Tarifaço nos transportes do Rio é um projeto de exclusão

Em artigo, o professor Juciano Martins Rodrigues questiona as altas tarifas de transportes na capital fluminense, que restringem o acesso à cidade

Notícias
 

Fonte: Observatório das Metrópoles  |  Autor: Juciano Martins Rodrigues*  |  Postado em: 22 de abril de 2025

Passageiros desembarcam na estação Cinelândia

Passageiros desembarcam na estação Cinelândia, Centro do Rio

créditos: MetrôRio

Em uma metrópole marcada pela desigualdade e pela pobreza como o Rio de Janeiro, é impossível não pensar que os preços praticados nas passagens de trem e metrô são parte de um deliberado projeto de exclusão. O mesmo que historicamente produziu a segregação residencial que aparta ricos e pobres, brancos e negros, e mantém a separação entre os locais de moradia dos trabalhadores e as áreas bem-servidas de infraestrutura – onde se encontra maior parte dos empregos e demais oportunidades urbanas.

 

Desde o início de 2025, a cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana vem sendo atingida por um verdadeiro tarifaço promovido pelas autoridades estaduais e municipal, com impacto direto sobre os setores mais vulneráveis da população. Nos trens, após mais um reajuste autorizado pela Agetransp (órgão responsável pela regulação dos serviços públicos do Estado do Rio de Janeiro), a tarifa do serviço prestado pela empresa SuperVia passou para R$ 7,60. No MetrôRio, serviço privatizado e controlado por um fundo financeiro internacional, a passagem passou a custar R$ 7,90 desde o dia 15 de abril.


No caso do metrô, o reajuste foi alvo de questionamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE). As tarifas de ônibus, tanto dos municipais quanto dos intermunicipais metropolitanos, também não ficaram de fora da injustificável onda de aumento. No município do Rio, além dos mais de 2,8 bilhões pagos em subsídios pela Prefeitura, desde junho de 2022, o caixa bilionário das empresas será reforçado pela diferença no valor da passagem dos ônibus, que passou de R$ 4,30 para R$ 4,70. Em todos os casos, o percentual de reajuste é maior que os índices de inflação mais importantes para avaliar o poder de compra da população.

 

Por outro lado, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (PNADc) mostram que, em comparação com outras regiões, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro patina na recuperação de suas condições sociais no pós-pandemia. A rendimento médio, sem grandes sinais de aumento desde o final de 2023, é, atualmente, o menor entre as regiões metropolitanas do Sudeste.

 

Em um cenário como esse, além de proibitivas, excludentes e segregadoras, as tarifas praticadas nos serviços de transporte da região metropolitana se tornam uma preocupação ainda maior para a população, na medida que onera cada vez mais o orçamento das famílias. No último trimestre de 2024, a média da renda domiciliar per capita registrada para a região foi de R$ 1.923,83. No entanto, metade da população vive em domicílios com renda per capita inferior a R$ 1.000.

 

Sobre o valor da renda média, o percentual comprometido com 44 passagens de metrô ao valor de R$ 7,90 chega a 18%. Esse peso é ainda maior para a população preta e parda, cuja renda média, no mesmo período, foi de R$ 1.310,39 e R$ 1.381,13, respectivamente. Nesses dois casos, o valor despendido mensalmente em passagens do metrô pode comprometer mais de ¼ do rendimento.

 

O contraste significativo no que diz respeito ao impacto da tarifa na vida financeira de pessoas brancas, pretas e pardas é mais uma expressão da desigualdade nos transportes e consequentemente na acessibilidade urbana da população metropolitana. Isso é complementado negativamente pela falta de planejamento e investimento na ampliação da malha ferroviária, um problema crônico na segunda maior metrópole do país.


Com um processo de expansão muito aquém das necessidades da população, o metrô cobre uma parte muito restrita do território da cidade do Rio de Janeiro. Um número resume seu baixo impacto sobre a acessibilidade: entre os mais de 2,9 milhões de domicílios, somente em 12,4% destes é possível acessar alguma das 41 estações do metrô em até 15 minutos a pé. Ou seja, considerando a inexistência de integração tarifária com os ônibus, esse modo de transporte é inviável para quase 90% da população da cidade.

 

O valor cada vez mais absurdo das tarifas, a situação social, a falta de planejamento e de visão de futuro se combinam de tal forma que o transporte público parece uma opção cada vez menos viável em termos de deslocamento. Essa conjunção de fatores negativos se manifesta na visível perda de público ao longo dos anos. Nenhum dos principais modos de transporte hoje consegue sequer chegar próximo dos níveis de movimento de passageiros registrados antes de 2020. Ou seja, uma crise persistente que já estava sinalizada mesmo antes da pandemia, decretada em março daquele ano.

 Passageiros transportados por vários modos entre 1993 e 2023 Fonte: Reprodução


Os aumentos indiscriminados através de processos decisórios nada transparentes evidenciam ainda que as autoridades se desviam cada vez mais do interesse público. Ao mesmo tempo, se distanciam das soluções para os problemas estruturais do transporte no estado, na região metropolitana e na cidade do Rio de Janeiro. São as mesmas autoridades que se omitem e não agem para coibir a exploração do transporte por grupos armados que controlam o território.


Enquanto isso, as Prefeituras, responsáveis pela regulamentação do transporte público no nível municipal, esquivam-se também quando se trata de enfrentar os problemas gerados pelos transportes por aplicativos desenvolvidos por grandes empresas de tecnologia. Exemplo maior é a presença do serviço de mototáxi, que, lastreada no poder político e econômico dessas bigtechs, se espalhou por toda a metrópole, acolhendo os usuários do transporte público e precarizando ainda mais o sistema de mobilidade.

 

Os interesses dos agentes internacionais que controlam o sistema ferroviário vão no sentido totalmente oposto de políticas transportes que deveriam se guiar, em primeiro lugar, pela distribuição equitativa de seus benefícios sociais. Pouco se fala, mas as expectativas de retorno financeiro desses fundos, como o que controla o metrô – cuja expressão maior é a tarifa de R$ 7,90 cobrada – são totalmente incompatíveis com as necessidades da população. Mais do que isso, são inconciliáveis com os princípios da Constituição Federal que, desde 2016, coloca o transporte como um direito social, assim como educação e saúde.

 

Nesse contexto, além do impacto direto no orçamento das famílias e na capacidade de deslocamento da população, a perversidade do tarifaço de 2025 evidencia também um perigoso descolamento entre a visão dos agentes envolvidos na política e no setor de transportes e a realidade da metrópole de 12 milhões de pessoas, onde os preços das passagens contrastam cada vez mais com um quadro social deteriorado e sem perspectivas de melhora. Romper com a lógica que sustenta esse cenário é o primeiro passo para entender que a exclusão provocada pelos sucessivos aumentos tarifários não é apenas um problema econômico, mas uma questão social de primeira ordem.


Assim, sendo o transporte público um direito essencial, a revisão do modelo tarifário deveria ser uma prioridade política no contexto em que o peso da passagem define quem pode ou não circular na cidade. Isso inclui uma discussão aberta sobre a tarifa zero em todos os transportes, como uma forma de enfrentar um modelo de desenvolvimento urbano que exclui trabalhadores e suas famílias das chances e oportunidades para desfrutar do que a cidade oferece.


*Juciano Martins Rodrigues é professor e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles (CNPQ/FAPERJ). Artigo publicado originalmente no site do Observatório das Metrópoles com o título "Tarifaço nos transportes do Rio de Janeiro é um claro projeto de exclusão". Texto editado por Marcos de Sousa, do Mobilize Brasil. Para ler o original, com todos os gráficos, acesse o site do Observatório das Metrópoles.


Leia também:

Tarifa zero: pauta emergente no 65º aniversário de Brasília
Quase 120 milhões moram em ruas sem acessibilidade, aponta IBGE
Um olhar brasileiro sobre a mobilidade em Nova York
No Rio, motos estão em três de cada quatro sinistros de trânsito


E agora, que tal apoiar o Mobilize Brasil?  

 

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário