A prefeitura paulistana já aplicou 5.129 multas aos donos ou inquilinos de imóveis cujas calçadas foram encontradas em mau estado de conservação, ou fora dos novos padrões estabelecidos na Lei 15.442, sem que ela própria tenha terminado de cumprir a sua lição de casa.
Isso porque, no Programa de Metas da Cidade de São Paulo, documento elaborado em 2009, a Prefeitura se propunha a reformar 600 mil metros quadrados de calçadas consideradas estratégicas para permitir acessibilidade. Segundo o termômetro que avalia on-line o andamento da meta, 77% das obras foram concluídas e essa gestão chegará ao fim sem o seu cumprimento integral.
A promessa do prefeito Gilberto Kassab (PSD) foi feita a partir da lei elaborada pela então vereadora Mara Gabrilli (PSDB), que criou o PEC (Plano Emergencial de Calçadas). Defensora aguerrida da causa da acessibilidade, Mara Gabrilli, hoje deputada federal pelo mesmo partido, conseguiu ver aprovada sua lei em 2008 e, naquele mesmo ano, Kassab sancionou e publicou o decreto que definiu as rotas emergenciais e respectivas vias abrangidas pelo PEC.
O DIÁRIO visitou algumas dessas vias e não encontrou melhorias. Na Avenida Eliseu de Almeida, no Butantã, Zona Oeste, por exemplo, a doméstica Clotilde de Moura, que todos os dias faz um trajeto a pé até o ponto de ônibus, queixou-se do estado da calçada. “Isso aqui está um lixo”, afirmou. “É só buraco e, quando chove, eles ainda ficam cheios de água.”
Pouco adiante, na mesma avenida, o empreiteiro Antônio Joaquim da Silva cobrou do poder público a manutenção mínima das calçadas. “A gente corre risco de vida caminhando por aqui”, disse. “Às vezes tem tanto buraco que a gente tem de ir pela rua junto dos carros.”
Em outras vias do bairro, que também constam da listagem oficial da Prefeitura para receber reparos, o estado de abandono era o mesmo. Na Avenida Valdemar Ferreira, que dá acesso à Cidade Universitária, não há manutenção em vários trechos.
A deputada Mara Gabrilli disse que, diferentemente do Brasil, nas principais cidades do mundo onde as calçadas são acessíveis a manutenção compete ao poder público.
“São Paulo possui cerca de 30 mil quilômetros de calçadas, dos quais aproximadamente 500 são acessíveis”, afirmou. “É muito pouco.”
A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras contestou os próprios dados do site oficial da Prefeitura, que avalia o cumprimento das metas, e disse que foram reformadas mais calçadas do que consta no Termômetro Agenda 2012.
“Desde o início de 2009 até os sete primeiros meses deste ano a administração já reformou mais de 553 mil metros quadrados de passeios públicos e rotas estratégicas”, afirmou, apesar do dado contrário na internet. “Até o final deste ano está prevista a entrega de mais 33 mil metros quadrados reformados”, garantiu. Ainda assim, a meta integral não será cumprida até o fim desta administração.
Multa passou a ser por área
Na prática, irregularidades como buracos ou degraus na calçada já rendiam multa antes mesmo da lei que começou a vigorar em janeiro. A diferença é que a partir deste ano o cálculo da penalidade é feito pelo tamanho do passeio, não da irregularidade. A multa mínima passou de R$ 96,33 para R$ 300.
Deve-se preservar faixa livre
Pela nova lei, em caso de garagens, é fundamental preservar a faixa livre no centro da calçada e ela deve acompanhar a inclinação da rua e não ter uma inclinação transversal maior do que 2%. As esquinas devem estar sempre desobstruídas.
Passeios irregulares geram multa mínima de R$ 300
A nova lei das calçadas, que começou a valer em janeiro deste ano, define que os responsáveis pelos imóveis são obrigados a mantê-los limpos, capinados e drenados, respondendo, em qualquer situação, pela sua utilização como depósito de lixo, detritos ou resíduos de qualquer espécie ou natureza. Com a lei, as novas calçadas a serem construídas deverão ter um espaço de 1,2 metro para a passagem dos pedestres.
As já existentes com menos de 1,2 metro só serão passíveis de multa se estiverem danificadas ou com obstáculos colocados pelo morador, como lixeiras. O descuido gera multas pesadas, de R$ 300 por metro linear.
A Prefeitura conta com 700 agentes para fiscalizar 36 mil quilômetros de calçadas. Uma média de 51 quilômetros por fiscal, mais do que uma maratona, onde os corredores percorrem, em média, 42 quilômetros. Além da alta quilometragem, os fiscais que multam os donos ou inquilinos de imóveis cujas calçadas sejam encontradas em mau estado de conservação ou fora dos novos padrões estabelecidos têm muitas outras atribuições. Cabe a cada um dos agentes fiscalizar 800 posturas municipais, ou seja, questões como alvarás de funcionamento, construções irregulares, qualidade da varrição, etc.
Para especialistas, legislação vigente gera confusão
O arquiteto Luis Octavio de Faria e Silva, professor da Escola da Cidade, considera que as calçadas são espaços públicos e que a legislação vigente gera enorme confusão entre aquilo que é público e privado.“Penso que o sistema atual deveria ser revisto. Entendo que as calçadas deveriam ser tratadas como sistema de transporte e ter a mesma qualidade, por exemplo, dos passeios em frente às estações do Metrô.”
O especialista disse que falta continuidade às administrações no trato dessa questão. “O espaço público ficou desprestigiado, enquanto o privado foi turbinado e recebeu enorme valorização. É uma inversão de valores.”
Para Silvana Cambiaghi, da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo, o problema é a legislação, que delega a calçada ao proprietário.
“As pessoas incorporam como se fosse delas”, afirmou. O professor da Escola da Cidade concorda: “Já que é uma área privada, você dá direito ao proprietário de fazer o que ele quiser. Rampa, obstáculos, etc”.
Leia também:
Em São Paulo, Ciclocidade divulga dossiê sobre ciclovia da Eliseu de Almeida e resultados da contagem de ciclistas
Guardas Civis em São Paulo recebem bicicletas elétricas
Tuk-tuk e monotrilho são novidades no transporte de São Paulo