O arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, autor do livro “Cities for People”, esteve hoje de manhã (20) em São Paulo, onde falou para um auditório lotado de estudantes de arquitetura da Universidade Mackenzie e interessados no tema do urbanismo e cidadania.
A palestra integrou o ciclo de conferências “Cidade Contemporânea: espaços públicos e cidadania”, organizado pela instituição. Gehl defendeu a bandeira de uma "cidade para pessoas", que resgate o espaço público como um lugar agradável ao convívio de pedestres e bicicletas, e sem o domínio do carro.
Consultor e docente de Urban Design na faculdade de Arquitetura de Copenhague, na Dinamarca, Jan Gehl atuou também como professor visitante nos Estados Unidos, Alemanha, Austrália e Canadá. Publicou cinco livros, o último deles “Cities for People” (2010), editado em vários idiomas, e com lançamento em português previsto para início do ano que vem, informou o autor. À frente do escritório Gehl Architects, tem realizado projetos e consultorias para inúmeras cidades do mundo, como Londres, Nova York, Melbourne, Sidney, Moscou, Seul e Aman.
Escala humana
Ao abrir a palestra, Gehl disse "trabalhar para pessoas, não para prédios e formas". Lembrou que o modelo da cidade tradicional pressupunha a "interação da forma com a vida, tudo convivendo em harmonia no mesmo espaço". E que a mudança de paradigma veio nos anos 1960, quando o modernismo simplesmente descartou a cidade anterior, e introduziu o planejamento em grande escala: "A escala adotada passou a ser a do avião, a do helicóptero. No planejamento das cidades, não se buscou entender a escala humana, aquela apreendida a cinco quilômetros de distância no máximo, e as pessoas foram esquecidas", lamenta o urbanista.
É a chamada 'síndrome de Brasília', criticou: "De cima, o que se vê é uma águia incrível, e os volumes criteriosamente dispostos no solo. Mas, ao se aproximar, do ponto de vista das pessoas é péssimo, não há como ficar nem caminhar". Para ele, esse planejamento 'feito de cima e com obsessão pela forma' continua sendo praticado em lugares como Dubai, nos Emirados Árabes, e cidades da China e Coreia, entre outros países.
Outra mudança dos anos 1960 foi a "introdução da gasolina barata", que fez com que os carros preenchessem todos os espaços, analisa Gehl: "Ao longo dos anos, fomos perdendo qualidade de vida por causa dessa invasão do carro, e esquecendo como era agradável estar no meio urbano. Essa tendência fez dos governantes planejadores de trânsito, que fazem de tudo para que os 'carros fiquem felizes'", ironizou.
Caminhar e pedalar faz bem ao clima, à saúde das pessoas, e os anos da gasolina (pela falta do recurso natural) estão chegando ao fim. Assim, diz Gehl, a cidade deve voltar a ser viva, segura e sustentável. Mas, questiona: "quantos espaços o cidadão tem para andar, para usar seus póprios músculos e ajudar assim sua saúde?". Segundo Gehl, no passado não se pensou em como o ambiente físico influenciava a vida, mas hoje se sabe que "os prédios é que nos modelam". E a influência do carro no tecido social é foco de diversos estudos; assim, ele resume com a fórmula: mais avenidas resultam em mais ruas, e mais ruas em mais trânsito.
Gehl citou alguns exemplos que vão contra essa lógica do carro: o "Embarcadero", em São Francisco - após um terremoto, a cidade americana optou por trocar a freeway por um parque linear; em Seul, na Coréia, um "minhocão" foi demolido, no seu lugar 'surgiu' um rio e os coreanos não pensaram mais em propor soluções para o tráfego que passava por lá; em Londres, desde 2004 é preciso pagar para entrar na chamada área de contenção no centro.
Convite para a bicicleta
Com meio milhão de habitantes, Copenhague há 50 anos vem convidando a população a usar bicicleta, conta Jan Gehl. Ele conta que a cidade dinamarquesa não tem congestionamento ("só de bikes", brinca) e até 2025 quer ser a melhor do mundo para se pedalar; está duplicando as ciclovias; tirando estacionamentos nas ruas; colocando trens extras para acomodar as bikes. Para incentivar o caminhar, todas as calçadas da cidade foram ampliadas; as ruas têm duas faixas para ciclovia e ônibus ou bonde.
Outro exemplo é Melbourne, cita o arquiteto, que fez a consultoria para a renovação da cidade australiana de 3 milhões de pessoas. "Havia uma área inútil no centro, onde ninguém ia; pois hoje é uma das mais utilizadas e agradáveis para ir. Depois das mudanças, Melbourne já foi escolhida quatro vezes como a melhor cidade no país para se viver". Ele explica que todas as calçadas foram ampliadas, árvores foram plantadas, há sombra para se caminhar, e as bikes ocupam o lugar do carro em várias partes. Em Sidney, a maior cidade da Austrália, um plano para melhorar a área central está em andamento, com consultoria de Gehl.
A ideia de introduzir mudanças, primeiro como um "teste" para depois efetivá-las, é defendida pelo arquiteto ao lembrar do que foi feito na concorrida cidade de Nova York. Em 2007, em ritmo muito rápido, a administração pública começou a implantar 6 mil km de ciclovias e a construir praças em lugares degradados. Na região da Broadway, em 2009, a prefeitura fechou a Times Square para o trânsito, anunciando que se tratava de um "teste". "Foi um sucesso, e seis meses depois o lugar se tornou um bairro boulevar".
A proposta "Cidades para pessoas" vem se espalhando também pelos países em desenvolvimento, anuncia Gehl, e dá o exemplo de Aman, na Jordânia, onde uma área ocupada por refugiados de guerra se transformou numa bela praça (Ashrafieh Square). Outra cidade complexa, tomada por grandes congestionamentos, é Moscou, onde ele diz estar iniciando no próximo mês um plano de humanização.
E São Paulo? Sim, de fato à mesa do evento desta quarta-feira havia representantes dos governos estadual e municipal. Mas em nenhum momento o público teve sinalização de um eventual convite ao consultor dinamarquês, nem ouviu dizer o que se pretende fazer para "humanizar" a maior e mais complicada cidade do país, como retirar carros de circulação, criar mais segurança ao pedestre e ciclista, ampliar as áreas verdes etc. etc.