Era uma ideia antiga organizar as imagens de locais transformados/devastados em Brasília. Dois fatos me incentivaram a publicar este primeiro trabalho: a inauguração de mais um viaduto caro e grandioso (dessa vez no Jardim Botânico), em que o Governo do Distrito Federal (GDF) insiste em propagandear como se fosse o que há de mais avançado em mobilidade e segurança no trânsito. E o projeto devastador de túneis em São Paulo, que revela como Brasília não é caso isolado de rodoviarismo. Houve protesto de moradores e truculência por parte das forças de segurança que arrastaram a cicloativista e vereadora eleita Renata Falzoni.
Acompanho com tristeza as ações de ‘mobilidade’ em Brasília. Tive que usar aspas, pois em geral a atuação do governo se resume a ampliar o espaço voltado aos carros. Ou seja, mais do mesmo: pistas, túneis e viadutos para dar vazão à crescente frota automotiva. Em 2008 o DF tinha um milhão de veículos motorizados. Em 2023, a marca já superava os 2 milhões.
Tenho bom acervo de imagens (fotos e vídeos) que faço ao passar de bicicleta por diferentes locais da cidade. Resolvi explorar as fotos e as imagens disponíveis no google street view para evidenciar as transformações. Começo o trabalho pelo viaduto do Sudoeste, na verdade um grande trevo rodoviário com vias expressas para interligar o bairro Sudoeste ao Parque da Cidade.
Sem mais delongas, eis as imagens de diferentes anos da EPIG (Estrada Parque Indústrias Gráficas, DF-011), nas proximidades do bairro Sudoeste.
Street View, Setembro/2011
Street View, Julho/2023
Street View, Maio/2024
As imagens a seguir com o bairro Sudoeste ao fundo. Em primeiro plano, a antiga entrada do bairro:
Street View, Novembro/2017
Street View, Janeiro/2022
Street View, Julho/2023
É bem evidente a transformação (devastação) ocorrida na área. A obra iniciada em junho de 2021 teve um alto custo financeiro e ambiental. Com o intuito de fazer uma ligação expressa entre o bairro Sudoeste e o Parque da Cidade, o custo inicial previsto era de R$ 27 milhões. Segundo notícia do Governo do Distrito Federal à época, ‘quem sair do Parque da Cidade em direção ao Sudoeste não terá mais de passar por semáforos e retornos; seguirá direto para a avenida das Jaqueiras, passando sob a Epig’, a Estrada Parque Indústrias Gráficas.
Centenas (mais de 700) árvores foram literalmente marcadas para morrer – tanto espécies nativas como exóticas – em ambos os lados da EPIG (a parte voltada para o bairro Sudoeste e a parte voltada ao Parque da Cidade). Algumas fotos do local a seguir, da entrada do bairro (antes e durante as obras) e de algumas das árvores marcadas e cortadas.
Foto em Agosto de 2021...
E agora, imagens de setembro de 2022, com a devastação da área:
Detalhes reveladores
A análise das imagens ao longo dos anos revela aspectos da mobilidade e curiosidades, que destaco abaixo.
– Pontos de Ônibus
Os pontos de embarque e desembarque dos usuários de ônibus continuam bem precários, com o mesmo modelo ‘caixote de concreto’, sem informações sobre linhas e horários. No fim de tarde, ficam superlotados.
O grande abrigo de concreto que existia na frente do Parque da Cidade foi demolido e cedeu espaço para pistas. As imagens do street view (abaixo) mostram a completa transformação do local. Só mesmo com o auxílio da ferramenta para saber que se trata da mesma área, pois se perderam as referências (como as árvores e a placa indicativa do parque).
Street View, Outubro/2012
Street View, Junho/2024
Pontos de ônibus precários: EPIG, na frente do bairro Sudoeste. Fotos de Novembro/2024
– Vitalidade e Travessias
Antes das obras existia um grande fluxo de pessoas (a pé e de bicicleta) entre os dois lados da EPIG. Trabalhadores que desciam do ônibus e atravessavam para o Sudoeste e frequentadores do Parque da Cidade. Bastava cruzar pelo gramado do canteiro central.
Movimento no canteiro arborizado da EPIG. Agosto/2021
Lembro também de vendedores de frutas e artistas de rua, que trabalhavam próximos aos semáforos na entrada do parque. Nas imagens do street view e nas fotos dá pra ver a vitalidade que havia. Podem-se notar os semáforos e os locais de travessia.
Street View, Dezembro/2014
Street View, Junho/2015
– Entrada do Parque
Havia uma bela entrada para o Parque da Cidade, com mangueiras e outras espécies que davam sombra e embelezavam. Passava por ali com certa frequência e lembro de ver muitos pássaros: pica-pau, sabiá, joão-de-barro e coruja. Hoje tudo se transformou em pista, não ficou nenhum vestígio da área verde, do portão e da placa do parque.
Entrada agradável do Parque da Cidade, com árvores e pássaros. Fotos de julho/2021
Árvores marcadas e posteriormente abatidas na frente do Parque da Cidade. Julho/2021
Entrada do Parque demolida, obras do viaduto. Street View, Maio/2023
– Avenida das Jaqueiras (e dos Ipês)
No acesso para o Sudoeste existia um gramado com caminho para pedestres, bem arborizado. Os ipês amarelos chamavam atenção. Ali ficava o início da avenida das Jaqueiras, que foi desfeita e enterrada para viabilizar as pistas que passam sob o viaduto e facilitaram a passagem dos motoristas por dentro do Parque da Cidade.
Na imagem deste ano é possível ver os taludes laterais. Há um grande desnível, além de grades, que dificultam o acesso de quem está sem carro.
Pedestres na avenida das Jaqueiras, que foi devastada e enterrada. Agosto/2021
Rodoviarismo caro e atrasado
As imagens ao longo dos anos nos fazem refletir sobre os rumos tomados na capital federal. Além dos aspectos de (i)mobilidade, deve-se destacar o período de extremo calor, a seca severa este ano e as enchentes na estação chuvosa.
Pelas imagens se constata a grande impermeabilização. Pode-se inferir que se formou uma grande ilha de calor na região.A impressão se confirma ao percorrer a pé ou de bicicleta o ambiente árido, nada agradável. Um grupo de moradores chegou a se mobilizar e protestar contra a transformação da avenida das Jaqueiras em via expressa, mas o governo não cedeu à pressão.
Mobilização de grupo de moradores no Sudoeste. Fotos de Agosto/2021
Considerando a discussão sobre mudanças climáticas e o esforço de se construir cidades resilientes e sustentáveis, menos dependentes do automóvel, fica difícil defender o modelo rodoviarista de prioridade máxima (ou absoluta) aos carros. O GDF costuma exaltar os motoristas beneficiados a cada viaduto ou túnel construído: mais de 137 mil motoristas no Túnel de Taguatinga e 50 mil motoristas no viaduto do Jardim Botânico, entregue há poucos dias.
No trevo rodoviário do Sudoeste, segundo o governo, 50 mil motoristas foram beneficiados. Eu me pergunto quantos pedestres, ciclistas, usuários de ônibus, vendedores ambulantes e artistas de rua foram prejudicados. Certamente o governo não tem esses dados.
Minha intenção é continuar a pesquisa de imagens e publicar uma série de textos no blog com imagens de outros locais. Já pensei em outros quatro pontos da cidade que passaram por transformação. Até a próxima reflexão ; )
Leia o texto completo, veja mais fotos e vídeos no blog Brasília para Pessoas
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