A engenharia pode controlar a força das águas?

O que fazer para evitar que as chuvas cada vez mais fortes destruam as cidades e seus sistemas de transporte?

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa / Mobilize Brasil  |  Postado em: 21 de fevereiro de 2025

Plataforma da estação J.S. Paulo, completamente al

Plataforma da Estação J.S. Paulo, completamente alagada

créditos: Reprodução redes sociais

No final de janeiro, imagens de uma estação do metrô paulistano invadida pelas águas da chuva correram as redes sociais em todo o Brasil: todos pudemos ver cenas como as de passageiros empoleirados sobre os corrimãos da rampa de acesso para escapar da forte correnteza que invadia a estação. Tudo aconteceu em poucos segundos, conforme explicaram os usuários e funcionários da Estação Jardim São Paulo/Ayrton Senna, na Linha 1-Azul do metrô de São Paulo. E justamente na sexta-feira (24), um dia antes do aniversário da capital paulista.  

 

Choveu muito, o segundo maior volume de precipitações desde 1961, dizem os registros meteorológicos; o que explica a extensão e a violência da enchente, que atingiu praticamente toda a RMSP. Mas isso não explica tudo.

 

Até a virada do ano 2000, a Estação Jardim São Paulo era uma instalação tranquila, com baixo movimento, localizada em um bairro de classe média na zona norte de São Paulo. A obra foi projetada durante a extensão da Linha 1, e seu projeto premiado em bienais de arquitetura fora do Brasil. Fica em área de baixada, local de nascedouro de um  córrego, espaço antes ocupado por um prédio que sediava a administração municipal de Santana. O córrego foi canalizado e flui dentro de uma tubulação de concreto, visível na plataforma de embarque. O sistema funcionava bem, sem problemas.


Ao longo da segunda década, alguns eventos de verão começaram a levar as águas a invadir as escadarias, mezanino e plataforma. Era o sinal amarelo para um problema novo, que escapara do projeto original. A saída encontrada pelo Metrô foi a construção de uma barreira elevada, com escadaria e rampas, ambas com cerca de 1,5 m de altura. A obra paliativa resolveu o problema até a grande cheia deste último 24 de janeiro.


Estações em pontos inundáveis

Logo após o evento, o Mobilize Brasil contatou a Companhia do Metrô para entender que tipo de providência seria tomada para evitar novos sustos. Nesse contato, lembramos também que pelo menos duas estações da nova Linha 6-Laranja (Sesc Pompeia e Bela Vista Saracura) estão localizadas exatamente sob pontos históricos de alagamentos.


O Metrô, até agora, não respondeu. A concessionária Acciona Linha Uni, responsável pela construção e operação da futura Linha Laranja, enviou uma nota em que "confirma que, para a construção de todas as estações de metrô, é necessário realizar estudos hidrológicos, nos quais são feitos cálculos do tempo de recorrência das chuvas e dos fatores de acumulação, com o objetivo de identificar e prever o nível de elevação em relação a possíveis inundações." 


Assim, diz a nota, "a arquitetura da infraestrutura de mobilidade é planejada considerando o nível máximo de água devido às chuvas que podem ser registradas na região utilizando um tempo de recorrência adequado. Nos casos das estações Sesc Pompeia e Bela Vista, como é de conhecimento geral, as áreas têm um histórico de alagamentos durante a época das chuvas, o que fez com que fossem construídas de forma adequada com maior altura, bem como seus acessos havendo uma compatibilização dos níveis através de escadas, muros, rampas, entre outros."

 

Entorno da Estação Jardim São Paulo: construções impermeabilizam o solo Foto: Wikipedia

 

O caso da Estação Jardim São Paulo é emblemático. Nos últimos 20 anos, o bairro passa por uma aguda transformação, com a derrubada de residências, jardins e quintais, para a construção de grandes edifícios, em um processo de crescente impermeabilização do solo. Além disso, os antigos pavimentos de paralelepípedos que caracterizavam a região foram sendo recobertos pelos tapetes de asfalto. As pedras de granito, com suas juntas, permitiam alguma permeabilidade, além de retardar - frear mesmo - o escoamento das águas. Com o recobrimento asfáltico, a chuva desliza velozmente, carrega sacos de lixo, garrafas, madeiras e outros objetos para as partes mais baixas dos bairros. O resultado são as enchentes, cada vez mais intensas.

 


Asfalto cobre paralelepípedos e águas correm rapidamente

 

Avenidas de fundo de vale
Além do metrô, ainda nesta semana algumas avenidas foram invadidas por caudais nunca vistos de água. O pior caso, com a morte de uma pessoa, aconteceu na avenida General Edgar Facó, na região noroeste de São Paulo. A via de duas pistas ocupa o vale de um córrego e nasceu dentro de um vasto programa de construção de "avenidas de fundo de vale", que nos anos 1970 ocupou todas as várzeas da cidade com pistas, supostamente para a circulação rápida do trânsito, ideia hoje contestada por urbanistas. Vale lembrar que há cem anos o engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de Brito elaborou um projeto para a bacia do rio Tietê que previa a criação de um largo parque inundável em suas margens como forma de controlar a vazão das águas nos meses mais chuvosos. A ideia não faria milagres, mas talvez tivesse redirecionado o crescimento da cidade.


 A proposta de Saturnino de Brito para o rio Tietê Imagem: Reprodução

 

"Falta engenharia"
Em entrevista ao Mobilize, Ivan Whately, vice-presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo, fez uma avaliação crítica sobre a forma como as novas edificações e infraestruturas urbanas estão sendo implantadas nas cidades brasileiras:

"Os episódios extremos vieram para ficar. Com as mudanças climáticas, eles serão cada vez mais frequentes, e devemos adotar as medidas que a boa técnica recomenda. Embora a prefeitura (de São Paulo) tenha feito inúmeras obras emergenciais de canalização de córregos que melhoram a vazão nos cursos d'água, faltam intervenções na contenção e infiltração das águas a montante dos locais, onde ocorrem os alagamentos ou as inundações."


As providências, segue o especialista, "não se restringem ao território do município, devem abranger a área de toda a bacia hidrográfica e dependem da atualização do Plano de Macro Drenagem (...) A cidade cresceu, tornou-se mais impermeável e pouco foi feito para conter o aumento do volume na superfície das vias. Outros projetos, certamente, irão surgir, mas precisam ter avaliação e propostas adequadas para cada situação. Além das áreas de contenção, precisamos definir locais para infiltração das águas. Precisamos conter as águas a montante destas grandes precipitações pluviométricas, antes que elas cheguem em grandes volumes em nossas vias e córregos. A solução não está no projeto das estações de metrô atingidas pelas águas; está, antes, em intervenções de drenagem urbana", conclui o engenheiro.


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