Fortaleza terá Plano Diretor Cicloviário até maio de 2014

Atualmente, a Capital cearense dispõe de 73,9 km de ciclovias do Município, Estado e União. A meta é ofertar mais 39,8 km de espaços exclusivos para o modal

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Fonte: Diário do Nordeste  |  Autor: Lêda Gonçalves  |  Postado em: 26 de março de 2013

Ciclista circulando fora da pista

Ciclista circulando fora da pista

créditos: Divulgação

 

Os recentes acidentes envolvendo ciclistas, como o rapaz que teve o braço decepado por um motorista com sinais de embriaguez em plena Avenida Paulista, em São Paulo, expõem da pior forma possível, que as capitais brasileiras estão despreparadas quando o assunto é estimular o uso da bicicleta como veículo de transporte diário e mais ainda: estão na contramão do que determina a legislação que entrou em vigor em abril de 2012, no País. A Lei 12.587 obriga que os municípios, no prazo de até dois anos, devem definir um plano de mobilidade não apenas urbana, mas sustentável, incluindo todos os meios de transportes.

 

Em Fortaleza, a realidade não é diferente. Quem se arrisca a andar de bicicleta enfrenta desafios como a estrutura precária das pistas, além da imprudência dos motoristas de outros veículos. No entanto, a cidade convive também com os fatos decorrentes da imprudência de muitos ciclistas que usam as vias movimentadas de Fortaleza. Pensando nesses dois cenários e para cumprir a lei, a Prefeitura promete começar a mudar essa situação com o Plano Diretor Cicloviário (PDC) da Capital que deverá começar a ser colocado em prática até maio de 2014.

 

Conforme o coordenador do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor), Valdir Santos, a licitação para a contratação de empresa que elaborará o plano está em curso e dentro de 90 dias estará concluído. Quem ganhar terá que ter como norte o Termo de Referência para o PDC, feito com a colaboração de especialistas.

 

Interligações
Estão previstos a implantação de 15 km de pistas exclusivas, além dos 34 km existentes sob a gerência do Município e dos 24,8 km das obras do Transfor. O termo indica a realização de um diagnóstico sobre as necessidades da cidade com relação às ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. A interligação das pistas já existentes e totalmente desconectadas umas das outras, é outro item em pauta.

 

Enquanto o PDC não é colocado em prática, o ciclista convive com o perigo diário. De acordo com dados do Instituto José Frota (IJF), de janeiro a 20 de março deste ano, 494 acidentes com bicicletas foram registradas pela unidade. São, em média, mais de seis ocorrências todos os dias.

 

Isso representa duas vezes a mais que igual período de 2012, com 220 ciclistas acidentados. "Não é só a cidade que não está preparada, o cidadão também não", afirma o promotor Gilvan Melo, do Ministério Público Estadual. Ele defende ampla campanha de conscientização nas escolas, fábricas, canteiros de obras, igrejas e associações. "Sem o respeito mútuo no comportamento usual e for cada um por si, o trânsito ficará cada vez mais complicado e perigoso".

 

Que o diga o porteiro Francisco Nonato da Silva. Ele mora no bairro Edson Queiroz e diariamente vai de "magrela" ao trabalho, no Dionísio Torres. "Tudo bem quando pego a ciclovia da Washington Soares, quando chega no viaduto, ela acaba e aí tenho que me virar como posso. É um risco de vida constante".

 

Debate
Para o engenheiro de transportes e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Antônio Paulo de Holanda, a cidade carece de um plano complementar ao Plano Diretor Participativo específico para ciclovias. "Precisa ser debatido e simulado pela Autarquia de Trânsito e Empresa de Transportes Urbanos, de maneira a unir os outros sistemas existentes. A definição deste plano passa por um debate e se possível por um concurso público de ideias, a exemplo do que foi feito para a Beira-Mar", argumenta.

 

Não se trata meramente de pintar ciclofaixa e ciclovias, frisa a arquiteta Mariana Reynado, mas de dotar o modal e seu usuário de um completo plano de mobilidade, com bicicletários e implantação de circuitos especiais, principais e secundários. "O sistema requer logística específica e gestão (pública, privada ou mista), além de campanhas educativas que envolvam todos os segmentos".

 

CENAS DO COTIDIANO
Centro da cidade
Apesar de reclamarem da falta de respeito de condutores de automotores, alguns ciclistas não atentam para o direito dos demais cidadãos e circulam pelas calçadas sem se importar com o pedestre ou leis de trânsito. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), essa é a única infração cometida pelos que andam de bicicleta que gera a apreensão do veículo.

 

Av. Washington Soares
A via, entre a Rua Manoel Afonso de Carvalho e Avenida Ministro José Américo, possui 5,6 km de pista exclusiva para bicicletas. Quando ela termina, o ciclista precisar buscar outras alternativas para continuar seu percurso na via, sendo recomendado que se mantenha à esquerda, apesar dos riscos de os outros veículos não respeitarem a distância de 1,5 metros entre eles e a bicicleta.


Flagrante observado em vários pontos onde existem espaços exclusivos: ciclista circulando fora da pista. A maioria reclama da condição da ciclovia, como buracos, lixos e outras barreiras, no entanto, o trecho dessa via foi recentemente refeito com a pintura das faixas e sinalização horizontal. O cidadão, no caso, disse que anda fora porque assim decidiu e vai continuar.

 

Av. Presidente Costa e Silva
O ciclista José Francisco Ferreira conta que diariamente sai de casa, no José Walter, e segue pela via acima sentido Vila Manoel Sátiro, em sua bicicleta. No caminho tem que parar muitas vezes em razão do desrespeito de outros veículos que quase não deixam espaço para o ciclista seguir. "É desgastante.

Os carros e motos passam tirando fino. Dias desses, quase sofri acidente", diz.

 

Capital possui maior rede de ciclovias no NE
A bicicleta é um meio de transporte defendido por muitos no Brasil por ser barata, ecológica, saudável e de grande mobilidade. Apesar disso, o País apenas engatinha em comparação com outras cidades no mundo nas ações concretas para não só incentivar o uso do modal como também implantar espaços seguros e apropriados.

 

Fortaleza, por exemplo, lidera, em termos de extensão, a rede de ciclovias no Nordeste. São 73,9 km de pistas exclusivas, incluindo as de responsabilidade do Município, Estado e União. No entanto, a Capital cearense está na lanterna quando se trata de formular política que integra todos os sistemas de transporte, valorizando o uso da bicicleta.

 

Recife, com apenas 13,5 km de ciclovias, e Salvador, com 20 km, já colocaram em prática seus planos cicloviários. A capital pernambucana conta, a partir deste domingo, com uma ciclofaixa móvel com 25,5 quilômetros de extensão, totalmente sinalizada, monitorada e com infraestrutura de apoio. Além de espaço próprio e segurança, os pedaleiros terão, ainda, quase 200 bicicletas disponíveis para aluguel: 100 do projeto Porto Leve, em funcionamento no Bairro do Recife desde o início do ano, e outras 60 disponibilizadas ao compartilhamento por um banco, numa parceria com a empresa Serttel.

 

Salvador tem o Projeto Cidade Bicicleta e criará mais 217 km de ciclovias na capital baiana. Já Aracaju foi eleita a "capital da qualidade de vida" pelo Ministério da Saúde. A cidade se orgulha de ser a capital com a maior rede cicloviária proporcional à população, com 70 km de vias para 600 mil habitantes, e a previsão é de chegar aos 100 km interligados ainda neste ano.

 

Teresina (Piauí) conta com 50 km e, segundo a Prefeitura local, a meta é dobrar a oferta, além de melhorar as condições das vias já existentes. João Pessoa (Paraíba) tem 44km de ciclovias, seguida por Maceió (Alagoas), com 30 km; São Luiz (Maranhão), com 24,5km e Natal (Rio Grande do Norte), com 21,8 km de pistas para as bikes.

 

Exemplos
Em comparação com outras cidades brasileiras, o Nordeste ainda tem um longo caminho pela frente. O Rio de Janeiro, a primeira do ranking nacional, possui 240 km. Curitiba, responsável pela popularização do conceito de ciclovia no Brasil durante o fim dos anos 80, conta apenas com 120 quilômetros delas. Em Porto Alegre, apesar do projeto que prevê a construção de 495 km até 2022, a cidade tem 7,8 km. São Paulo possui 52 km de ciclovias e muitas estão em condições precárias de uso. Já Sorocaba (interior paulista), vem se tornando referência quando o assunto é o uso do modal. Lá, existem 106 km de via próprias totalmente conectadas e protegidas. Estruturas para prender a bicicleta, os chamados paraciclos, foram distribuídas pela cidade, além de um bicicletário com 60 vagas. E há ainda o "Pedala Sorocaba", programa que incentiva o uso da bicicleta com passeios ciclísticos, ações e eventos.

 

A realidade em outros países já é outra. Em Bogotá (Colômbia) a construção das ciclovias fez parte de um plano de renovação urbana no início dos anos 2000 e foram construídos 120 km de ciclovias. Atualmente, são 334 km de ciclovias utilizados por 285 mil pessoas. Sem falar em exemplos como Amsterdã (Holanda), com 400 km de ciclovias; Malmö ( Suécia): 425 km de pistas; Estocolmo (Suécia): 760 km e Hamburgo (Alemanha) com 1.500 km de ciclovias.

 

Na avaliação do arquiteto e membro da Comissão de Bicicletas da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), Sérgio Luiz Bianco, projetar o uso da bicicleta nas cidades é, na maioria das vezes, mais difícil que planejar uma grande obra viária, pois enxergar oportunidades de desenvolver facilidades para circulação do modal, pela sua característica inovadora, solicita novas visões por parte dos urbanistas e planejadores de transportes, inerente à criatividade. "Quem mexe com sistema viário e sistemas de transporte sempre parte de uma equação simplista, que é a máxima demanda para a mínima oferta e dentro de um quadro de tão graves problemas a serem resolvidos cotidianamente, é difícil pedir novo olhar para esses profissionais", afirma o especialista.

 

Em sua análise, são tantos os problemas que, dentro de uma escala de prioridade, a criatividade e as inovações parecem incompatíveis com as carências a serem resolvidas na circulação diária. E pior, diz, esse modelo de circulação vai reproduzindo uma cidade em que a qualidade de vida piora continuamente. "Quem tem a bicicleta como objeto de trabalho sabe que seu uso tem que ser projetado tendo como objetivo, além do lazer, a definição do seu lugar no sistema viário e seu papel no sistema de transportes municipais".

 

FIQUE POR DENTRO

Grupos debatem soluções viáveis para a cidade
Adeptos das magrelas usam as redes socais e a Internet para debater e trocar ideias e sugestões sobre o que ocorre não só em Fortaleza como em outras cidades pelo mundo afora. Qualquer cidadão pode participar de fóruns e grupos de estudos sobre o tema mobilidade urbana.

 

Alguns grupos, como a ONG Instituto da Cidade, trazem em suas páginas dados sobre o quanto o uso da bicicleta é importante. Em Londres, Paris, Amsterdã e Copenhague, o modal é uma reconhecida solução de mobilidade urbana que, se combinada a outras, não só melhora o trânsito como é lucrativa para a cidade.

 

Em Copenhague por exemplo, a prefeitura fez as contas para saber exatamente quanto ganha com o uso de bicicletas como meio de transporte. As variáveis consideradas são: tempo de locomoção, gastos com infraestrutura e saúde pública e turismo. Resultado: a cada quilômetro pedalado, a cidade ganha R$ 0,40. Ao passo que a cada quilômetro percorrido de carro, a cidade perde R$ 0,25. A solução foi simples: consolidar na cidade o uso diário das bicicletas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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