No último ano fiscal, o custo do transporte público em Londres foi de € 9,3 bilhões – € 7 bilhões foram gastos na operação e € 2,3 bilhões em investimentos. Do total, apenas € 4 bilhões foram arrecadados com a venda de passagens. Os subsídios governamentais chegaram a € 4,65 bilhões (50%) e a receita com “outras entradas”, como publicidade, foi de € 0,65 bilhão.
No Brasil, o modelo de financiamento do transporte público é baseado na tarifa e quase completamente financiado por ela. Em São Paulo, município com um dos maiores índices de subsídios para a manutenção do serviço no Brasil, a taxa chega a 20%.
No Brasil, na maioria das cidades, gratuidades para idosos e descontos para estudantes também são pagos pelos passageiros e estão embutidos no preço da tarifa. Em Londres, a prefeitura paga diretamente às empresas por esse benefício, um repasse chamado de “Concessionary Travel Reimbursement”.
A capital inglesa não está isolada na Europa. De acordo com Luís Antônio Lindau, Ph.D em transportes pela University of London e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nas grandes capitais do continente o poder público banca entre 45% e 70% dos custos do transporte público.
Nos Estados Unidos, o percentual varia entre 60% e 70%. A exceção é Nova York, onde as tarifas cobrem 60% dos custos, porque uma parcela grande da população utiliza o serviço e ele é, portanto, mais rentável que a média.
Lindau, que também é diretor-presidente da Embarq Brasil, que promove o transporte sustentável, é reticente em determinar qual o melhor modelo de gestão e financiamento do serviço, mas é taxativo em relação à participação do governo para baratear o preço das passagens.
“O Brasil terá que adotar esse modelo mais cedo ou mais tarde. O preço das passagens já está muito alto, não há muito espaço para aumentar”. Segundo ele, “o que é preciso discutir agora é de onde sairá o dinheiro”.
O professor Mauro Zilbovicius, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), critica principalmente a maneira como a tarifa de ônibus é calculada no Brasil. A fórmula tem como base o Índice de Passageiro por Quilômetros (IPK) e, de forma simplificada, divide o custo total do sistema pelo número de passageiros pagantes.
Para o professor, os usuários geram apenas receita, e não custo. “É como um carrossel. Existe um custo fixo para que ele seja posto em movimento. Se houver mais ou menos gente na roda, isso não vai fazer diferença no que deverá ser gasto para fazer o mecanismo funcionar. No caso do transporte é a mesma coisa. O passageiro implica, no máximo, aumento no uso de combustível, mas isso é desprezível”.
Zilbovicius sugere que o custo seja calculado sobre as condições básicas para a operação: definição das linhas (com a ajuda de pesquisas “origem-destino”), frequência e lotação de cada veículo no horário de pico. A partir disso, pode-se estimar as despesas com combustível, pessoal e manutenção.
O número de passageiros não entraria no cálculo, mas seria visto como amortização de despesas. Dessa forma, as empresas seriam incentivadas a melhorar a qualidade do serviço. A receita cresceria junto com o aumento da demanda.
Carlos Henrique de Carvalho, coordenador de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), disse ontem durante entrevista coletiva que o modelo de cálculo da tarifa está esgotado e entrando em um círculo vicioso.
“A receita com as passagens cobre apenas o custo operacional, não sobra para investir. Com a queda na qualidade do serviço, mais pessoas preferem o carro. Se menos gente usa o transporte público [denominador no cálculo da tarifa], o preço das passagens aumenta”.
A divulgação da nota técnica “Tarifação e Financiamento do Transporte Público Urbano” também mostrou que quase um terço dos 10% mais pobres no país não usa transporte público porque não tem como pagar pelo serviço. O vale-transporte, por sua vez, tem um alcance limitado, só atende 26% dessa parcela da população.
Zilbovicius e Lindau concordam que os subsídios para financiar o sistema poderiam ser arrecadados através de impostos que taxassem os mais ricos, como IPTU e IPVA. O modelo francês, para o professor da Poli-USP, também é uma boa inspiração. Um terço dos custos é financiado pelo Tesouro, um terço pelos usuários e o restante por um imposto cobrado do setor produtivo, pois se entende que ele é diretamente beneficiado por um sistema de transportes eficiente.
Carvalho, do Ipea, lista como alternativas de fonte de financiamento, além da sociedade, os usuários de automóvel, o pedágio urbano – já existente em cidades como Londres, Estocolmo e Cingapura -, a verba arrecadada com estacionamento em via pública e a tributação do combustível – Bogotá, diz, usa 28% do preço da gasolina para custear o transporte.
Ele também defende a criação de fontes de receita extras, como a exploração comercial – cerca de 5% do faturamento do metrô de São Paulo vem do aluguel de lojas dentro das estações e de publicidade. Segundo Carvalho, boa parte dos ganhos com anúncios em ônibus de linha no Brasil é apropriada pelo setor privado.
Os especialistas também são críticos em relação ao modelo de concessão do transporte público no país. Lindau diz, porém, que “não há “modelo de contrato perfeito”.
Algumas medidas de incentivo ao aumento de produtividade, que ainda não existem nos contratos brasileiros, seriam definitivas para a melhoria da qualidade do serviço, afirma. Na Alemanha, de acordo com Thomas Richter, da Universidade Técnica de Berlim, as empresas são obrigadas por contrato a ter 94% de índice de pontualidade e pagam multa, se não atingirem as metas estipuladas.
“O sistema de concessões pode dar certo, mas é preciso criar incentivos para que as empresas sejam mais eficientes e fiscalizar o cumprimento dos contratos. As concessionárias também deveriam ser obrigadas a cumprir algumas práticas de companhias abertas, como a publicação de balanços”, afirma o advogado Bruno Wernek, sócio do escritório Mattos Filho.
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