Sinônimo de autonomia para pessoas com deficiência visual, as calçadas adaptadas se revelaram verdadeiras armadilhas em um município do interior do Ceará. Ao invés de guiar pelo caminho seguro quem enxerga pouco ou nada, o piso tátil instalado pelo governo do Estado nas vias do centro do Crato (a 520 quilômetros de Fortaleza) leva os desavisados direto para o choque frontal contra postes.
O problema se apresenta em todo trecho de 400 metros da calçada que liga duas praças da cidade. Os postes viraram obstáculos para as pessoas após a conclusão de uma obra de requalificação das ruas do centro do Crato.
O calçamento da região foi modificado para acompanhar o padrão das praças reformadas. A primeira etapa da obra foi inaugurada pelo governador Cid Gomes (PSB) no dia 22 de dezembro de 2011. Com a ampliação das calçadas, no entanto, os postes de iluminação pública, antes dispostos nas margens, passaram a ocupar o centro das calçadas. Mesmo assim, as barreiras foram ignoradas e o piso tátil instalado alinhado a elas.
A falha na execução é resultado de um descompasso entre empreiteira responsável e a Companhia Energética do Ceará (Coelce), encarregada de trocar os postes de lugar, segundo a Secretaria das Cidades do Ceará. A pasta afirma que isso ainda ocorrerá, mas admite o deslize.
Questionada pelo iG se a retirada dos postes não deveria ser feita antes da entrega da obra, a arquiteta Marília Gouveia, incumbida do Projeto Cidades do Ceará / Cariri Central, reconhece: “Deveria ser concomitante. Infelizmente houve essa dificuldade de andar junto.”
A Coelce informou ao iG por meio da assessoria de imprensa que os postes não foram trocados de lugar porque "o orçamento ainda não foi pago" e que "após o pagamento da obra, serão programadas as datas de execução do serviço". Ainda segundo a empresa, o pedido para a mudança foi feito somente em 21 de novembro de 2011. Ou seja, um mês antes da inauguração.
Segundo a secretaria, o projeto de requalificação das praças centrais do Crato prevê ainda a reforma da Praça Alexandre Arraes e Praça da Sé. Mais 400 metros de calçadas acessíveis serão entregues à população interligando os logradouros. Ao todo, investimentos chegam a R$ 5 milhões. Os recursos vêm dos cofres do governo e de um financiamento feito junto ao Banco Mundial.
Decepção
Cego desde a infância, o artesão Leonardo do Nascimento, de 45 anos, aprendeu a manter distância da novidade, tida até antes da inauguração como um “grande benefício”. “A cidade é bem acidentada. Precisávamos de mais acessibilidade. Mas o que foi feito leva a gente a dar de cara com um poste desses”, lamenta.
O problema chegou a ser identificado antes da entrega da obra para a população pelo Centro Educativo do Cariri de apoio às pessoas com deficiência visual. O secretário da organização não governamental Cícero Oliveira não chegou a comunicar formalmente a Secretaria das Cidades, mas alertou um dos responsáveis pelo canteiro de obras. “Um deles me disse que estava ciente disso e que os postes seriam retirados depois”, conta.
Pisotátil
O pisotátil serve para orientar pessoas com deficiência visual, ou cegas, dando autonomia e segurança para essas pessoas transitarem pela cidade. Existem dois tipos de piso. O direcional é formado por feixes salientes retangulares em paralelo. Essas formas acentuadas formam uma faixa indicando a direção a ser seguida. O de alerta é usado para sinalizar situações envolvendo riscos. Ele é composto por meias calotas. A textura diferente do piso em contato com a sola do sapato sugere a pessoa ter cuidado com um obstáculo à frente. Pode ser uma travessia, um telefone público ou mesmo um poste.
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