Como criação tipicamente brasileira, é estranho que tão poucas cidades do país – dá para contar nos dedos das mãos – tenham aderido ao BRT, o chamado Bus Rapid Transit, uma solução de transporte público inventada em Curitiba há quase 40 anos.
Quando criou o BRT, em 1974, o então prefeito da cidade, arquiteto Jaime Lerner, provavelmente não imaginava que, décadas depois, 130 cidades do mundo estariam utilizando o sistema ou uma variação muito próxima dele, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
O BRT tenta colocar na superfície o que o metrô faz abaixo dela: regularidade, rapidez e conforto. Para isso, exige – em um plano ideal – algumas características: faixas segregadas dos carros, e pelo menos duas delas, para permitir ultrapassagens; as paradas devem ser como estações, com pagamento antecipado, o que evita filas no embarque; e os coletivos devem ser maiores e articulados, chegando a transportar até 270 pessoas, com controle mais estrito dos horários.
Embora com capacidade pouco inferior ao metrô, os BRTs são tidos também como transporte coletivo de massa.
O resultado é que, seja em São Paulo, no Rio ou Goiânia (onde são limitados, mas existem), os BRTs são muito melhor avaliados que os ônibus convencionais – tidos muitas vezes como um transporte sucateado, lento e desconfortável – e chegam a rivalizar com o metrô onde este existe.
Abaixo você pode conhecer as cidades brasileiras que acordaram, antes das outras, para o papel do BRT na mobilidade urbana, embora a participação destes ainda seja pequena.
Trinta e oito anos após ser inventado, com uma Copa e Olimpíadas batendo às portas, o Brasil corre para recuperar o tempo perdido. Das 12 cidades do mundial de 2014, nove estão com projetos ou obras engatilhadas, segundo a NTU.
Curitiba-PR – 1974
Se foi lá que tudo começou, é razoável que Curitiba mantenha hoje a maior malha de corredores BRT do Brasil: são 81 quilômetros em 6 eixos que ligam todas as áreas da cidade. Mais 10 quilômetros estão em obras. Desta lista, é a única que adota o sistema em larga escala.
Se o BRT conseguiu acompanhar razoavelmente bem o crescimento de Curitiba e da frota de carros – não imune a críticas, claro – foi à base de investimentos que se mantêm até hoje. Quando nasceu, por exemplo, não havia as áreas de ultrapassagens nas estações, o que já foi feito em dois eixos.
Uma das evoluções introduzidas na década passada foram os semáforos inteligentes, que monitoram a aproximação dos coletivos e dão preferência a estes (abrindo um pouco mais cedo ou fechando um pouco mais tarde quando os detectam).
Enquanto muitas cidades olham os ônibus rápidos hoje, Curitiba mira o metrô, que será feito sob um dos eixos BRT. O presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha elogia a iniciativa da capital paranaense em pensar o transporte metroviário a longo prazo. “O que resolve é a multimodalidade: não é o ônibus ou o trem que vão resolver sozinhos. Estamos falando ainda de bicicleta, do pedestre, do micro-ônibus, etc”, defende.
Goiânia-GO – 1976
Nenhuma cidade entendeu tão rápido quanto Goiânia que o sistema projetado em Curitiba era uma maneira eficaz de transporte público de massa. Dois anos depois, o conceito de Jaime Lerner foi inaugurado em Goiânia, na Avenida Anhanguera.
Na imagem ao lado, ônibus da nova frota comprada no ano passado.
Apesar do pioneirismo (na reprodução), os 13,5 km do Eixo Anhanguera em Goiânia tem data para sumir do mapa: o BRT dará lugar a um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que tem que estar operacional até 2014. Mas não é que a cidade desistiu dos ônibus eficientes – outro corredor BRT será construído no eixo norte-sul da capital goiana.
O caso de Goiânia ilustra a importância em implementar o BRT de maneira completa. Segundo a Rede Metropolitana de Transporte Coletivo de Goiânia, o acúmulo de ônibus nas paradas – onde não há ultrapassagem e com um movimento que só aumentou nas últimas décadas – acaba limitando a velocidade média do corredor, que já foi melhor. Hoje é de 17km/h. O VLT poderá atingir um pouco mais: 24km/h.
Uberlândia-MG – 2006
Única cidade com menos de um milhão de habitantes com BRT, a mineira Uberlândia, com pouco mais de 600 mil pessoas, tem um corredor de 7,5 km na Av. João Naves de Ávila há seis anos. Outros municípios brasileiros possuem faixas exclusivas, mas não atendem a todos os critérios de um BRT.
Levando o preceito de ser na superfície o que o metrô é abaixo da terra, até mesmo shopping em uma das estações o BRT de Uberlândia tem, o que deve soar familiar para moradores de São Paulo.
A imagem ao lado mostra uma das vantagens do sistema: a acessibilidade. Deficientes físicos adentram o coletivo tão rápido quanto os demais passageiros, já que as estações são elevadas.
O corredor deu tão certo que o governo já tem mais quatro projetos aguardando verba do governo federal.
São Paulo-SP – 2007
Dominante em Curitiba, o uso do BRT em São Paulo não chega nem perto de fazer cosquinha no metrô: os 9,7 km do primeiro transportam 81 mil pessoas diariamente, segundo a SPTrans, enquanto os 74 km do transporte subterrâneo dão conta de 4,5 milhões de viagens todos os dias.
Mas quando se trata de avaliação, o único corredor BRT da cidade se sai até melhor. Na última pesquisa da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), 81% dos passageiros acham o Expresso Tiradentes excelente ou bom, índice que cai para 74% no metrô. Os ônibus convencionais ficaram com 40%.
O tempo de viagem entre o Terminal Sacomã e o Parque Dom Pedro II foi enormemente encurtado: caiu de 70 para 14 minutos, segundo a SPTrans.
Em relação ao BRT “ideal”, o Expresso Tiradente perde apenas porque foi construído em via elevada. “Deveria ser na (altura da) rua, porque tem vantagem do ponto de vista da acessibilidade. Mas em relação a velocidade, o benefício foi plenamente atingido”, afirma Otávio Cunha, da NTU.
Rio de Janeiro-RJ – 2012
Quando se trata de BRT, o Rio de Janeiro pode ter chegado atrasado, mas saiu na frente na nova leva de munícipios onde o sistema está sendo implantado por causa da Copa. O Transoeste foi inaugurado em junho.
O Rio segue as regras dos BRTs, a mais importante delas sendo as vias com ultrapassagem, que permitem a existência de linhas expressas e semiexpressas. Quem quer ir de uma ponta a outra o pode fazer sem demoras.
Em pesquisa realizada pelo Instituto Mapear, a aprovação chegou a 90%, resultado de quem demorava até 2h30 no trajeto entre Santa Cruz e Barra da Tijuca e agora o faz em 40 minutos.
Dentro dos ônibus articulados, uma gravação informa a próxima estação de parada, como em metrôs. Os GPS nos ônibus permitem que se saiba quando chegarão às estações, como em outros BRTs desta galeria. Mas o governo precisará resolver os atropelamentos, que têm sido constantes.
Na capital carioca, mais três corredores estão em construção para serem inaugurados até o Mundial de 2014 e as Olimpíadas.
*Publicado na Exame, em 05/09/2012