O carioca Zé Lobo nasceu montado em uma bicicleta. Exageros à parte, Lobo é um entusiasta do pedalar e afirma usar a bicicleta como meio de transporte desde criança. Em 1992, durante a Eco 92, começou a trabalhar para difundir o uso urbano da bike. E esteve presente na concepção e fundação das organizações World Cycling Aliance (WCA), União de Ciclistas do Brasil (UCB) e Transporte Ativo (TA). Zé Lobo também integra diversos conselhos, entre eles o Conselho da Cidade do Rio de Janeiro.
Explica que a Transporte Ativo é uma Organização da Sociedade Civil, voltada à qualidade de vida nas cidades por meio da utilização de bicicletas e similares como transporte, trabalho, turismo e lazer. A TA é vencedora de diversos prêmios de promoção ao uso de bicicletas, dentre eles o Cycling Visionary Awards 2013, em Viena. Funciona como um centro de informações sobre mobilidade por bicicletas, para o poder público, imprensa e cidadãos, ligando partes interessadas e levantando dados e fatos na sociedade civil e governos para alcançar cidades melhores para todos. Um bom exemplo é a Pesquisa Nacional sobre o Perfil d@ Ciclista (veja matéria) divulgada em janeiro de 2025, como resultado de milhares de entrevistas realizadas com pessoas que usam bicicletas em 18 cidades do Brasil.
Por que a pesquisa Perfil do Ciclista?
A pesquisa nasceu em 2015, quando constatamos a necessidade de conhecer melhor os anseios e necessidades dos ciclistas, para poder promover e planejar de forma mais eficiente e objetiva o uso das bikes.Esta foi a quarta edição da pesquisa, que é trienal, com edições em 2015, 2018, 2021 e 2024. Nas quatro edições já participaram 45 cidades brasileiras, sendo que quatro delas - Rio de Janeiro, Recife, Niterói e São Paulo - estiveram presentes em todas as edições. A grande vantagem de participar de diferentes edições é a possibilidade de acompanhar o que vem acontecendo ao longo do tempo, tal como fez a Ameciclo, de Recife, no documento Evolução Perfil Ciclista em Recife.
Vamos ao que importa: Que mudanças e avanços, foram aferidos nesta edição?
Apenas as cidades que participaram de mais de uma edição conseguem perceber mudanças ou avanços. Mas podemos aferir coisas interessantes, como a permanência da “praticidade” como principal motivo para se utilizar a bicicleta; em apenas quatro das dezoito cidades esse não foi o primeiro motivo, mas o segundo. Na média, entre as cidades, a “praticidade” representa 41% das motivações. Outro item que permanece em destaque envolve a infraestrutura viária (55%) e segurança no trânsito (27%), que somados representam 82% dos estímulos para se pedalar mais. Ou seja, esses dados indicam que para mudar e avançar deve-se tratar esses temas com muito mais seriedade. Com infraestrutura e segurança viária, ficará ainda mais prático utilizar a bicicleta como meio de transporte.
Qual é o principal "achado" deste trabalho?
O grande achado é o trabalho em si, o de reunir diversas cidades, de forma colaborativa, com objetivo comum, gerando dados para políticas públicas mais certeiras. Colo abaixo um texto retirado do Termo de Referência da Pesquisa:
"A Pesquisa Perfil do Ciclista desempenha um papel crucial no avanço da pesquisa científica sobre bicicletas e mobilidade ativa. Seu impacto transcende a coleta de dados; ela é uma fonte valiosa de informações que impulsiona o desenvolvimento da pesquisa científica sobre bicicleta e mobilidade ativa, fornecendo dados inéditos e relevantes para a compreensão dos padrões de uso da bicicleta nas cidades. O impacto na produção acadêmica é significativo. Os dados têm servido como base para uma ampla gama de estudos científicos relacionados à mobilidade urbana, planejamento urbano, saúde pública, entre outros campos. Dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos científicos são enriquecidos com evidências empíricas robustas provenientes da Pesquisa Perfil do Ciclista, assim como seu uso por prefeituras e empresas de comunicação; citamos aqui o Mapa da Mulher Carioca e o Plano Cicloviário Carioca, ambos elaborados pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Desta forma a pesquisa contribui para o avanço do conhecimento científico e para a formulação de políticas mais eficazes e embasadas em evidências."
Há mais presença de mulheres, mães, idosos nesta edição?
A pesquisa não faz essa leitura. Temos como saber se mais mulheres e idosos foram entrevistados, mas não se há uma presença maior dessas pessoas no dia a dia. Percentualmente, houve mais pessoas 60+ entrevistadas nesta edição: em 2021 foram 5.4% e agora, 8%. Já para as mulheres, o percentual de entrevistadas ficou igual ao da edição de 2021, com 26%.
Essas mudanças têm relação com políticas públicas de incentivo ao pedal, como a maior oferta de ciclovias, ciclofaixas, bikes compartilhadas?
Como observamos nos resultados da pesquisa, a oferta de ciclovias, ciclofaixas, bicicletas compartilhadas e bicicletários é um dos maiores incentivos para se pedalar com mais frequência, conforto e segurança. Logo, acho que podemos fazer uma relação entre o incremento dessas infraestruturas com a alta incidência de novos ciclistas. E pelo que a pesquisa nos apresentou, vão almejar por ainda mais infraestrutura dedicada às bicicletas.
A pesquisa conseguiu detectar quais os fatores que limitam o perfil de quem usa a bicicleta? Segurança, por exemplo? Ou a oferta de bikes mais adequadas para os novos públicos?
Os motivos que fariam as pessoas pedalarem mais, por unanimidade em todas as cidades, é a oferta de mais infraestrutura cicloviária, na média 55%, seguido por educação no trânsito com 26%, somadas representam 81% da motivação para se pedalar mais. A segurança pública foi o segundo motivo apenas em Salvador. Quanto ao tipo de bicicletas, a única distinção entre elas que a pesquisa faz é se são bicicletas particulares ou compartilhadas, convencionais ou elétricas.
O que prevalece: esportistas, transporte pessoal, ou trabalhadores da bike?
O escopo da pesquisa é o uso da bicicleta como meio de transporte. A primeira pergunta, ao se abordar a pessoa na bicicleta, é se usa a bicicleta pelo menos uma vez por semana como meio de transporte; e a pesquisa segue apenas se a reposta for positiva. Logo, atletas e passeios ficam fora. Nas três edições anteriores os entregadores não tinham o destaque que têm hoje em dia e por isso, estamos estudando com tratar melhor essa vertente na próxima edição.
Que motivos, segundo a pesquisa, levam as pessoas a optar por bicicletas?
O principal motivo que leva as pessoas a utilizarem a bicicleta, na maioria das cidades participantes, é sua praticidade: na média, entre as cidades, são 42%, seguidos por “é saudável", com 26%, e "custo" menor, com 21%. Existe uma variação entre as cidades, mas esses motivos, se mostram muito semelhantes em todas as edições.
O trabalho revelou algo sobre a condição econômica das pessoas que pedalam?
Sim. 53% delas ganham até dois salários mínimos por mês e 31% delas entre dois e cinco salários mínimos. Somados, 84% ganham até cinco salários mínimos, na média entre as cidades participantes.
Quais cidades foram avaliadas? Alguma delas revelou alguma surpresa?
As maiores surpresas foram a participação de Cruzeiro do Sul, no interior do Acre, e a participação direta de cinco prefeituras e seis universidades. Nesta rodada foram 18 cidades, entre elas nove capitais: Araucária (PR), Belém (PA), Campos dos Goytacazes (RJ), Cruzeiro do Sul (AC), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Juazeiro (BA), Manaus (AM) Natal (RN), Niterói (RJ), Paranaguá (PR), Petrolina (PE), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP), Seropédica (RJ) e Volta Redonda (RJ).
E qual foi a cidade mais colaborativa, que gerou mais dados?
Duas cidades paranaenes, Paranaguá e Araucária, se destacaram pela objetividade e envolvimento. Paranaguá, apesar da equipe pequena, foi a primeira a ir a campo, a primeira a entregar os dados coletados, e já realizou reuniões com a prefeitura local, para apresentar os resultados encontrados. Em Araucária, houve um envolvimento direto da Prefeitura através de sua Secretaria de Planejamento, que já publicou um documento detalhado. A quantidade de dados gerado pelas cidades foi a proporcionalmente a mesma, variando apenas no volume de entrevistas, de acordo com a população local.

Alguns destaques:
· 80% levam até 30 minutos em seus percursos e que equivale a viagens de 6 km a 8 km
· Metade utiliza a bicicleta há mais de 5 anos e a outra metade há menos de 5 anos; logo podemos dizer que o uso da bicicleta tem crescido nos últimos anos.
· Existe uma variação grande no tamanho e região das cidades, o que gera diferenças significativas entre elas. Os percentuais apresentados aqui, em sua maioria são da média entre as 18 cidades.
Quer saber mais? Acesse a Pesquisa
Para baixar os resultados acesse https://ta.org.br/perfil/perfil24.pdf
Acesse também o Painel de Controle, onde é possível comparar os dados entre as cidades https://transporteativo.shinyapps.io/ppcb24/
O banco de dados bruto é totalmente aberto e está disponível para quem tiver interesse. Basta entrar em contato com a Transporte Ativo no site https://transporteativo.org.br/.
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