O chapéu que se foi...

Uirá Lourenço queria entregar o chapéu levado pelo vento. Mas havia uma avenida, um rio de carros no meio do caminho...

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Fonte: Brasília para Pessoas  |  Autor: Uirá Lourenço  |  Postado em: 07 de outubro de 2024

Pessoas correm para atravessar a via na capital fe

Pessoas correm para atravessar a via na capital federal

créditos: Reprodução TV Globo Brasília

A cena era de um chapéu ao vento, levado pelos carros que passavam velozmente. Mas não se tratava só de um chapéu. Eu estava perto do Terrível Trevo Norte (TTN), fui até o local pedalando para uma entrevista sobre os riscos aos pedestres.


O cinegrafista gravava os flagrantes: as pessoas desembarcavam dos ônibus num local ermo e sujo (com fedor de urina) e aguardavam a brecha entre os carros para sair em disparada e chegar vivas ao outro lado. No abrigo precário não há qualquer informação sobre as linhas de ônibus que passam.


As duas placas que se veem são hostis com que está sem carro: uma placa informa o alto limite de velocidade (80 km/h) e a outra orienta que o pedestre atravesse por baixo do viaduto. Detalhe: não há calçada (só o conhecido caminho de rato) nem iluminação, e o terreno é íngreme.

 

Caminho inacessível por baixo e alto risco para atravessar por cima, entre os carros velozes



Volto a observar a corrida dos trabalhadores na travessia. Eis que uma senhora está atravessando e o chapéu se desprende. Ela ainda olha pra trás e avalia se volta pra pegar.  O rugido dos carros a 80 km/h (ou mais) a faz mudar de ideia. Ela segue caminho com o sol a pino. Me sensibilizo com a cena e decido resgatar o chapéu. Aguardo uma trégua dos velozes e furiosos, o vento traz o sombreiro mais pra perto.


Corro e pego o chapéu. Imediatamente assobio e aceno para a senhora do outro lado da pista. Ela não ouve, afinal o ronco dos motores é alto. Insisto e continuo a assobiar. A senhora, enfim, me vê acenando com o chapéu, mas prefere seguir caminho a enfrentar novamente o fluxo insano de carros. Ainda cogitei levar até ela, mas iria levar alguns longos minutos na travessia. Deixei o chapéu no ponto de ônibus.


Trevos rodoviários e alta velocidade desumanizam. O ambiente árido, sem árvores (cortadas na ampliação das pistas), desumaniza. No Terrível Trevo chapéus e vidas se perdem1. Não era apenas um chapéu, e sim a dignidade de atravessar com calma e em segurança. Até quando assistiremos passivamente à desumanização das cidades?  

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(1) Recentemente, em junho deste ano, um homem morreu após ser atropelado por um carro e uma moto (link da notícia) no local da reportagem. Outras pessoas já foram atropeladas e mortas no final do Eixão Norte, tragédias anunciadas resultantes do foco na fluidez motorizada, em detrimento da segurança no trânsito.



Vídeo
Reportagem gravada próxima ao TTN, com o flagrante da senhora que perdeu o chapéu (aos 39 segundos da reportagem).

 





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