Entre idas e vindas, críticas e lobbies contrários de vários segmentos, o governo tirou da gaveta e refez o projeto do primeiro trem-bala brasileiro.
O edital do Trem de Alta Velocidade (TAV) para os 511 quilômetros ligando as cidades de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro está nas ruas novamente. Além de ser um marco para o setor, se concluído, será um forte concorrente do transporte aéreo entre as duas maiores capitais do país, na avaliação de especialistas.
Com velocidade de até 350 km/h e a possibilidade de se fazer uma viagem entre Rio e São Paulo em 99 minutos, o TAV será alternativa para quem usa a ponte aérea, que hoje leva muito mais que os “tradicionais” 45 minutos de voo.
Isso, sem contar os preços elevadíssimos das passagens e as longas esperas no embarque e desembarque, o que torna a viagem bem mais demorada.
O presidente da estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, reconhece que, em vários países, nas rotas onde o trem-bala entrou em outros países, o transporte aéreo desapareceu. “Foi assim nos trechos Osaka-Tóquio, Paris-Lyon, por exemplo”, afirma ele ao Correio.
O responsável pela empresa que terá participação de 45% no consórcio que vencer o leilão diz que o tempo de deslocamento estipulado no edital considera a competição do TAV com o avião e não com o ônibus que viaja pela Nova Dutra, rodovia privada que liga São Paulo ao Rio.
Figueiredo destaca algumas das principais vantagens do trem- bala na comparação com o transporte aéreo: a pontualidade e a previsibilidade. O passageiro sabe exatamente a que horas o trem sai e chega no destino, coisa rara hoje em dia nos aeroportos brasileiros.
Além disso, a tarifa máxima prevista no edital do TAV é de R$ 250 (em valores de dezembro, corrigidos pela inflação oficial), na classe econômica. Esse será o preço do bilhete comprado na hora do embarque. “As empresas aéreas cobram R$ 1 mil ou mais para quem chega ao balcão e precisa viajar imediatamente”, conta.
Retomada
Apesar de o projeto ser da década de 1970, Figueiredo lembra que a retomada do TAV começou em 2009, quando a presidente Dilma Rousseff ainda chefiava a Casa Civil do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquela época, o projeto do TAV foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entretanto, ficou apenas no papel.
A intenção do governo era de que a obra ficasse pronta para as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Mas os atrasos na preparação do edital e o desinteresse dos investidores comprometeram os prazos. O leilão foi adiado duas vezes, em abril de 2011, e, depois, em julho do mesmo ano, prejudicando o cronograma inicial; a previsão agora é que ele só entrará em operação em 2020, se não ocorrerem mais contratempos.
No meio desse caminho tortuoso, houve muita polêmica em relação ao custo do projeto e aos riscos do empreendimento para o setor privado. Enquanto o governo apostava em R$ 33 bilhões, alguns especialistas afirmavam que poderia custar o dobro, ou mais, e ninguém queria assumir o risco sozinho. Diante da falta de interessados, o Executivo foi obrigado a rever o modelo e dividir o leilão em duas partes.
A primeira etapa, para o fornecedor da tecnologia, que também será o operador do sistema, e a segunda, para a construção da via. Além disso, aumentou a sua participação no projeto para tentar atrair mais interessados.
Hoje, a expectativa é que o investimento chegue a R$ 35 bilhões, sendo R$ 7,7 bilhões na primeira etapa, e R$ 27,5 bilhões nas obras.
A EPL terá 45% de participação e não mais 33% como estava no edital anterior ao publicado em dezembro passado. Pelas novas regras, dos R$ 7,7 bilhões a serem investidos pelo consórcio vencedor da primeira etapa, 70% (R$ 5,4 bilhões) poderão ser financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Dos 30% exigidos de investimento próprio, ou seja, R$ 2,3 bilhões, a EPL fará um aporte de R$ 1 bilhão, deixando R$ 1,3 bilhão para o sócio privado.
Outra mudança no edital é que o trem-bala só entrará em operação quando os 511km que ligam o Rio a Campinas sejam concluídos. Durante o anúncio do edital, Figueiredo afirmou esperar que tudo esteja pronto em 2018, mas, pelo edital, o concessionário tem até junho de 2019 para concluir a obra. O valor da outorga saltou de R$ 66,12 por km rodado por trem para R$ 70,31 por km rodado.
A outorga funciona como um aluguel que o concessionário pagará para rodar seus trens sobre os trilhos, o que chegará a R$ 27,3 bilhões, valor que Figueiredo calcula que será o custo total da via, o que, segundo ele, fechará a conta do empreendimento.
Relançado dia 13 de dezembro de 2012, após o fracasso de julho de 2011, o edital do TAV prevê o leilão para 19 de setembro deste ano. “Essas mudanças foram importantes para minimizar os riscos dos investidores. E acredito que o prazo até setembro será adequado para que os fabricantes se mobilizem na formação dos consórcios”, comenta o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate. “Agora o modelo está mais adequado e atende as exigências do setor privado”, afirma.
“O TAV finalmente está se tornando uma realidade. E, num futuro próximo, vencida essa fase da definição da tecnologia, será iniciada a construção da via. Esse novo modelo tem tudo para dar certo, porque tem os riscos mitigados. O governo está entrando com mais força, e, assim a iniciativa privada vai ter uma participação mais compatível”, completa.
Para Abate, apesar de existirem oito tecnologias de trens de alta velocidade distintas no mercado, quatro a cinco deverão formar consórcio e participar do leilão. Essa é a mesma conta que faz o presidente da EPL, citando os países dos fabricantes potenciais na disputa: França, Alemanha, Espanha, Coreia do Sul e Japão.
Avanço tecnológico
O trem-bala é considerado por especialistas como um ícone do renascimento do setor ferroviário dado o avanço tecnológico que ele trará para o país, pois o contrato de concessão prevê que a tecnologia embarcada nos trens seja disseminada na indústria nacional.
Para os especialistas do governo, o projeto é a materialização de estudos iniciados na década 1970. “Existe necessidade de realização da obra. Quando olhamos a saturação da Dutra e a limitação física dos aeroportos de Congonhas, Santos Dumont, principalmente, não há alternativa”, afirma Figueiredo.
Segundo ele, grandes projetos de ferrovias em estudo ou em execução hoje foram feitos naquela época, como o Ferroanel de São Paulo e a Ferrovia Norte-Sul.
A possibilidade de se investir no trem bala foi cogitada pela primeira vez em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, de acordo com Figueiredo. Mas o projeto não foi adiante em meio à crise internacional e a maxidesvalorização do real daquela época.
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