, ela já atuou como urbanista na Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades. Hoje é subchefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC.

 

Clarissa destaca que não apenas os estudantes, mas a categoria dos arquitetos está incomodada com o que chama de “rodoviarismo excessivo” e com iniciativas que não se conectam ao planejamento de Fortaleza. “Esse projeto não tem nada a ver com o sistema de planejamento, até porque não há sistema de planejamento”.

 

Ela chama atenção para a falta de rigor técnico na elaboração das intervenções e na desatualização das bases de dados. Segundo salienta, data de 1992, o último mapeamento de classificação hierarquia viária de Fortaleza. Já se vão lá mais de duas décadas, no período de mais frenética transformação urbana na história da Capital. E acrescenta que o Transfor, do qual o viaduto faz parte, foi concebido mais de uma década atrás. A cidade era outra. O trânsito, então...

 

A concepção dos viadutos não dá conta do contexto de muito mais carros nas ruas. Sobretudo num País, conforme destaca Clarissa, no qual a redução do IPI dos automóveis foi a principal resposta à crise econômica. O que evitou desemprego, mas gerou problema para as cidades. “Quanto mais carro na rua, mais via mais larga, quanto mais via mais larga, mais carro na rua e não saímos desse círculo vicioso”, destaca.

 

 E há aspecto discutível mesmo dentro da lógica do automóvel individual. O que tem sido dito é que os viadutos estarão integrados ao BRT – via exclusiva para ônibus. Pelo vídeo que tem sido divulgado, percebe-se haver duas faixas de fluxo. Sendo uma delas só para ônibus, restará só uma para carro individual. Ou seja, passará muito longe de resolver ou mesmo desafogar os congestionamentos na região da Santana Júnior.

 

Viadutos são canais de degradação

Mas esse não é o problema maior. Experiências no mundo todo deixam claro que viadutos são espaços de degradação urbana, que representam decadência dos espaços onde se instalam, queda de qualidade de vida, aumento da violência, além do impacto ambiental, que é apenas parte do problema. “É o meio ambiente urbano que vai ser construído que é ruim. É a qualidade de vida das pessoas que está sendo impactada”, destaca Clarissa.

Por isso, há experiências em várias partes do mundo na qual viadutos estão sendo demolidos, devido à deterioração provocada, para dar lugar a alternativas mais adequadas às pessoas. Isso ocorreu na França, nos Estados Unidos, mas não apenas em países desenvolvidos. A Coreia do Sul é o exemplo mais recorrente. Rio de Janeiro e São Paulo, veja só, discutem possibilidades semelhantes. Ao derrubar árvores para construir viadutos, Fortaleza abraça dois retrocessos: o ambiental e o da mobilidade. Não se perde por um lado para ganhar por outro. São duas perdas numa mesma ação. A opção pelo retrocesso. Volto ao assunto amanhã.


A convivência com a crítica

Incrível a dificuldade do grupo político alojado no poder no Ceará de conviver com a crítica, o contraponto, a divergência. Parece que a vitória eleitoral exime do dever de discutir, debater e ouvir a sociedade a qual foram escolhidos para governar. Ao atribuir a contestação ao Cocó a “burgueses e alguns maconheiros”, Ciro Gomes (PSB) foi profundamente desrespeitoso, desqualificou de forma rasteira quem pensa diferente. Procedimento que interdita a possibilidade do diálogo. Não é procedimento aceitável a quem exerce função pública – ainda que “informal”.

Além do que, Ciro esquece que, além dos “maconheiros e burgueses”, há questionamentos à obra da Secretaria do Patrimônio da União, Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Poder Judiciário, Universidade Federal do Ceará...


*Érico Firmo é colunista de O Povo Online

 

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