As mega-obras urbanas consideradas necessárias ao preparo de Cuiabá para a Copa de 2014 vão desapropriar a princípio comerciantes, inquilinos e moradores da avenida da Prainha (Centro) e mais seis áreas: rua Barão de Melgaço (Centro), rua das Mangueiras (Coxipó), avenida Senegal (próximo ao Residencial Terra Nova, região do CPA), avenida Juliano Costa Marques (também na região do CPA, próximo à Receita Federal), avenida Jurumirim (próximo ao Terminal do CPA 3) e avenida Doutor Meirelles (Tijucal).
Tais obras são eminentemente para resolver o trânsito caótico de Cuiabá, de forma que o tráfego flua até espaços esportivos onde ocorrerão jogos. Mas as desapropriações estão preocupando comerciantes, inquilinos e moradores desses locais. Não há uma estimativa oficial sobre com quantas vidas essas obras vão mexer.
Para que ocorram as desapropriações, o primeiro passo é a justiça declarar, a pedido do Governo do Estado, a utilidade pública dessas áreas. Em seguida, começa o processo de indenização dos desalojados.
Conforme o secretário Extraordinário de Apoio Institucional da Ações da Agência Executora de Obras para a Copa do Pantanal (Agecopa), Djalma Sabo Mendes Junior, a justiça já declarou que essas áreas citadas são de utilidade pública. E é nelas que a empresa mineira Diefra/Cappe está fazendo, desde a semana passada, a contagem de pessoas e a avaliação de imóveis.
O consórcio Diefra/Cappe venceu o pregão do lote 2 realizado pela Agecopa para fazer esses estudos. Outra empresa, a Esteio Engenharia e Aerolevantamento, de Curitiba, acabou desclassificada na disputa pelos lotes 1 e 3 e a Agecopa deverá convocar o consórcio Diefra/Cappe para assumi-los também. Esse levantamento vai custar R$ 3,5 milhões aos cofres públicos, mas esse é apenas um dos números milionários que o canteiro de obras da Copa está trazendo ao nosso cotidiano.
A Agecopa já foi criada com um orçamento de R$ 1 bilhão. A Arena Pantanal está orçada em R$ 353 milhões. A adequação da rua das Mangueiras vai custar R$ 965 mil. A duplicação da rua Barão de Melgaço R$ 2,916 milhões, da avenida Vereador Juliano Costa Marques R$ 2,933 milhões, da Jurumirim e construção de ponte sobre o Córrego Gumitá R$ 2,744 milhões, a duplicação da Avenida Senegal, R$ 2,885 milhões, e a duplicação da Avenida Doutor Meireles, R$ 6.496 milhões.
Conforme a Agecopa, já está em execução também a obra de duplicação da Ponte Mário Andreazza, que liga Cuiabá a Várzea Grande. Este projeto faz parte da matriz de responsabilidades assumidas com a FIFA. Valor: R$ 11,5 milhões.
Mas como tal orçamento milionário surgiu para adequar o trânsito Cuiabá e Várzea Grande para a Copa? A principal crítica do Movimento de Direitos Humanos diante desse cenário é que, antes da Copa, a população de Cuiabá e Várzea Grande já sofria não só com os problemas de trânsito e mobilidade urbana, mas com outros dramas sociais, na educação, no saneamento e na saúde, vide as condições do Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (PSMC). Porém, não havia perspectivas políticas imediatas para atender à população dos dois municípios.
O trânsito de Cuiabá, por exemplo, tem problemas graves: congestionamento, falta de sinalização, mallha viária precária, entre outros. Perguntado sobre o porquê desses problemas nunca terem sido resolvidos antes, o secretário municipal de Trânsito e Transporte Urbano de Cuiabá, Edivá Alves, argumenta que “não havia orçamento e a Copa criou essa expectativa orçamentária”. No entanto, destaca o secretário, é um equívoco acreditar que essas mega-obras vão resolver tudo. Segundo ele, para resolver a mobilidade urbana em Cuiabá, seriam necessários R$ 3 bilhões.
Na avaliação do secretário, os problemas de trânsito em Cuiabá se resumem em três itens: carros demais nas ruas, principalmente após o segundo mandato do Governo Lula, quando houve uma facilidade maior na compra parcelada de veículos; crescimento desordenado, que só deixou 25% de área pública para o uso coletivo; e 40% da cidade ainda não tem pavimentação. Ele admite que esses são problemas antigos. Mas só agora, com a Copa, parecem ter solução.
O advogado da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Otacílio Peron, destacou que reconhece a importância cultural e econômica da Copa, mas a CDL não vai admitir injustiça com os comerciários. “Ainda não está definido o sistema de mobilidade urbana a ser adotado: VLT ou BRT. Enquanto isso, estamos esperando as decretações de utilidade pública das áreas e vamos discutindo caso a caso”.
Se os comerciantes estão preocupados, os inquilinos da Avenida da Prainha mais ainda. Alguns deles já alugam certos imóveis há mais de 30 anos. Investiram, ao longo dos anos, em publicidade, já conquistaram clientes fixos, não pensavam em sair de lá, alegam que terão prejuízos. Para se fortalecer, formaram a Associação dos Inquilinos da Prainha. O advogado da Associação, Bruno Boaventura, explica que a principal reivindicação deles é abrir negociação direta com o governo, fazer o debate democrático.
O secretário Djalma Sabo afirma que isso somente em um segundo momento. A princípio, esse trato será somente com os proprietários. Já coletivos de moradores que também serão desalojados ainda não estão consolidados. “Os que têm menor capacidade de mobilização serão os mais atingidos, vão sofrer mais os impactos”, prevê o sociólogo Inácio Werner, do Fórum de Direitos Humanos e Erradicação do Trabalho Escravo. Segundo ele, “o que realmente surpreende nisso tudo é que agora surgem os falsos problemas, porque os problemas mesmo já existem há muito tempo, e temos que ficar atentos para essas falsas soluções”.
O Movimento dos Direitos Humanos vai tratar desse assunto no Grito dos Excluídos deste ano, marcha realizada em todo o país no dia 7 de setembro, um contraponto ao desfile militar. O Grito é organizado para a sociedade questionar se de fato conquistamos a tão sonhada independência.