A política de incentivar o uso da bicicleta como modo de transporte pela Prefeitura do Rio não é apenas um arroubo de um Prefeito jovem e empreendedor, mas é algo que está acontecendo em grande parte das cidades européias e mundiais. Uma tendência relacionada com a recente consciência dos numerosos benefícios e substanciais vantagens que sua introdução traz tanto do ponto de vista ambiental e social como a mobilidade em áreas urbanas. Esta tendência tem despertado interesse também em muitas outras cidades brasileiras que sofrem ou que começam a sofrer os mesmos problemas de mobilidade que a nossa e que começam a entender que uma parte da solução passa por introduzir a bicicleta como parte integrante de seus sistemas de transporte urbano. E a razão principal deriva da insuficiência dos modos atuais de fazer frente a velhos problemas e novas necessidades.
Hoje, tornaram-se evidentes os erros cometidos a partir dos anos 60 com políticas de transporte orientadas para facilitar o uso desenfreado do automóvel. “Os carros de passeio”, que chegaram para ser uma ferramenta central em nossas vidas e do sistema de transporte urbano e que provavelmente ainda o serão igualmente no futuro, sem dúvida nenhuma não são eficientes nem sustentáveis em áreas urbanas densas e em distâncias curtas. Cada vez são mais evidentes os “efeitos colaterais” negativos do seu uso excessivo: engarrafamentos quiilométricos, poluição, ruído, ocupação do espaço (especialmente para estacionamento), segurança nas vias e crescimentos dos custos de manutenção. Carros em demasia são males para as cidades, em um duplo sentido. As cidades se tornam menos atrativas devido aos impactos ambientais, sociais sobre a qualidade dos espaços públicos e, pior ainda, as cidades tendem a ser menos acessíveis. As ruas engarrafadas de carros em busca de estacionamento não fazem dos automóveis hoje uma forma eficaz de deslocamento. Além disso, contar principalmente com os automóveis para as necessidades de mobilidade urbana fomenta cada vez mais a expansão urbana e a necessidade de investimentos em infra-estrutura para viagens cada vez mais longas e distantes dos centros urbanos que, por sua vez, aumentam a dependência do automóvel. É preciso, portanto, romper esse ciclo vicioso. Por outro lado, o transporte público, tradicional alternativa, não só não o tem sido pela qualidade como também por ser na sua grande maioria baseado no transporte por ônibus, que sucumbem no engarrafamento geral em que se transformou a cidade. É claro que a atual Administração dentro do seu planejamento estratégico tem como uma de suas prioridades reverter esse estado quase caótico do trânsito carioca, já sinalizando com bons exemplos como o BRS implantado em Copacabana e os BRTs, também já em fase de execução. Mas mesmo depois de equacionado o transporte público de forma eficaz ele o é para transportar grande número de pessoas ao mesmo tempo e ao mesmo destino. Utiliza menos espaço e menos recursos e é mais limpo e mais econômico que os veículos privados. Porém, o transporte público por si só não pode satisfazer todas as necessidades de mobilidade das pessoas. Rotas fixas e horários rígidos não são adequados para um número cada vez maior de viagens. As pessoas tendem a se mover aos destinos mais variados, de maneira menos regular e para fins que não são só casa/trabalho/escola. Também tendem a combinar modos distintos para satisfazer melhor suas necessidades. Existe uma clara necessidade de alternativas de transporte que sejam flexíveis, cômodas, limpas e acessíveis para os deslocamentos dentro das áreas urbanas. O deslocamento a pé, historicamente a margem das políticas de mobilidade, já aparece no PDTU de 2004 contemplando cerca de 30% das viagens no Rio e começa a ganhar o reconhecimento a sua importância para o conjunto da mobilidade urbana e a ser considerado como um modo prioritário de mobilidade sustentável, daí as propostas em curso de fechamento de áreas centrais, alargamento de calçadas dentro dos novos projetos de reurbanização na cidade.
Dentro do cenário descrito, o uso da bicicleta assume um rol importante por suas próprias características de eficácia e eficiência como modo de transporte urbano e é visível hoje o grande número de deslocamentos por esse meio, cujas estimativas feitas por ONGs especializadas no assunto estimam que os números de viagens/dia na cidade do Rio de Janeiro já ultrapassam mais de um milhão, sendo que mais de 50% desse número se dão na Região Oeste, onde a população necessita de pelo menos dois meios de transporte para se deslocar, sendo que em mais de 75% dos casos um desses meios é a bicicleta. E isto vem se dando porque as bicicletas podem cobrir de maneira confortável distâncias de viagem de até 10 km ou no caso das elétricas até 20 km, o que significa que um ciclista pode se deslocar em uma área de mais de 150 km2 em torno de sua residência. De um modo geral os habitantes da cidade dificilmente viajam mais de 20 km de sua residência no seu deslocamento diário, embora por causa do trânsito caótico e a perda de tempo nos engarrafamentos isto pareça muito mais. Quando dizemos que do Maracanã ao Engenhão são somente 6 km as pessoas têm dificuldade de acreditar. A velocidade da bicicleta é competitiva nas distâncias curtas se computados o ir até o ponto esperar o transporte, descer e caminhar até o destino. Em 2010 a ONG Transporte Ativo organizou um desafio intermodal para deslocamentos na cidade, sendo que para trajetos dentro da Zona Sul os três primeiros lugares foram obtidos pelas bicicletas se deslocando totalmente por ciclovias ou pelas ruas, montadas por homens ou por mulheres, ficando em quarto lugar o deslocamento por motos, em quinto patins, sexto pedestre, sétimo ônibus e em oitavo e nono, taxi e carro, respectivamente. Mesmo para deslocamento mais longos como do Centro a Ipanema (cerca de 13 km) a bicicleta ficou em quarto lugar, perdendo só para moto, metrô e taxi e ficando a frente dos ônibus e dos carros, e nesse caso uma integração com esses outros modos de transporte público pode e deve ser uma situação de ganho mútuo. Uma outra vantagem é que a bicicleta permite uma grande autonomia. Está disponível a qualquer hora, pode levar a qualquer destino diretamente ou como um meio intermediário de transporte, sendo tão cômoda para esse fim como um automóvel (com custo de aquisição e manutenção de pelo menos 40 vezes menos, não computado o ganho ambiental) e menos rígida que um transporte público. É, portanto um modo flexível para deslocamentos porta a porta, fácil de montar, parar, mudar de rota e ocupa muito pouco espaço, inclusive para estacionar. Uma ciclovia com 2 m de largura tem uma capacidade de pelo menos 2000 ciclistas por hora e o custo de execução é pelo menos 20 vezes menor do que o correspondente para executar uma via de circulação de veículos com a mesma capacidade. Além disso, pequenas medidas como a redução de velocidade para 30 km/h nas vias de baixo trânsito, nas chamadas “Zonas 30”, as bicicletas podem andar junto com o tráfico motorizado, sem a necessidade de espaço exclusivo. Esta forma que é comum em várias cidades do mundo também está presente em vários bairros do Rio de Janeiro, com destaque para Copacabana, onde são realizadas mais de 60.000 viagens/dia em bicicleta, sendo que cerca de 25.000 são para serviços de carga e entrega.
Embora a bicicleta seja acessível a qualquer pessoa com um estado de saúde normal, não sendo necessário ser nenhum atleta para conduzi-la na faixa de idade de 8 a 80 anos, muitos alegam alguns inconvenientes como topografias mais íngremes, limitação de carregamento de cargas ou crianças, riscos de roubos como fatores que o impedem de mover-se em bicicletas, que sem dúvida existem como em qualquer meio de transporte, mas que podem ser superados sem grandes esforços. De fato, casos de êxitos em cidades com clima chuvoso, frio ou com topografia mais íngreme mostram que esses não são obstáculos fundamentais. Copenhagen é a cidade de maior porte no mundo que usa a bicicleta como meio de transporte (quase a metade da população) e tem temperatura na maior parte do ano muito fria, chegando a menos 20 graus no inverno. Lorena, em São Paulo, onde quase toda a população se desloca em bicicleta (90.000 habitantes) tem temperatura condizentes com o Rio de Janeiro. A um custo razoável, diferentes acessórios ou bicicletas adaptadas estão disponíveis para atenuar os inconvenientes, como as bici com marcha, cestas, reboques e até mesmo o chamado pedal assistido (bicicletas elétricas). Bicicletários, inclusive nas estações de trem, metrô e rodoviárias associados a boas travas, são boas medidas para inibir os roubos, cujos índices são infinitamente menores que os dos carros. Além das características de eficácia e eficiência para solucionar as viagens urbanas, a bicicleta contribui para o desenvolvimento de diversas políticas urbanas em termos de meio ambiente, saúde, qualidade de vida, economia e inclusão social. A bicicleta é uma ferramenta útil às cidades para levá-las mais rapidamente para um modelo sustentável, proporcionando mais segurança nas vias em relação ao tráfico motorizado e economia de energia num mundo com necessidades de consumo energético cada vez mais crescentes. Além de não emitir poluentes atmosféricos, inclusive gases de feito estufa, ou de solo e mesmo, quando pensamos desde a fabricação até converter-se em resíduos os contaminantes, são extremamente reduzidos em comparação com os veículos motorizados. O impacto sobre o território é muito menor que a de outros meios de transporte, pois a circulação e o estacionamento requerem uma superfície muito menor do espaço urbano do que os automóveis e, portanto, reduz o impacto sobre a paisagem em relação a obras com grandes infra-estruturas para automóveis. A bicicleta humaniza o trânsito na medida em que é um transporte silencioso, facilitando o contato entre as pessoas que transitam pelas ruas gerando um clima de convivência e comunicação entre os cidadãos, pois no final das contas é apenas uma “pessoa com rodas”. Não fossem todas essas vantagens, o uso constante da bicicleta tem uma relação comprovada com a melhoria da saúde dos seus usuários, especialmente para prevenir e combater a obesidade, hipertensão e diabetes. Os indicadores para estas moléstias nas cidades com uso intensivo da bicicleta como meio de transporte são reduzidos quando comparados com outras cidades com baixo uso da bicicleta como meio de transporte. É claro que essas vantagens coletivas só podem ser verificadas se houver uma transferência de viagens motorizadas para a bicicleta, ou seja, se uma parte dos usuários dos automóveis for convencida a se deslocar por outros meios de transporte mais eficientes do ponto de vista socioambiental. Assim o marco de atuação da política de fomento da bicicleta deve apoiar-se necessariamente em uma estratégia global de mobilidade sustentável, aonde os esforços em infra-estrutura e promoção para permitir o seu uso sejam acompanhados de esforços em cada um dos três pilares da mobilidade sustentável:
1. Melhorar a densidade e a diversidade do uso do solo urbano
2. Aumentar as viagens a pé, em transporte público e em bicicleta
3. Reduzir velocidade, intensidade e locais de estacionamentos para automóveis.
Se, pelo contrário, o aumento do uso da bicicleta não vier acompanhado de compromisso com esses três pilares, o aumento por si só do uso da bicicleta terá um efeito reduzido, porque não se modificarão as bases de um modelo de mobilidade urbana insustentável.
• Altamirando Fernandes Moraes é Subsecretario de Meio Ambiente do Rio de Janeiro. O artigo é inspirado no trabalho apresentado por ele no “VELO-CITY 2011”, realizado em Sevilha, na Espanha, intitulado “Rio de Janeiro – a oportunidade de instalar um sistema de bicicletas de forma integrada” e no livro “Guia da mobilidade Ciclista, editado pelo Instituto para La Diversicación y Ahorro de Energia Del Gobierno de España”