Caminhos e ideias para a construção de cidades sustentáveis e acessíveis foram apresentados e debatidos na noite de terça-feira (27), durante o Fórum de Mobilidade Urbana da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. No palco, cinco especialistas que abordaram o tema de diferentes ângulos, do transporte coletivo ao deslocamento a pé. Na plateia, ex-alunos da FGV, professores, pesquisadores e ativistas da mobilidade urbana. Ao final, foi aberto o debate com perguntas da plateia, seguido do lançamento da segunda edição do livro "Movido pela Mente", de Ricky Ribeiro.
Foi ele, Ricky Ribeiro, fundador e diretor do Mobilize Brasil, quem abriu os trabalhos, usando para isso sua voz eletrônica (necessária devido à Esclerose Lateral Amiotrófica, que lhe tirou a capacidade de falar) e um vídeo que ilustra sua trajetória, colocando na linha do tempo o que o levou à criar o primeiro portal de mobilidade urbana sustentável do país. Ricky é administrador público formado pela FGV, escola que aliás integra o currículo de todos os cinco palestrantes do evento.
Ribeiro deu ênfase à adequação das cidades e dos meios de transporte às pessoas como ele, que têm algum tipo de restrição de movimentos, incluindo os idosos, segmento da população que tende a crescer no Brasil. Lembrou que um simples vão entre um trem e a plataforma de embarque já pode constituir uma barreira para a circulação dessas pessoas. E citou o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, para quem uma cadeira de rodas poderia ser a "máquina para o planejamento urbano". Ricky Ribeiro também enfatizou a necessidade de revisão das calçadas em todas as cidades brasileiras.
Calçadas também foram um dos temas de Leticia Sabino, do Instituto Caminhabilidade, organização formada por mulheres para defender e estimular o caminhar como forma de transporte nas cidades. Leticia mostrou que mesmo com as pobres condições oferecidas a pedestres nas ruas brasileiras, em média 39% dos deslocamentos diários são feitos inteiramente a pé, sem considerar os trechos caminhados para acesso aos terminais de transportes. A ativista também revelou que os deslocamentos a pé são feitos majoritariamente por mulheres, que levam filhos à escola, trabalham, fazem compras e cuidam de seus lares. "A engenharia de tráfego trabalha com a ideia de pessoas que vão e voltam para o trabalho ou para a escola mas na prática, esses ciclos são bem mais variados e envolvem muitas atividades", explicou Leticia Sabino. Ela lembrou ainda que a Política Nacional de Mobilidade Urbana estabelece prioridade a pedestres, invertendo a lógica presente que privilegia o tráfego motorizado.
A resistência às mudanças foi o tema central da fala de Ciro Biderman, professor da EAFGV e diretor do programa FGV Cidades. Biderman lembrou que a chegada dos automóveis, no século 20, levou à maior transformação ocorrida nas cidades desde os tempos do Renascimento, com a abertura e alargamento de vias de forma nunca vista antes. Agora, ante as dificuldades geradas pelo excesso de veículos, há uma certa inércia dos gestores públicos em promover mudanças nos modos de circulação nas cidades, por motivos econômicos, sociais e culturais. Um exemplo citado por Ciro Biderman foi o estudo realizado na cidade de Berlim, Alemanha, que prevê um aumento drástico no consumo de eletricidade caso todos os carros da cidade sejam substituídos por veículos elétricos. "O consumo seria maior do que toda a energia hoje disponível para a cidade", explicou Biderman. O caminho mais racional, portanto, seria a substituição dos carros por veículos coletivos, ônibus ou bondes elétricos.
Alternativas não faltam, como mostrou a professora Eliana Mello, também da FGV, em sua apresentação sobre o futuro da mobilidade sustentável. Ela sugere um sistema de mobilidade integrado, que comece nas calçadas e faixas de pedestres, inclua bicicletas e ciclovias, redes de transportes bem estruturadas e a adoção do conceito de mobilidade como serviço, uma versão ampliada e coletiva dos carros de aplicativos hoje disponíveis em todas as cidades do país.
Por fim, o engenheiro Normano Ribeiro traçou um panorama sobre as tecnologias existentes para controlar e aumentar a eficiência dos sistemas de transportes urbanos. Os recursos incluem desde câmeras para checar a atenção dos condutores de ônibus até sensores instalados sob as calçadas que permitem verificar a intensidade e a direção do fluxo de pedestres em cada rua da cidade.
Debate
Uma pergunta da plateia, sobre o trabalho à distância, foi respondida com certo ceticismo pelos especialistas, tendo em vista o gradativo declínio dessa forma de trabalho entre as empresas, especialmente após a pandemia de covid 19.
Outra questão, sobre a falta de banheiros públicos nas cidades, foi entendida como um fator que desestimula a mobilidade a pé. Letícia Sabino lembrou o filme "Perfect days", de Win Wenders, que mostra o dia a dia de um funcionário encarregado da manutenção dos banheiros públicos de Tóquio. Para ela, o que chama a atenção é a qualidade das instalações, sempre novas, limpas e higienizadas, o que poderia ser um exemplo para os gestores públicos brasileiros.
Ainda da plateia veio a sugestão de que a resistência à mudança citada por Ciro Biderman poderia ser quebrada com campanhas de educação e informação voltadas ao público geral, de forma a desestimular o uso irracional do carro particular nas cidades.
Ao final do encontro o público presente pode conhecer a nova edição do livro "Movido pela Mente", que traz um perfil de Ricky Ribeiro e sua luta contra a esclerose lateral amiotrófica.
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