No final de outubro, bem em meio ao segundo turno das eleições, chegamos aos 300 dias de 2024, com 600 ruas publicadas na seção "Uma Rua Cada Dia".

No período, publicamos fotos dos espaços públicos batizados com a data do dia, de 1º de janeiro a 27 de outubro de 2024, com imagens de ruas, avenidas, travessas, alamedas e praças, em todas as regiões do país, a partir da captação e edição de fotografias realizadas pela plataforma Google Street View. As imagens, duas por dia, são selecionadas, editadas e comentadas pelo arquiteto e fotógrafo Lauro Rocha.

É uma amostragem aleatória dos espaços urbanos por onde os brasileiros caminham, pedalam e tropeçam. Revela a existência de dezenas de tipos de ruas, algumas sem pavimentação ou calçadas, outras estreitas e ocupadas por varais de roupas, cadeiras, escadarias, entulho, lixo, jardins e bancas de comércio. Há pequenas passagens entre casarios em permanente construção, com crianças brincando, gente conversando e bicicletas encurtando distâncias. E há também largas avenidas, com várias pistas e trânsito feroz de veículos motorizados, que afugentam as pessoas a pé.

Em dias de sorte, encontramos algumas ruas bem consolidadas, com toda a infraestrutura necessária para a mobilidade segura, incluindo calçadas bem pavimentadas, faixas de travessia, semáforos para pedestres, ciclofaixas delimitadas, arborização e paisagismo, além de espaços para descanso. Mas são raríssimas exceções em um país tão desigual.

Uma outra versão dessas ruas brasileiras são encontradas em áreas quase rurais, em processo de urbanização. Nelas, vemos caminhos de terra ou grama, galinhas ciscando, cavalos pastando, um ou outro poste da rede de energia, e uma ou duas casas vistas ao longe. São lugares com características rurais, recém incorporados aos cadastros dos municípios. Mas, como sabemos, imagens podem ser traiçoeiras. Em alguns casos, basta girar a foto no street view para ver a cidade ali perto, na primeira esquina, com trânsito intenso e o céu arranhado pelos prédios altos.

Olhando a amostragem atual, com mais de 600 fotos, fica evidente a quase impossibilidade de se cumprir a promessa de passeios acessíveis, com três faixas bem definidas (acesso, livre e serviços), como sugerem os manuais de urbanismo.

Examinando as imagens com novas lentes, podemos intuir um caminho possível e suave para essa transformação: simplesmente, deixar que a vida ocupe as ruas. Muitas fotos mostram a faixa de calçadas tomada por rodas de pessoas em cadeiras de praia, conversando, trabalhando, bebendo um cafezinho, vivendo a vida do lado de fora. Também se vê carros, muitas motos, caminhões e até ônibus estacionados nas ruas e sobre as calçadas, impondo suas presenças mecânicas acima das pessoas.

Ruas assim estreitas, com calçadas impraticáveis, poderiam ser transformadas em vias compartilhadas, com circulação restrita para veículos, mas completamente abertas a pessoas, para desfrute das conversas e brincadeiras infantis. É uma intuição, que talvez mereça um exame mais profundo de urbanistas, antropólogos, engenheiros, profissionais de saúde, comerciantes, gestores públicos e, claro, dos moradores de cada rua.

A baixa presença de árvores ou de qualquer paisagismo é outro aspecto a destacar nas imagens: são raras as ruas e cidades que oferecem essa proteção natural contra o sol tropical e o calor. Uma "invenção" brasileira, mais comum nas cidades do Nordeste, são as árvores plantadas em pequenos canteiros sobre as sarjetas (meios-fios) em várias ruas destacadas na seção. Funcionam como pequenos espaços drenantes, que poderiam ser transformados em "jardins de chuva", posicionados para absorver as águas e evitar a formação de enxurradas perigosas.

 Rua 2 de Agosto em Tauá (CE) Foto: Google Street View | Edição Lauro Rocha

O trabalho seguirá até o final de 2024, com a seleção de fotos e comentários a cargo do fotógrafo e arquiteto Lauro Rocha.

RUAS E CALÇADAS EM NÚMEROS

A seguir, incluímos uma pequena estatística da amostragem realizada até outubro de 2024.

Vias com urbanização consolidada

Das 600 ruas publicadas, 376 (62,6%) ostentam uma urbanização antiga, consolidada. Destas 376,:

VApenas 9 (2,4%) mostram ciclovias ou ciclofaixas, embora uma parte delas ofereça boas condições para a circulação de bicicletas com alguma segurança e conforto.

V112 (29,7%) oferecem alguma arborização de sombreamento para conforto dos pedestres e ciclistas;

V148 (39%) ostentam calçadas regulares na maior parte de sua extensão. Mas, mesmo nessas calçadas há alguns pontos com degraus resultantes da construção de rampas de acesso às garagens. E a maioria dessas calçadas não oferece rampas de acessibilidade padronizadas e compatíveis com as faixas de pedestres.

V101 (26%) têm calçadas com largura que permitem a circulação, mas são obstruídas, em alguns pontos, por postes, árvores, degraus ou outros obstáculos;

V 158 (42%) mostram calçadas irregulares, sem nenhuma acessibilidade. 

Rua 29 de Agosto, em Leme (SP) Foto: Google Street View | Edição Lauro Rocha

Ocupações e loteamentos irregulares

VEntre as 600 ruas, 99 (16,5%) parecem resultar de ocupações informais ou loteamentos irregulares. São vias em baixadas ou terrenos com relevos acidentados, com calçadas estreitas ou inexistentes.

Rua 13 de Setembro, em Belo Horizonte (MG) Foto: Google Street View | Edição Lauro Rocha

Vias em processo de urbanização

VDas 600 vias publicadas, 53 imagens (8,8%) mostram ruas em processo de urbanização, sem calçadas, arborização ou sinalização viária.

Vias "rurais" ou rodovias

VEmbora agregadas ao tecido urbano, 28 imagens (4,7%) mostram vias que sugerem ambientes com características rurais. Em geral, não são pavimentadas e não têm calçadas. Algumas, apesar de nomeadas como ruas, são verdadeiras rodovias.

VEJA FOTOS DAS 600 RUAS
É uma viagem muito interessante pelas cidades do Brasil: 

Outubro | Setembro | Agosto | Julho | Junho | Maio | Abril | Março | Fevereiro | Janeiro

Rua 22 de Setembro, em Salvador (BA) Foto: Google Street View | Edição Lauro Rocha

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