Do transporte individual ao compartilhado

Pesquisador alemão Andreas Knie culpa lobby da indústria automobilística por falta de discussões sérias sobre mobilidade sustentável

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Fonte: O Globo  |  Autor: Graça Magalhães Ruether  |  Postado em: 27 de junho de 2013

Política verde para trânsito no Rio é 'crítica'

Política verde para trânsito no Rio é 'crítica'

créditos: Domingos Peixoto

 

Para Andreas Knie, pesquisador do Centro de Inovação para a Mobilidade e Mudança Social (InnoZ, sigla do nome em alemão), a implementação das metas de desenvolvimento sustentável definidas na Conferência Rio+20, realizada ano passado, não ocorre com a intensidade e o ritmo desejados. Para piorar, ainda passa ao largo do que o especialista considera ser a sua pauta principal: o trânsito nas cidades.

 

Durante uma conferência para planejamento urbano sustentável e mobilidade, realizada esta semana em Berlim, Knie disse ao Globo que o lobby da indústria automobilística, responsável por 70% das emissões de CO2 no planeta, impossibilita uma discussão mais séria sobre transporte verde e poluição do ar.

 

Um ano depois da Rio+20, por que houve tão poucos avanços para a implementação de metas definidas?

Não houve um compromisso concreto para realizá-las. Na minha opinião, as metas decididas foram vagas demais. Responsável por 70% das emissões nas grandes metrópoles, o trânsito é o tema mais importante em termos de sustentabilidade nas cidades, mas não foi devidamente abordado. O lobby da indústria automobilística é o principal obstáculo à revolução verde no trânsito. Como a indústria automobilística garante no mundo inteiro muitos empregos, rapidamente há o risco de surgir pressão sobre os governos. Mas aos poucos também essa indústria foi contaminada pela tendência verde e começou a apostar no desenvolvimento de carros com poucas emissões.

 

Por que não há mais investimentos em carros elétricos ou híbridos?

São os governos que podem dar a direção. A Alemanha pretende colocar um milhão de novos carros elétricos para circular nas ruas do país a partir de 2020. Mas isso só será possível através de uma política de trânsito adequada. O exemplo da Escandinávia mostra que o modelo só pode funcionar quando houver pontos para carregar bateria em número suficiente e quando houver vantagem financeira para a aquisição de um carro elétrico. Em Oslo, onde 10% dos carros que circulam nas ruas são elétricos, quem compra esses veículos tem a vantagem de poupar cerca de 20 mil euros, que são cobrados para o registro de um carro movido a combustível fóssil. Berlim quer seguir nesta direção.

 

A população de Berlim é muito maior do que a de Oslo...

É verdade. Berlim tem cerca de 3,4 milhões de habitantes. Mas como há muita gente pobre (em comparação com outras cidades alemãs), apenas 50% das famílias berlinenses possuem um automóvel. Para isso contribui também o excelente sistema de transportes coletivos. Quem não tem um carro, não precisa renunciar à mobilidade. Mas é preciso ainda muito mais para diminuir o número de carros nas ruas.

 

Por exemplo?

Quem quer possuir sozinho um carro, deve pagar muito dinheiro para isso. Em contrapartida, quem usa o sistema de car sharing (compartilhamento de carros), e ainda mais se for um carro elétrico, deve ter muitas vantagens financeiras. Só assim é possível diminuir o trânsito sem necessidade de medidas autoritárias.

 

Se o carro elétrico é movido a energia de usinas atômicas, o saldo ecológico pode ser visto como negativo?

Só vale a pena introduzir o sistema se 100% da energia usada no abastecimento dos veículos for renovável, o que não é a energia atômica.

 

Como funciona o sistema do car sharing?

A meta principal do sistema é diminuir o número de pessoas que possuem um automóvel. Na minha opinião, devemos acabar com a propriedade em prol do uso. Cada um pode organizar a sua mobilidade de acordo com as suas necessidades. Isso pode significar o uso do metrô ou do ônibus. Para um determinado trecho, onde há restrições de horário ou necessidade de transportar algo pesado, ou de levar uma criança para o médico, a solução pode ser o sistema de car sharing, do carro compartilhado por muitos. O veículo que essa pessoa usa é parte do sistema de transporte coletivo. O preço pago é equivalente ao trecho utilizado. Estes custos podem ser financiados através do aumento de impostos para quem quer ter o seu próprio carro. Quem se move assim, pode verificar no final do dia ter se comportado de forma inteiramente sustentável.

 

Na sua opinião, a sociedade já está pronta para essa revolução?

Não. Precisamos organizar e lançar aos poucos esse projeto porque de outra forma correríamos o risco de caos e de insatisfação. Mas, com uma organização e conscientização da população, além do incentivo financeiro aos usuários do transporte verde, conseguiremos concretizar essa revolução em termos de planejamento urbano sustentável, com ruas não congestionadas e ar limpo. Em Berlim já começou a ser adotado o sistema de car sharing. As próprias grandes marcas de automóveis começaram a oferecer o modelo.

 

Como o senhor vê a situação do Rio de Janeiro e de São Paulo em termos de política verde de trânsito?

A situação é crítica. Embora no Brasil se use biocombustíveis, isso não é uma solução para acabar com todos os problemas, como as ruas engarrafadas e a grande redução de qualidade de vida que isso significa. Um carro elétrico que seja abastecido com energia renovável praticamente não causa emissões. Mas o que ajudaria a diminuir o trânsito nas ruas seria uma política de excelentes transportes coletivos, tarifas baixas e um sistema eficiente de car sharing. Se o Rio de Janeiro começar hoje essa política, poderá ter em 30 anos uma situação semelhante a de Oslo no que se refere ao trânsito verde, ecológico e sem engarrafamentos.

 

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