Pedalar no Recife está dando medo. Pelo menos para quem usa a bicicleta como transporte e em dias de semana, sem a proteção de ciclofaixas e ciclovias ou a estrutura dos equipamentos móveis aos domingos e feriados.
Num intervalo de oito dias, três ciclistas - dois homens e uma jovem mulher - foram atropelados e mortos em diferentes bairros da cidade. Os dois homens foram atropelados praticamente no mesmo horário e mortos na hora por motoristas do transporte público. Eram trabalhadores que usavam bicicletas como meio de transporte cotidiano.
O primeiro morreu atropelado por um ônibus da empresa Caxangá, na praça da Convenção, em Beberibe, zona norte do Recife. O segundo, por um veículo do Sistema de Transporte Complementar de Passageiros do Recife (SCTP), na Ponte-Viaduto Torre-Parnamirim, em Parnamirim, também na zona norte.
A terceira vítima, uma estudante de engenharia civil da Universidade de Pernambuco (UPE), foi atropelada por um motociclista - a informação era de que seria condutor de aplicativo de transporte - na Torre, Zona Oeste do Recife. Ana Gabriela Sena de Barros, 20 anos, lutou pela vida por mais de dois dias, mas faleceu no dia 26 de setembro.
Aumento de mortes
Levantamento sobre os sinistros de trânsito* com vítimas no Recife revela um crescimento impressionante nos últimos três anos. Conforme o estudo, a capital pernambucana mais que dobrou os registros de colisões, quedas, atropelamentos e outros tipos de sinistros no trânsito com vítimas entre 2022 e 2024. Quando o recorte é feito de janeiro a maio de cada ano, o aumento é de 116,5% comparando 2022, 2023 e 2024. Mas observado mês a mês, o crescimento chega a 139%, como aconteceu entre os meses de maio dos três anos analisados. De 2024 em relação a 2023, o aumento foi de 53,9%.
Os registros com vítimas no trânsito recifense aumentaram 62,66% entre 2022 e 2023. O levantamento foi realizado pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo), tomando como base os dados abertos da Prefeitura do Recife. A comparação entre os anos de 2022 e 2023 com 2024 não foi possível porque os dados existentes são referentes apenas aos cinco primeiros meses deste ano.
“O aumento dos sinistros de trânsito no Recife reflete uma política que continua priorizando o carro, sua circulação e velocidade. Em nenhum momento há um gesto da prefeitura que indique aos motoristas que eles não são prioridades nas vias - porque não são -, e de que eles deveriam tomar muito cuidado com as vidas que transitam nas vias, ao seu lado. No máximo, há campanhas pontuais...”, critica Daniel Valença, um dos coordenadores da Ameciclo.
Valença segue, alertando para o fato de que a capital, mesmo diante desse cenário sinistro, passou um ano com a fiscalização de velocidade desligada. “Desde 2021, as velocidades das avenidas deveriam ter sido reduzidas para 50km/h, e não foram. Os radares são desligados nas madrugadas e, até recentemente, estavam desligados na cidade inteira. Não são ampliadas as faixas de ônibus, as estruturas de bicicleta são colocadas em vias já acalmadas e, quando uma ciclovia é implantada numa avenida, a prefeitura diz "o melhor de tudo é que não tirou faixas de rolamento". Por isso, repito: esses números absurdos são resultados diretos dessa gestão de mobilidade voltada para o carro”, reafirma.
Ghost bikes
Em protesto contra as mortes, os ativistas da Ameciclo estão realizando ações públicas nos locais das mortes, com a instalação de bicicletas brancas (ghost bikes). Na próxima sexta-feira (4), às 18 horas, haverá uma homenagem à estudante Ana Gabriela Sena de Barros, a Gabi. "É um ato simbólico que homenageia as vítimas e busca chamar a atenção para a urgente necessidade de uma infraestrutura segura para quem se desloca de bicicleta em nossa cidade...", diz o texto da convocação.
*Nota: conforme norma da ABNT, agora incluída no Código de Trânsito Brasileiro, o termo correto é sinistro de trânsito, porque são eventos que poderiam ser evitados
Reportagem publicada originalmente por Roberta Soares, no jc.ne. Leia o texto completo no link jc.ne
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