A Empresa de Planejamento e Logística (EPL) pretende lançar, até o fim deste mês, edital para a contratação de uma empresa responsável por coordenar o projeto executivo de engenharia do trem de alta velocidade (TAV) entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. A empresa será uma “integradora” dos diversos estudos que serão feitos para a construção do trem-bala, como as investigações geológicas, nas palavras do presidente da EPL, Bernardo Figueiredo. Com o projeto executivo, que deverá ficar pronto em um ano, o governo saberá o quanto custará o primeiro trem-bala brasileiro.
“No fim de fevereiro, vamos soltar o edital de contratação do projeto executivo de engenharia do TAV. Vamos contratar uma empresa integradora, com experiência na elaboração desse tipo de projeto, que fará o gerenciamento dos estudos de geologia e de túneis, por exemplo. Queremos ter o trabalho pronto em um ano. É essa integradora que fará com que cada parte do projeto executivo fale com o todo”, disse Figueiredo com exclusividade ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor”.
Em agosto, consórcios interessados na operação e no fornecimento de tecnologia do TAV deverão entregar suas propostas, em leilão na Bovespa. O resultado será conhecido em setembro. Só quando for concluído o projeto executivo (ou estiver bastante avançado), no entanto, o governo abrirá licitação para as obras civis. Essa parte é considerada a mais complicada para tirar o TAV do papel.
Figueiredo afirmou ainda que, se não houver demanda para o leilão do TAV, o governo assumirá a construção. “Não trabalhamos com a hipótese de o projeto não ser realizado. Caso não haja interesse da iniciativa privada, o governo vai fazer a infraestrutura.”
Um grupo de trabalho composto pelo governo federal, governo de São Paulo e Prefeitura de São Paulo estuda o melhor local para a estação de São Paulo do TAV. O edital do projeto prevê que a estação será no Aeroporto Campo de Marte, na região norte da capital, mas o governo do Estado defende que ela fique na Água Branca, na região oeste da cidade, onde se conectaria com os trens regionais, projeto que prevê transporte de passageiros em trens de média velocidade para Sorocaba, Jundiaí, São José dos Campos, ABC e Santos. Figueiredo revelou que a decisão deve sair até o fim do mês.
“Na Água Branca há limitação de espaço e no Campo de Marte não há articulação prevista com metrô e rede de transportes metropolitanos”, afirmou Figueiredo, que participou ontem do fórum “Infraestrutura e Energia no Brasil: Projetos, Financiamentos e Oportunidades, que teve apoio do Valor e do BTG Pactual. Segundo ele, a integração entre os projetos do TAV e dos trens regionais em local com acesso aos transportes metropolitanos torna ambos os projetos mais atrativos. “Há uma faixa entre a Lapa (região oeste) e a Luz (região central), cortada pela ferrovia, que tem espaços que podem abrigar essa estação.”
Figueiredo lembrou que a chegada do TAV até a região oeste de São Paulo depende da travessia do Rio Tietê. “Precisa passar duas vezes (por baixo do rio), mas já verificamos que isso não será um problema técnico. As dificuldades serão os trechos em que já há metrô. Nesses casos, precisam ser feitos túneis ainda mais profundos.”
Mais que uma nova linha de transporte, o TAV vai colocar o Brasil em um novo patamar tecnológico. Esse é o diagnóstico da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). “É uma tecnologia da qual o Brasil precisa”, diz Roberta Marchesi, gerente executiva da ANPTrilhos. “Colaboraria para o problema do transporte entre o Rio e São Paulo, cuja ponte aérea encontra-se superlotada.”
Para Roberta, “o TAV vai ajudar a elevar o padrão tecnológico do Brasil, porque vai mexer com todo o parque industrial, trazer novas indústrias, novos produtos.” A transferência de tecnologia está prevista no edital de licitação. Segundo a ANPTrilhos, entre as prováveis concorrentes à construção e operação do TAV estão empresas que produzem material ferroviário no país e detêm o know-how do trem-bala no exterior. Esse é um dos fatores que devem atrair os interessados e assegurar o investimento. O outro está na perspectiva de novas ligações de alta velocidade no futuro, o que melhoraria a rentabilidade para os fabricantes.
A necessidade de um trem com essas características é uma questão polêmica entre especialistas em transporte. Os argumentos contrários são de que os custos são excessivos para uma solução que não encontrará muita demanda. “O público é o mesmo da ponte aérea”, diz Paulo Fleury presidente do Instituto Ilos, especializado em logística a supply chain. Ele diz que o traçado entre São Paulo e Rio é “complexo” e vai exigir a construção de grande número de pontes e túneis, encarecendo a obra.
Para Fleury, por metade ou menos do custo do TAV o país poderia construir linhas de trens rápidos, de até 200 km/h. As atuais projeções do governo são de que a implantação de 511 km de TAV com velocidade de 350 km/h custe US$ 35,6 bilhões. “Não sou contra o TAV, mas o contexto que o país está vivendo atrapalha um pouco”, diz, referindo-se às necessidades de outros investimentos urgentes em infraestrutura. Segundo ele, o Brasil não dispõe de estudos comparando a implantação de uma linha de TAV com a ampliação da capacidade da via Dutra, principal ligação rodoviária entre as duas maiores cidades do país. Um estudo assim, argumenta, ajudaria a verificar se a obra é ou não necessária.
Peter Wanke, especialista em logística e transporte do Coppead, instituto de pós-graduação e pesquisa em administração da UFRJ, questiona a obra do ponto de vista estratégico. Seu argumento é o custo elevado para atender um público restrito. Ele calcula que o preço estimado para o trem-bala supera R$ 70 milhões por quilômetro, o que permitiria construir 15 km de ferrovia convencional.
“A ligação entre o Rio e São Paulo é essencialmente executiva”, afirma Roberta Marchesi. Ela acredita que o TAV vai permitir a redução dos preços da ponte aérea, hoje acima do padrão devido à grande procura e à oferta estrangulada. Estima-se que o TAV leve, no trecho entre São Paulo e o Rio, cerca de uma hora e meia. O tempo é parecido com o do avião se incluídos os procedimentos de solo. A mesma linha ligará também Campinas, a 100 km da capital paulista. (Colaboraram Guilherme Soares Dias e Eduardo Belo)
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